“Enfrentar o racismo e promover a equidade é uma responsabilidade de todas as pessoas”, declara a comunicadora Rachel Quintiliano. Ela faz parte dos autores convidados, além de co-organizadora, do e-book "Caminhos possíveis para a Equidade Racial". A obra ganha evento de lançamento no Café Literário da XIV Bienal do Livro do Ceará neste domingo, 20 de novembro, às 14 horas, celebrando o Dia Nacional da Consciência Negra.
Idealizada pela Fundação Demócrito Rocha, a obra reúne dez convidados, incluindo escritores, professores, palestrantes e militantes especialistas. São eles: Ana Paula Brandão, Dércio Braúna, Germana Cristina Chagas Moura, Hilário Ferreira, Karina Moraes, Kelson Oliveira, Patrício Carneiro Araújo, Rachel Quintiliano e Rebeca Azevedo da Silva.
Lia Leite, também organizadora do projeto, explica como foi feita a escolha dos convidados. "Em reuniões do comitê de equidade racial da Fundação Demócrito Rocha discutimos sobre os tópicos acerca do tema ‘Equidade Racial’ e as reflexões que gostaríamos de propor para a sociedade. A partir dos temas debatidos, buscamos entre professores, pesquisadores e escritores, as pessoas que já tivessem um trabalho consolidado nesses nichos de discussão, como por exemplo, o professor do Instintuto Federal, Kelson Oliveira, que defendeu uma dissertação de mestrado acerca de religiões de matriz africana, e o professor Hilário Ferreira que já ministra cursos renomados nessa área de conhecimento como o curso ‘Negros no Ceará – história, resistência e sociabilidade’, ministrado em 2020”, disse.
O objetivo do livro digital é propor reflexões sobre uma sociedade mais ética e equânime, a partir das perspectivas da comunicação social, branquitude e discriminação institucional, políticas públicas de igualdade racial, o direito à educação, literatura e cultura, e a defesa do respeito aos ritos e à espiritualidade de matriz africana.
“Além da equidade racial, o livro digital reflete sobre racismo a partir da perspectiva da comunicação social, trata da branquitude e da discriminação institucional. Aborda também as políticas públicas de igualdade racial, o direito à educação, literatura e cultura, a defesa do respeito aos ritos e a espiritualidade de matriz africana. Então, é um livro que traz temas diversos e fundamentais hoje em dia, principalmente em uma conjuntura marcada pelo ódio, pelo discurso eurocêntrico e padronizado. Esse livro é justamente essa diversidade de temas”, destaca Hilário Ferreira, também autor do livro.
Para ele, o maior desafio na luta pela equidade racial é "pensar os diferentes com os diferentes" e respeitar as diferenças. "É não ver as diferenças com sinais de superioridade, inferioridade. Porque na medida do que a gente vive numa sociedade, onde do ponto de vista religioso, você tem uma cultura que trata do catolicismo, das religiões cristãs, como religiões de verdades absolutas, num país marcadamente diverso, de uma diversidade religiosa e cultural, você tem que entender e respeitar que a sua forma de se relacionar com o sagrado não deve ser a única válida e verdadeira no mundo", destaca.
"Deve-se respeitar a forma como os indígenas eles concedem o sagrado, deve-se respeitar a forma como os negros ligados ao candomblé e até posteriormente a umbanda, eles se relacionam com o sagrado e suas divindades. A própria cultura negra relacionada a cultura africana, que concede o mundo não particularizado, um espaço só para o sagrado, outro só para o profano, mas o profano e o sagrado se relacionam dialeticamente. Essa é a concepção da cultura tradicional africana. Então, o nosso maior desafio é justamente aceitar esse elemento primordial que está ligado a equidade racial", acrescenta.
Rachel ainda explica o porquê é importante olhar para a equidade e não apenas para a igualdade. "Temos que construir uma ação afirmativa que possa ofertar oportunidade para todos de acordo com as suas necessidades. Então, quem recebeu menos a vida toda, ou sofreu mais as consequências do racismo, precisa de mais incentivo (de toda espécie) para avançar com igualdade. Portanto, a equidade é o caminho para igualdade Queremos com esse livro, esse título, chamar atenção para isso. Que é preciso fazer mais”, destaca.
No evento de lançamento, os autores Hilário, Karina, Dércio, Kelson, Germana e Rebeca estarão presentes. Além disso, na abertura terá cortejo do Maracatu Solar, programa responsável pela formação cultural continuada voltado à cultura popular de Fortaleza.
Lançamento "Caminhos possíveis para a Equidade Racial"
Quando: domingo, 20 de novembro, às 14 horas
Onde: Centro de Eventos do Ceará (Av. Washington Soares, 999 - Edson Queiroz)
Disponibilizado gratuitamente na Livraria Virtual das Edições Demócrito Rocha (livrariaedr.org.br)
Páginas:
Luta antirracista
A comunicadora Rachel Quintiliano, uma das autoras presentes no e-book "Caminhos possíveis para a Equidade Racial", responde perguntas sobre a obra e reflete sobre desafios ligados à equidade racial na sociedade contemporânea.
