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Cidade Criativa: o design como ferramenta de desenvolvimento
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Cidade Criativa: o design como ferramenta de desenvolvimento

Chancela de Cidade Criativa expande oportunidades para o design cearense. Estado busca investimento na área a partir de novas iniciativas
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Entrada do Centro de Design do Ceará, situado no Complexo Estação das Artes (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Entrada do Centro de Design do Ceará, situado no Complexo Estação das Artes

O que conceitua uma Cidade Criativa? De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), é um território que utiliza a criatividade como fator estratégico para o desenvolvimento sustentável. 295 centros urbanos operam em conjunto para incluir uma gama de atividades culturais como elementos centrais. Entre eles está Fortaleza, que recebeu a chancela da organização no ano de 2019.

"A integração na rede de Cidades Criativas traz visibilidade, mais atenção do mundo em relação ao que fazemos aqui. Também cria um ambiente propício para políticas relacionadas à linguagem do design, com engajamento do setor público e do setor privado", explica o vice-prefeito Élcio Batista. Ele também enumera outros possíveis benefícios, a exemplo da participação em processos de formação e qualificação, a fim de transformar a Capital numa "grande plataforma de economia criativa", utilizando o design como ferramenta transversal.

Os objetivos podem ser alcançados por meio da criação de polos de criatividade e inovação; assim como a melhoria do acesso à vida cultural, em particular para grupos e indivíduos marginalizados ou vulneráveis, por exemplo. Assim, Fortaleza tem a oportunidade de se apresentar como uma "cidade global, capaz de se posicionar internacionalmente do ponto de vista da economia, cultura e tecnologia", pontua o vice-prefeito. Os últimos meses trouxeram algumas iniciativas relacionadas ao setor. Uma delas é a III Jornada Mundial de Design, que aconteceu entre os dias 23 e 26 de novembro.

O projeto foi norteado pelo tema "Design e Literatura Para Um Mundo Em Crise" e possibilitou ações em 18 eixos da Capital, incluindo a Praia de Iracema e os Centros Urbanos de Cultura e Arte (Cucas). A programação uniu formações, debates, feiras criativas, apresentações artísticas e mostras de videodança sobre design editorial, design social, design de produtos, design regional, visual merchandising, ecodesign e demais temáticas. "Como a gente passou a integrar a rede de Cidades Criativas, que estão espalhadas por todos os continentes, a proposta é dialogar com outras culturas, outros centros", agrega Élcio.

O projeto surge em sequência de resoluções como o novo Centro de Design do Ceará, anunciado em março deste ano a partir da inauguração do Complexo Cultural Estação das Artes. O Centro integra a rota de equipamentos com proposta apoiada em quatro pilares: design decolonial, regenerativo, ecoeficiente e político. "São na verdade grandes desafios para buscar uma abordagem, um diálogo com nós mesmos, o ecossistema, as instituições públicas e a sociedade", conceitua Rodrigo Costa Lima, diretor do equipamento.

Para o profissional, trabalhar a visão decolonial é fundamental para a entender a produção local, buscando um olhar de "valorização dos povos originários" e reconhecendo as próprias técnicas. Já o design ecoeficiente propõe o produto como uma forma de ter um impacto mais positivo no ambiente. "O design pode estar a serviço do planeta, a partir dos conceitos da economia circular e design regenerativo, que promova ações para recuperar a destruição que a gente, como sociedade, vem promovendo", complementa.

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Ele ainda reforça a característica política da área e destaca que cada ação é embasada em contexto político-social. "Estamos identificando os parceiros que precisamos nos aproximar, as instituições públicas, universidades, movimentos sociais. Trabalhando também com os designers, os autores". Estas linhas de ações devem seguir uma pesquisa histórica para entender de onde vem a produção de design no Estado e apontar, também, as inovações do futuro. A previsão de inauguração do espaço físico da instituição está prevista para o mês de dezembro, com a exposição "Tempo Presente em Nós: design, memória e inovação". A mostra deve reunir 200 peças em mapeamento desenvolvido a partir dos conceitos da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi.

Até o momento, o Centro vem atuando por meio de formações pontuais, a exemplo do Programa de Cooperação Formativa, que conta com mentoria do artesão Antônio Rabelo, de Quixeramobim. "A gente vai fazer uma abertura gradativa em dezembro. Com a inauguração, o espaço vai ganhar mais regularidade e poderá promover esses encontros para criar um entendimento coletivo dos desejos e anseios para o design do Ceará. A gente se vê muito como esse lugar que vai fomentar o pensamento sobre design e promover conexões", arremata Rodrigo.

Designer cearense Érico Gondim
Designer cearense Érico Gondim

O valor do local

O artista Érico Gondim encontra nas raízes cearenses a inspiração para as obras. Utilizando matérias-primas que, por vezes, poderiam ser descartadas, o designer reestrutura insumos e desenvolve itens que ganham destaque internacional. Um exemplo é a peça MOLE, feita com palha, plástico reciclado e fita de poliéster, que participa do Design Week México 2022.

O artista coleta diversas formações como base, entre elas Especialização em Design Estratégico pelo Instituto Europeu de Design de Milão e Mestrado em Artes com foco em Design de Produtos e Espaços pela Universidade Kingston de Londres. Em entrevista, Érico fala sobre o contato com o artesanato local e a importância do fomento ao design:

O POVO: Você lembra quando despertou a paixão pela arte? Quando você percebeu que poderia ser o seu caminho profissional?

