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Rap brasileiro se potencializa ao ganhar sotaque nordestino
Vida & Arte

Rap brasileiro se potencializa ao ganhar sotaque nordestino

Dos rádios das comunidades paulistas nos anos 1980 ao topo do streaming nos últimos anos, o rap se transformou no País tendo artistas nordestinos como protagonistas
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Baco Exu do Blues participa do single
Foto: Divulgação Baco Exu do Blues participa do single "Sulicídio"

 

A luta, a resistência e a insatisfação da comunidade negra é cantada, protestada e cuspida nas fortes letras do rap desde o seu surgimento, entre 1960 e 1970. Chegando ao Brasil nos anos seguintes, o gênero logo se espalhou e conquistou corações e mentes daqueles que viviam na pele o preconceito e a miséria das periferias. Agora, após mais de 40 anos, os rappers estabeleceram sua voz e construíram espaços para continuar contando suas histórias e celebrando suas conquistas.

Antes marginalizadas e associadas a pequenos grupos urbanos, as músicas de rap se transformaram em verdadeiros produtos da cultura de massa, estando hoje frequentemente no topo das plataformas digitais. Contraponto a um modelo de sociedade que exclui minorias políticas, o gênero que nasceu da cultura hip-hop segue ganhando espaços para levantar diferentes bandeiras voltadas tanto para o coletivo como para o indivíduo.

Uma nova geração de artistas, que têm se somado àqueles que ajudaram a pavimentar o caminho até aqui, tem criado e se apropriado de variados estilos para fazer com que seus versos sejam ouvidos. As palavras duras e a rebeldia permanecem como ferramentas para demonstrar seus descontentamentos, agora ecoados para multidões com auxílio da internet e das redes sociais.

Mas antes de fazer um arco temporal sobre a história do rap, pontuando suas variações, seus artistas e suas pautas, é importante entender como ele nasceu e como se estrutura.

 

 

Associado às populações mais pobres nos Estados Unidos, o rap foi importado para o Brasil com o mesmo estigma. Desembarcou nas periferias do País, crescendo e se desenvolvendo principalmente em São Paulo, onde o grupo Racionais MC’s nasceu e se notabilizou como o principal do gênero no País, influenciando diversas pessoas, dentro e fora da música.

Formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, o grupo é conhecido até hoje por sua atuação marcada pelo trabalho forte de conscientização, trazendo uma agressividade e combatividade em suas letras e apresentações. Evidenciam vitalidade para a luta de resistência negra contra os ataques das classes dominantes, do Estado e da grande mídia.

“Racionais é um grande marco, porque vem com um discurso sobre a periferia, sobre o que é ser negro no Brasil ou ser negro em São Paulo”, conta Léon Denis. Geógrafo formado na Universidade Federal do Ceará (UFC) , ele é um estudioso do rap, que é o tema de sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP). Ele ajuda a construir uma linha temporal do gênero no Brasil que, segundo ele, “começou até antes de Racionais”.


 

Mas foi apenas a partir de 30 de agosto de 2016 que o rap começaria a verdadeiramente se transformar em um objeto nacional. Nesse dia, dois nordestinos se juntaram para trazer sua própria identidade, sotaques e gírias no lançamento da música “Sulicídio”. Este foi um grito do baiano Baco Exu do Blues e do pernambucano Diomedes Chinaski, escutado atentamente por toda a cena hip-hop brasileira.

O som publicado atacava diretamente a cena do rap brasileiro que, de acordo com seus compositores, dava muito mais valor aos artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo em detrimento dos nordestinos. “Eles (Baco e Diomedes) estavam criticando todo o sistema que fez o rap ficar embranquecido, em que só rappers brancos estavam fazendo sucesso. E que as pessoas que não eram do eixo Rio-São Paulo não conseguiam alcançar certos espaços. Foi ali que começou tudo, em 2016”, demarca Léon Denis.

Jornalista pela UFC, produtora cultural e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Thaís Aragão vai na mesma linha e afirma que Sulicídio “ajudou a mudar o rap nacional” e que na época de seu lançamento “uma treta gigante” aconteceu no meio.

