“Eu sou um romancista que se aventura em outros gêneros por força das circunstâncias”. Para o escritor gaúcho José Falero, não há outra forma no gênero narrativo que abarque mais sua bagagem que o romance. Desde que se tornou leitor, desenvolveu prazer especial por romances e, ao virar escritor, desejava escrever narrativas longas.
Talvez essa preferência ocorra pelo fato de Falero ter muito o que contar e, para fazer isso, é necessário ter um espaço que abarque a imensidão de sentimentos e histórias que o acompanham. Ainda que “por força das circunstâncias”, como afirma o escritor, ele consegue também mostrar seu talento nos contos e também em crônicas.
Duas vezes finalista do Prêmio Jabuti (uma com o romance “Os Supridores”, em 2021, e com a coletânea de crônicas “Mas Em Que Mundo Tu Vive?”, em 2022), Falero chega a Fortaleza nesta semana para participar da programação da XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará e também para lançar, na Biblioteca Comunitária Livro Livre Curió, a nova versão da coletânea de contos “Vila Sapo”, sua estreia na literatura publicada em 2019.
O lançamento na biblioteca Livro Livre Curió será realizado nesta terça-feira, 15, a partir das 19 horas. O evento terá também a participação do poeta Talles Azigon, curador desta edição da Bienal do Livro, e os dois escritores conversarão sobre os temas que permeiam a obra, que reúne contos ambientados na favela de Vila Sapo, em Porto Alegre (RS).
A presença de José Falero na Bienal do Livro, no Centro de Eventos, acontecerá nesta quarta-feira, 16. Às 19 horas, ele estará na Arena Principal - A Herança que Seremos, localizada no Salão Icapuí. Na ocasião, ele falará da “literatura enquanto direito humano: um dos tantos direitos negados aos jovens das periferias”.
Às 20 horas, ele seguirá para a sala 3 do 1º Mezanino Leste para a mesa “Uma história de amor e literatura”, que dividirá com sua companheira, a escritora Dalva Maria. Ele defende que “a literatura pode unir as pessoas de muitas maneiras”, e uma delas foi tornar os escritores namorados. “O amor que nós dois temos pela palavra, cada qual à sua maneira, certamente é um dos principais motivos pelo qual estamos juntos”, declara.
O escritor porto-alegrense chegou a trabalhar como porteiro, servente de obras e em supermercados até despontar no cenário literário nacional após “Os Supridores” (Todavia), lançado em 2020. Na ficção, uma dupla de funcionários de um supermercado na capital gaúcha decide entrar para o tráfico diante de uma “seca” de maconha após o desinteresse de traficantes em comercializá-la. Cansados da exploração do trabalho, “é a única opção para melhorar de vida e também uma recusa à desumanização do trabalho”, aponta a sinopse.
Em todos os livros de Falero, a periferia tem presença constante .Ele acredita que tê-la como pano de fundo em seus textos não poderia ser diferente:” Paradoxalmente, a periferia não é periferia pra mim. A periferia é o meu centro, é onde nasci, é onde vivo, é onde gosto de estar, é de onde eu olho pro mundo. Não só a periferia de Porto Alegre especificamente, mas a periferia enquanto espaço existencial, isto é, um lugar onde eu sou livre pra existir conforme existo, onde a maioria se parece comigo (como diria o Mano Brown), e esse espaço existencial é, ao mesmo tempo, a Vila Sapo, a Rocinha, o Capão Redondo, o Curió”.
Diante disso, ele aponta reflexões sobre possíveis estigmas ligados às histórias de pessoas que vivem na periferia, como o da violência urbana: “Se as pessoas, de modo geral, pensam que a literatura que retrata a vida nas periferias se resume à violência urbana, estão enganadas. Afinal, essa literatura é produzida pelas próprias pessoas da periferia, que têm consciência de toda a humanidade que existe lá, de todo o amor que existe lá, de toda a potência que existe lá, de toda a alegria que existe lá, de todo o afeto que existe lá, para além dos estigmas da violência urbana”.
Ele complementa: “Nisso essa literatura difere, e muito, do jornalismo tacanho, geralmente cometido pela classe média branca do país, que insiste, este sim, em retratar a periferia como espaço unicamente de violência, desumanizando, assim, as pessoas que vivem lá”. Ele pontua que é possível dividir o público consumidor dessa literatura em dois grandes grupos, de acordo com as reações mais frequentes, sendo um formado por quem se sente representado nas obras e outro que passa a ter a oportunidade “de exercitar alguma empatia através das histórias”.
Mesmo tendo seu trabalho reconhecido, inclusive a nível de prêmios, como ao ser finalista duas vezes do Jabuti, Falero expande essa dimensão para outro tipo de importância: “O reconhecimento serve como prova de que eu posso ser muito mais, e efetivamente sou muito mais, do que as pessoas costumam imaginar quando me veem na rua. Elas me olham e pensam que eu só posso ser um subalterno trabalhando em empregos precarizados, ou então um bandido de qualquer tipo, ou ainda um vadio”.
O autor avança: “Pois enganam-se: eu sou um escritor cujo trabalho é reconhecido por instituições sérias, não só no Brasil, mas também no exterior. Essa é a característica mais importante desse reconhecimento, ao meu ver: ele possibilita a construção de um imaginário diferente, menos preconceituoso”.
Falero expande a noção para uma pauta coletiva: “O problema é que eu evidentemente não sonho isso só pra mim. Eu sonho isso pra todo um povo: o meu povo. Eu sonho isso pra minha família, pros meus amigos e pra todas as pessoas com experiência social semelhante à nossa país afora. Eu sonho com toda essa gente tendo a oportunidade de desenvolver os seus potenciais mais preciosos e humanos. Eu sonho com toda essa gente ocupando espaços simbólicos diferentes daqueles historicamente reservados pra pessoas como nós neste país. Eu sonho com toda essa gente andando por aí sem ser confundida com bandidos ou vadios”.
Falero na Livro Livre Curió
Quanto ao lançamento de “Vila Sapo” na Biblioteca Comunitária Livro Livre Curió, Falero destaca a necessidade de “promover todo tipo de aproximação” possível com a literatura, descentralizando cada vez mais os espaços em que esses encontros ocorrem. “Eu fui criado num lugar onde não havia livros, nem leitores, nem pessoas interessadas em mudar essa realidade, então sei muito bem a quantidade de milagres necessários pra que uma pessoa se torne leitora em ambientes assim. Dentro do mundo literário, não existe nenhum trabalho mais importante do que a formação de leitores. Por isso é fundamental reforçar o campo literário nos espaços mais variados e descentralizados possíveis”, defende.
Talles Azigon afirma que será um momento de celebração: “A gente espera trazer os poetas, as escritoras, os escritores periféricos, a galera dos coletivos de periferia lá para o Curió e fazer essa grande comemoração. Um encontro de pares, aliados, de irmãos, de irmãs… Acho que será uma grande festa”.
Bienal do Livro do Ceará
Quando: até 20 de novembro
Onde: Centro de Eventos do Ceará (Av. Washington Soares, 999 - Edson Queiroz)
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