V&A: Como o título já entrega, o livro discute caminhos para a equidade racial. E para você, quais são alguns caminhos para construir uma sociedade com maior equidade racial?
Rachel Quintiliano: Primeiro, é importante reconhecer que o racismo, além de crime, é uma ferramenta sofisticada que afasta alguns grupos - no caso a população negra - de oportunidades, direitos e liberdades. Uma das estratégias do racismo é invisibilizar e desumanizar pessoas negras e este livro faz exatamente o contrário quando coloca pensadores negros no centro da discussão compartilhando seus muitos saberes. A Fundação Demócrito Rocha, ao lançar esse projeto, se comprometeu mais uma vez com a promoção da equidade em uma ação antirracista.
Esse é exatamente o segundo caminho: colocar em cursos ações antirracistas. É preciso fazer mais do que reconhecer o racismo. É preciso disseminar uma visão, narrativa e posição política das pessoas negras e esse livro contribuiu para isso.
Enfrentar o racismo e promover a equidade é uma responsabilidade de todas as pessoas. É uma ação em prol dos Direitos Humanos e um exercício de cidadania, coerente com a nossa Constituição Cidadã de 1988.
V&A: E quais são os desafios que distanciam a sociedade desse objetivo (alcançar a equidade racial)?
Rachel Quintiliano: A ignorância, a inoperância, a irresponsabilidade e a falta de investimento em políticas públicas de promoção da equidade e investimentos de todos os setores, inclusive o privado e a mídia.
V&A: Você acredita que a sociedade tem avançado na luta contra o racismo?
Rachel Quintiliano: Sim, o movimento social negro foi e segue sendo fundamental na luta contra o racismo. Ainda enfrentamos uma abolição inconclusa, desigualdades gritantes, mas o movimento social negro está sempre analisando, monitorando e propondo caminhos. Os setores da sociedade também têm se somado e muitos mais precisam se envolver e se comprometer com um mundo melhor e justo para todas as pessoas.
V&A: Em meio ao Dia da Consciência Negra, quais seus desejos para
os próximos anos com relação à l
uta racial?
Rachel Quintiliano: O Dia da Consciência Negra sempre renova os meus votos de dias melhores, ainda que tenha noção de que muita coisa ainda precisa ser feita. Eu vejo um encontro de gerações muito frutífero, inclusive neste livro que estamos lançando agora. Olhar para o passado, para construir o futuro ainda é uma premissa importante e a população negra compreende isso muito bem. Tenho esperança que, no futuro, esse seja um dia de celebração para todos os brasileiros, negros e não negros.
Outros livros
Karina Moraes, autora que também participou do e-book, indica outros livros para refletir sobre equidade racial. Confira abaixo as recomendações com texto escrito pela própria escritora:
Racismo Estrutural, de Silvio Almeida
"O pequeno volume produzido pelo advogado e filósofo Silvio Almeida para a coleção Feminismos Plurais consegue ser especialmente didático sem perder de vista a complexidade e a multiplicidade inerentes às questões abordadas: raça e racismo. Trata-se de um livro que nos permite compreender o racismo para além de um fenômeno moral, mas como problemática que se integra às dimensões econômica e política de uma sociedade. A obra de Silvio Almeida requalifica nossos entendimentos sobre o funcionamento do racismo, e isso nos permite requalificar, também, as formas de combatê-lo".
Por um feminismo
afro-latino-americano, de Lélia Gonzalez
"Qualquer discussão sobre racismo e formas de combatê-lo não pode prescindir de um olhar particularizado à situação das mulheres negras. É exatamente isso o que nos entregam os ensaios da antropóloga Lélia Gonzalez. Entre os ensaios reunidos no volume Por um feminismo afro-latino-americano, a pesquisadora se dedica a compreender e a expor a situação política, social e econômica das mulheres negras na formação da nação brasileira".
Superando o
racismo na escola, Kabengele Munanga
"Tendo como público inicial os(as) profissionais da educação básica, o livro organizado pelo antropólogo brasileiro-congolês reúne artigos de diferentes autores engajados na reflexão e proposição de mudanças ao racismo cotidianamente reiterado na sociedade brasileira. Para isso, os participantes fundamentam e sugerem práticas de desconstrução e reconstrução das relações étnico-raciais no ambiente escolar, confrontando as formas de sociabilidades e de produção ideológica inerentes ao racismo entranhado em
uma sociedade".
O Avesso da Pele,
de Jeferson Tenório
"O livro de Jeferson Tenório - escritor que vem se consagrando como um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea - foi o vencedor do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Romance. A narrativa nos leva a experienciar o racismo vivido pelas personagens não só na sua manifestação sistêmica, mas também na intimidade do cotidiano daquelas e daqueles atingidos por essa violência. Nesse romance, podemos acessar os sentimos e conflitos mais íntimos do que há pelo avesso da pele de uma pessoa negra num mundo construído para excluí-la e, assim, imaginar outros mundos possíveis".