"Sinto que é bom que eu assim continue/ Sempre atendendo ao nosso senso de observação do Universo/ Natureza/ E atento ao que percebo desta condição de homem/ O animal que fala/ E sua (minha) interação como parte do meio ambiente/ Das mensagens, ensinamentos/ Que constantemente o cosmo põe ao nosso dispor/ Percebamos ou não". A faixa "Apresentação" é a introdução de "Afrocanto das Nações - Jêje" (2021), lançamento mais recente do cantor, compositor e pesquisador da musicalidade afro-brasileira Mateus Aleluia. Em reverência às divindades e aos elementos da natureza, as falas e os cantos inéditos do artista rememoram o elo entre o sagrado e o humano.
O trabalho manifesta pesquisas relacionadas à ancestralidade ritualística musical pan-africana, em uma aproximação dos toques e cantos praticados no Brasil com os toques e cantos dos Orixás, Nkises (entidades nos candomblés de Angola e do Congo) e Voduns (divindades da nação de candomblé conhecida como Jêje) em suas terras de origem. As 32 faixas que compõem o disco são leituras pessoais de Aleluia, resultantes de uma imersão nos cantos para os Voduns das etnias Fon, Ewe e Ashanti. O álbum integra o repertório do primeiro show do cantor em Fortaleza, que será realizado nesta quinta-feira, 3, ao lado de Vinícius Freitas no sax e flauta, e Adailton na percussão.
"Ele [o álbum] chegou dentro desse contexto do pan-africanismo - várias nações africanas que aqui foram consideradas simplesmente africanas. Distintos reinos, com cultos e culturas muito específicas e que aqui foram vistos de uma forma só", explica o artista em entrevista exclusiva ao O POVO. "Afrocanto das Nações", complementa o pesquisador, visita a fonte de origem na Àfrica para "entender como éramos antes de vir para cá e o que nos tornamos quando chegamos aqui".
A obra integra a iniciativa "Nações do Candomblé", que também conta com museu virtual homônimo. O material é divulgado em plataforma on-line por meio de diferentes linguagens artísticas e procedimentos etnográficos. "Esse material ele próprio foi se ramificando, nós não concebemos nada do que foi sendo feito, é como uma criança que vai se descobrindo à medida que vai crescendo. A amálgama cultural e cultual que aconteceu aqui na Terra foi fazendo releitura de si própria, de forma que o "Nações do Candomblé" por si só ele se impôs e vêm se impondo, ele é o culto que se transforma em cultura, é um trabalho que sai dele próprio, e não de fora para dentro", complementa.
É por meio do som, do texto e da imagem que Aleluia dissemina a importância do contato com a cultura dos povos africanos. Nascido em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Seu Mateus enlaça o caminho até Angola, onde viveu por mais de 20 anos e atuou com pesquisa antropológica e cultural dentro do Ministério da Cultura. Esta relação, entretanto, foi firmada na música com Os Tincoãs, trio expoente da década de 1960 e considerado pioneiro em trazer elementos do candomblé e da umbanda à Música Popular Brasileira (MPB).
Em trabalho solo, o compositor também lançou "Cinco Sentidos" (2010), "Fogueira Doce" (2017) e "Olorum" (2020). Tido como mestre musical e referência, Seu Mateus soma mais de cinquenta anos de carreira explorando a multiplicidade no movimento da cultura afro-brasileira.
Canta que o amor renasce das cinzas, celebra a vida em todas suas formas e convoca à festa. "A gente advoga o princípio que através do culto a gente exercita uma forma de ser que é a cultura. E essa, que é a primeira vez que a gente sobe no palco em Fortaleza, será como nas outras vezes: a emoção é a mesma, a expectativa é sempre a mesma e a verdade é sempre a mesma", arremata o cantor.
Trajetória
"Os Tincoãs" (1973)
A entrada de Mateus Aleluia no trio Os Tincoãs marcou uma nova fase do grupo. Com o disco homônimo lançado em 1973, os artistas cantam para os Orixás e integram canções com influências de cantos do candomblé. O repertório integra as canções "Canto Para Iemanjá" e "Deixa a Gira Girá".
"Cinco Sentidos" (2010)
Disco de estreia solo de Mateus Aleluia na música, o trabalho reúne 11 faixas do cantor natural de Cachoeira. Com faixas que mostram a inspiração da cultura afro-barroca, o trabalho antecede "Fogueira Doce" (2017) e "Olorum" (2020).
"Nações do Candomblé" (2021)
Projeto de autoria de Mateus Aleluia, onde ele apresenta suas pesquisas mais recentes no âmbito da ancestralidade ritualística musical pan-africana. Contém um museu virtual homônimo disponível no site (www.naçoesdocandomble.com.br).
"Afrocanto das Nações" (2021)
Disco resultante da pesquisa de "Nações do Candomblé". Em 32 faixas, traz uma leitura pessoal do artista acerca dos cantos para os Voduns das etnias Fon, Ewe e Ashanti. Está disponível nas plataformas digitais.
Mateus Aleluia no São Luiz
Quando: nesta quinta-feira, 3, às 19 horas
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro)
Quanto: R$40 (meia) e R$80 (inteira)
Ingressos disponíveis no Sympla