Thaís Aragão é jornalista, produtora cultural e acompanha a cena do rap há mais de 20 anos(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Thaís Aragão é jornalista, produtora cultural e acompanha a cena do rap há mais de 20 anos

O grito dado por Baco e Diomedes, segundo ela, causou uma “grande crise” e reflexão em produtores, fãs e até na grande mídia. O barulho feito por aquele som contribuiu para abrir uma discussão sobre a invisibilização dos rappers nordestinos e para evidenciar que a cena que se mostrava excludente. “O rap é falado, portanto o sotaque é algo importante”, defende Thaís.

Logo após este lançamento, Baco e Diomedes se tornaram alvos de músicas de artistas, sobretudo do Sudeste, que se sentiram ofendidos. Em entrevista ao canal RapBox meses depois da publicação de Sulicídio, Baco explicou que a intenção da música era realmente “chacoalhar o público”, e não os artistas citados na letra.

“Mas para atingir o fiel você tem que atingir a divindade. Eu não cheguei para bater na cara de ninguém, nem para dar o papo na cara de ninguém. Eu tive que atingir os caras para atingir o público deles”, completou.

Com os holofotes agora se voltando para o Nordeste, diversos rappers da região começaram a ter suas produções e carreiras mais bem valorizadas, prova disso são os inúmeros artistas e músicas lançados nos anos seguintes.

A aproximação geográfica e cultural trabalhada nas letras passaram a contribuir com o sucesso dos novos nomes locais. “Quando eu escuto uma música que tem alguém falando do meu bairro eu me identifico. Daí muitas pessoas olham isso e pensam: ‘eu também posso fazer aquilo’. Acho que isso significa muita coisa, é algo que inspira, e não só no rap, como na poesia, no break, no grafite…”, retoma Léon Denis.

 

 

Rap como gênero mais ouvido

Os Estados Unidos são o principal país influenciador na cultura do entretenimento em grande parte do mundo ocidental. Na música não seria diferente. Tanto é que a guinada para o rap aconteceu de maneira inédita em 2017, quando pela primeira vez o hip-hop e o R&B ultrapassaram o rock como maior gênero musical nos EUA.

Empresa de levantamento de vendas de música e vídeo nos Estados Unidos e no Canadá, a Nielsen Music divulgou naquele ano que oito dos dez álbuns mais ouvidos eram de rap ou R&B.

Ainda em 2017, o rap do brasileiro vivia um ano de ouro, quando diversos trabalhos de excelência foram lançados, aquecendo a cena (confira no quadro abaixo). Considerado como “ano lírico”, 2017 ficou marcado pela multiplicação de novos artistas de diferentes regiões, bem como pela profissionalização da cena musical.

 

Ex-repórter do O POVO e apresentadora do programa Zumbi, especializado em rap na Rádio Universitária, Thaís Aragão relembra que artistas como Djonga, Baco Exu do Blues e outros ascenderam nacionalmente, resgatando realidades antes esquecidas mas agora com aliados fortes: o acesso às novas tecnologias.

“Não dá para pensar nessa produção da periferia sem lembrar que a galera começou a ter acesso aos computadores e à internet. Nós vimos, no Brasil nos últimos 20 anos, que essa turma teve acessos que fizeram com que seus trabalhos tivessem uma qualidade técnica melhor. Isso não tinha nos anos 1990”, menciona.

 

 

Comercialmente viável

Entre as características mais fortes do rap em seu início está o fato de que era um ambiente adverso à grande mídia – algo que foi mudando com o passar dos anos. A exemplo disso, o principal projeto de rap do Brasil na atualidade, o Poesia Acústica é uma  cypher "Cyphers são músicas gravadas com três ou mais MCs alternando nas rimas. Com um tema unindo todos os versos, essas produções se tornaram vitrines para diversos artistas, que ganham esses espaços para mostrar seu trabalho de forma autêntica. " de sucesso que desde 2017 consegue lançar nomes para o reconhecimento nacional.

Nesse projeto, artistas de diferentes gêneros e em diferentes estágios da carreira são convidados para colaborar em mega produções divulgadas no YouTube e outras plataformas para milhões de pessoas. A exemplo de nomes que já participaram estão Ludmilla, Luisa Sonza, Negra Li, Kevin O Chris, Xamã e o cearense Matuê.

