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No quintal de casa, bailarina ensina dança para crianças da Sapiranga
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No quintal de casa, bailarina ensina dança para crianças da Sapiranga

Na ponta dos pés: bailarina descobre desejo pelo ensino e ajuda a desenvolver balé na Sapiranga
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FORTALEZA, CEARÁ, 11-11-2022: Na foto, a bailarina Relvya Monteiro, que ensina ballet para crianças e adolescentes, no bairro Sapiranga. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 11-11-2022: Na foto, a bailarina Relvya Monteiro, que ensina ballet para crianças e adolescentes, no bairro Sapiranga. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Plié, tendu, jeté, fondu. Esses são os nomes de alguns famosos passos de balé, estilo de dança quase inexistente nas periferias brasileiras, mas que faz parte do cotidiano da bailarina Relvya Monteiro há 15 anos, dos 23 que possui. Jovem moradora do bairro Sapiranga, em Fortaleza, descobriu na pontinha dos pés o talento para dança e o desejo de ensinar o que já aprendeu para outras pessoas.

Embora ainda exista quem siga ignorando as artes periféricas - por preconceito ou falta de informação - expressões artísticas ganham força nas comunidades e estão mudando a vida de muitos jovens das periferias brasileiras.

Quando o assunto é dança nessas localidades, há associação quase imediata a funk, hip-hop e forró - caso se trate de uma comunidade nordestina. É improvável que o balé faça parte dessa preferência, uma vez que é considerado elitizado e praticado por quem tem condições de pagar um estúdio de dança.

Mas as coisas estão mudando e o balé vem ganhando força nas comunidades e mudando a vida de muitos jovens. Exemplo disso é a bailarina, Relvya, que enxergou na dança um mundo de novas possibilidades. Seus primeiros contatos com o ritmo foram na Escola de Desenvolvimento e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca), onde aprendeu tudo o que sabe, e hoje ensina para outras crianças em seu bairro.

Em entrevista ao O POVO, a bailarina conta sobre a importância da dança, cultura e destaca a transformação que a arte promove na vida das pessoas.

“Ser bailarina não é fácil, exige muita dedicação, disciplina, foco. É saber que tem que abrir mão de muita coisa. A dança se tornou a minha profissão, a minha maior paixão. Ela quem faz ser quem eu sou hoje. E eu sei que a dança nunca vai me abandonar”, declarou.

Aluna da Edisca há mais de quinze anos, a bailarina sempre enxergou os passos de seus professores como exemplos a serem seguidos e a observação lhe trouxe o desejo de ensinar. Relvya começou a dar aulas na escola em que estudava, aos quinze anos, para crianças do bairro e se apaixonou pela profissão.

“Eu sentia o desejo de passar tudo aquilo que eu estava aprendendo para outras pessoas. Mas eu não queria que fosse um público qualquer. Eu queria que fosse para crianças e adolescentes do meu bairro”, disse a jovem.

Aos dezoito anos, conseguiu abrir um estúdio de dança, no quintal de casa, com a ajuda de sua mãe e hoje possui cerca de 60 alunos de várias idades matriculados. Desta forma, ela vem conseguindo passar toda a importância da arte e cultura aos jovens do seu bairro. Mas ainda não consegue se manter exclusivamente de seu estúdio e para completar a renda em casa, a professora trabalha com tranças e penteados.

“Eu não imaginava que a ideia de uma garota de 15 anos iria se tornar minha profissão, meu sustento”, declara.

Relvya acredita que a mudança de aluna para professora foi bem gradual, já que começou a dar aulas muito cedo. Ela aponta, no entanto, que sua preocupação com os alunos vai além da sala de aula, sempre procurando saber como as crianças estão se saindo na escola e a relação delas com os pais.

“Uma vez uma criança chegou e me disse que queria ser igual a mim quando crescesse. Eu guardei isso no meu coração, na memória e me mostrou que eu estou no caminho certo.”

A bailarina, como mulher negra e periférica, enxerga sua escola de dança como um ato de resistência revolucionário que pode abrir caminhos e mudar percursos.

“O balé tem origem nas cortes italianas e francesas. Então ele já inicia no berço muito elitizado e ter uma escola de balé na comunidade é um ato de resistência, é uma forma de dizer que a gente também está nesses locais, que a gente tem que ocupar esses espaços, para que aconteça uma mudança”.

À reportagem, o professor de dança da Edisca, Daniel Lessa - que acompanha a bailarina desde quando ela tinha 11 anos - diz que ela sempre foi muito dedicada enquanto aluna e comprometida com o que se propôs a fazer, fato que foi fazendo dela naturalmente uma professora.

“Desde cedo ela implementou na comunidade dela uma maneira de socializar o conhecimento que adquiriu durante os anos em que esteve ligada a Edisca. Ela passou muito do conhecimento que ela adquiriu para a comunidade, para as pessoas próximas”, relatou o professor.

Daniel ainda afirma que ver Relvya trilhando esse caminho na dança é um ato de coragem, já que a arte não é tão valorizada no País, mas representa afirmação que todo esforço vale a pena quando se é apaixonado pelo que faz.

“Quando você ama muito o que faz isso já te coloca em uma situação de atenção, e quando se quer muito, você tem mais força para vencer os obstáculos que a vida vai colocando”, finalizou Lessa.

Com a realização de seu estúdio de dança criado , a jovem quer ir além e deseja criar no futuro um projeto social parecido com o qual participou, voltado à arte para ajudar jovens da Sapiranga e de bairros adjacentes, repassando os valores que moldaram sua vida.

“Na Edisca eu aprendi a ser protagonista da minha história. Essa foi e é a maior lição que eu aprendi lá. E sempre tive isso em mente de querer passar a mesma oportunidade que eu tive para outras pessoas, outras crianças do bairro. Porque eu sei como é difícil. As coisas não chegam para gente que é de periferia e poder retribuir tudo o que eu aprendi é um sonho”, declara a jovem bailarina.

Com toda sua experiência de dança na instituição, a bailarina foi escolhida para representar a escola no programa Criança Esperança, da TV Globo, ao lado do cantor Carlinhos Brown, mostrando seu amor pela dança e contando um pouco sobre sua história.

“Participar do Criança Esperança foi algo totalmente inesperado e foi uma experiência incrível. Dentre todas as bailarinas eu fui a escolhida, fiquei muito feliz e ao mesmo tempo ansiosa”, disse a jovem.

A ideia do programa foi fazer um mini documentário lúdico, mostrando a bailarina atravessando portas, sempre chegando a um local novo no País, misturando o balé com danças da região. Os locais escolhidos foram Bahia, Pará e Rio de Janeiro.

Na Bahia ela dançou no Pelourinho com Carlinhos Brown; no Pará, o carimbó, e no Rio Janeiro fez uma apresentação ao vivo no palco do programa, ao lado do DJ Pedro Sampaio.

Para a jovem, participar de algo tão grande - e para todo o Brasil assistir - era quase impossível de acontecer, mas ficou orgulhosa por representar os bailarinos e o nordeste no programa. “Sem dúvidas é algo que ficou marcado para mim, na minha carreira e a sensação que eu tive foi de gratidão e reconhecimento por tudo que eu passei ”, finaliza a bailarina.

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