Criticadas por aqueles rappers “mais raíz”, produções como Poesia Acústica que abordam bastante a temática do amor romântico, estariam desviando o foco de questões “mais importantes”. Para Thaís Aragão, “isso sempre vai acontecer, mas o hip-hop nasce de uma festa de quarteirão, é um movimento de balançar a bunda, balançar as cadeiras”.

Apesar desse caráter mais voltado para o entretenimento, ainda são raras as participações do gênero na grande mídia. “A gente não tem rap tocando nas rádios”, evidencia a jornalista, que aponta que este é um gênero musical inovador e que já se mostrou viável economicamente.

“O hip-hop nasce na questão da inventividade, da criatividade, é uma coisa de uma genialidade tal qual a de um Beethoven no século XXVII. Só que as pessoas não estão preparadas para esta conversa. O hip-hop, incluindo o funk, é quem está criando algo novo, onde as pessoas não tem amarras”, completa.

 


Diferentes estilos do rap

O rap é um gênero que carrega diversas transformações ao longo do tempo. Justamente por isso, é difícil defini-lo como um modelo pronto, fechado e acabado. Pensando nisso, confira e conheça algumas variações do ritmo.

 

 

Rap como gênero mais ouvido

Os Estados Unidos são o principal país influenciador na cultura do entretenimento em grande parte do mundo ocidental. Na música não seria diferente. Tanto é que a guinada para o rap aconteceu de maneira inédita em 2017, quando pela primeira vez o hip-hop e o R&B ultrapassaram o rock como maior gênero musical nos EUA.

Empresa de levantamento de vendas de música e vídeo nos Estados Unidos e no Canadá, a Nielsen Music divulgou naquele ano que oito dos dez álbuns mais ouvidos eram de rap ou R&B.

Ainda em 2017, o rap do brasileiro vivia um ano de ouro, quando diversos trabalhos de excelência foram lançados, aquecendo a cena (confira no quadro abaixo). Considerado como "ano lírico", 2017 ficou marcado pela multiplicação de novos artistas de diferentes regiões, bem como pela profissionalização da cena musical.

Ex-repórter do O POVO e apresentadora do programa Zumbi, especializado em rap na Rádio Universitária, Thaís Aragão relembra que artistas como Djonga, Baco Exu do Blues e outros ascenderam nacionalmente, resgatando realidades antes esquecidas mas agora com aliados fortes: o acesso às novas tecnologias.

"Não dá para pensar nessa produção da periferia sem lembrar que a galera começou a ter acesso aos computadores e à internet. Nós vimos, no Brasil nos últimos 20 anos, que essa turma teve acessos que fizeram com que seus trabalhos tivessem uma qualidade técnica melhor. Isso não tinha nos anos 1990", menciona.

Comercialmente viável

Entre as características mais fortes do rap em seu início está o fato de que era um ambiente adverso à grande mídia - algo que foi mudando com o passar dos anos. A exemplo disso, o principal projeto de rap do Brasil na atualidade, o Poesia Acústica é um sucesso que desde 2017 consegue lançar nomes para o reconhecimento nacional.

Nesse projeto, artistas de diferentes gêneros e em diferentes estágios da carreira são convidados para colaborar em produções divulgadas no YouTube e outras plataformas para milhões de pessoas. Já participaram Ludmilla, Luisa Sonza, Negra Li, Kevin O Chris, Xamã e o cearense Matuê.

Criticadas por aqueles rappers "mais raíz", produções como Poesia Acústica que abordam bastante a temática do amor romântico, estariam desviando o foco de questões "mais importantes". Para Thaís Aragão, "isso sempre vai acontecer, mas o hip-hop nasce de uma festa de quarteirão, é um movimento de balançar a bunda, balançar as cadeiras".

Apesar desse caráter mais voltado para o entretenimento, ainda são raras as participações do gênero na grande mídia. "A gente não tem rap tocando nas rádios", evidencia a jornalista, que aponta que este é um gênero musical inovador e que já se mostrou viável economicamente.

"O hip-hop nasce na questão da inventividade, da criatividade, é uma coisa de uma genialidade tal qual a de um Beethoven no século XXVII. Só que as pessoas não estão preparadas para esta conversa. O hip-hop, incluindo o funk, é quem está criando algo novo, onde as pessoas não tem amarras", completa.


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