Érico Gondim: Sou designer desde o ano 2000. Tenho artes visuais na minha formação, pós-graduação em Moda, formação em Design Estratégico e formação em Técnica de Produtos. Eu sempre busquei grandes experiências das atividades do design, seja na moda, cenografia, interiores. Tenho meu estúdio, onde eu trabalho com produtos focados em clientes particulares e instituições, também tive a oportunidade de trabalhar com o Senac e Sebrae, parcerias do design social.

OP: Seu trabalho destaca muito o autoral e matérias-primas locais. Como este olhar pode transformar os processos e produtos dentro do design?

Érico: Os produtos ganham um ciclo maior de vida e uma visão ecológica, econômica e social. Recentemente eu ganhei um prêmio em São Paulo com a escultura MOLE, toda feita de palha de carnaúba, que tem expressão do artesanato local. É um trabalho em coautoria com as artesãs, elas produzem as tranças e, em cima delas, eu desenvolvo a escultura.

OP: Você tem esse diálogo constante com outras artesãs e profissionais por meio das consultorias de design social com Senac e Sebrae. O que estas trocas te falam sobre o design cearense?

Érico: A partir do momento que a gente coloca nossa essência e cultura dentro dos produtos ela é bem vista lá fora. É uma forma de trazer o pertencimento local dentro de um mundo globalizado. É super importante ser local e global ao mesmo tempo. Mostrar o que temos aqui, qual é o legado que a gente deixa no desenvolvimento dos produtos, que não é só estético, também traz retorno financeiro às comunidades.

OP: O Ceará também está implementando medidas na área, como a Jornada Mundial de Design e o Centro de Design. Como você avalia o atual panorama do setor no Estado?

Érico: A chancela da Unesco de Cidade Criativa mostra que Fortaleza tem uma potencialidade muito grande de desenvolvimento. O design tem um grande papel para a mudança da cidade, do comportamento do consumidor, da formação de pessoas, do entendimento de como a criatividade é importante para o conceito urbano. O design puxa não só o seu meio, mas também outras atividades criativas. É esse grande guarda-chuva que abraça muitas áreas. A Cidade tem um potencial, mas precisa estar atenta para empregar cada vez mais pessoas.

Fernando e Humberto Campana estiveram na Galeria Multiarte em 2018
Fernando e Humberto Campana estiveram na Galeria Multiarte em 2018

Legado dos Irmãos Campana

A capital cearense também é plataforma para nomes renomados do cenário nacional e internacional. Em 2018, a galeria Multiarte recebeu obras dos designers Fernando e Humberto, os irmãos Campana, referências internacionais do design contemporâneo brasileiro. Eles nasceram em Brotas, cidade localizada no interior de São Paulo, e desenharam joias, sapatos, roupas e bolsas, com destaque para os móveis.

Durante passagem pela 'Terra da Luz', eles ganharam espaço expositivo com curadoria de Max Perlingeiro, em mostra que reuniu mais de 33 peças. Na ocasião, a Multiarte inaugurou a fachada do espaço, criada em tijolo de cobogó pela dupla. A arte foi feita em homenagem às vítimas da tragédia de Mariana, em Minas Gerais. No último dia 16, Fernando faleceu no Rio de Janeiro, sem causa confirmada.

 

Adélia Borges, palestrante do evento
Adélia Borges, palestrante do evento

O design como potência de desenvolvimento

Em entrevista ao Vida&Arte, a jornalista, historiadora, curadora e crítica de design Adélia Borges afirma que a chancela de Cidade Criativa colocou o Ceará em posição de "liderança" dentro do setor no País. Ela pesquisa a área desde a década de 1980 e, desde então, já publicou mais de 19 títulos, entre eles "Design Artesanato: O Caminho Brasileiro".

A jornalista avalia a constante evolução no mercado de design, mas reforça que é necessário políticas públicas para "valorizar e aproveitar o potencial que o design tem como uma ferramenta estratégica para levar o País a se desenvolver melhor". Isto porque o design tem particularidade "pluridisciplina", podendo ser utilizado para promover mensagens de conscientização e criar espaços que aproximam pessoas de diferentes realidades. "O governo deve promover promoções sobre design, que sirvam didaticamente para que se possa ampliar a percepção consciente das pessoas. O design pode estar a serviço do que a gente quer", complementa Adélia.

O designer Stefano Carta Vasconcellos, diretor acadêmico do Istituto Europeu di Design (IED Brasil), argumenta que a criatividade é o grande motor no ofício. "Você pode juntar aspectos muito diferentes em um único projeto, para que tenham um alcance melhor e que sejam mais sustentáveis", define. Com vivência também na Itália, ele afirma que o Brasil cresce em oportunidades. "A gente deve usar o design para ressaltar as individualidades, é uma ferramenta de valorização da cultura".

 

A Abracadabra Design surgiu em 2008 e une a consultoria de negócios com produção criativa. Os serviços da agência envolvem identidade visual e verbal para marcas, design de embalagens, comunicação corporativa e mais.
A Abracadabra Design surgiu em 2008 e une a consultoria de negócios com produção criativa. Os serviços da agência envolvem identidade visual e verbal para marcas, design de embalagens, comunicação corporativa e mais.

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Abracadabra
Design

A Abracadabra Design surgiu em 2008 e une a consultoria de negócios com produção criativa. Os serviços da agência envolvem identidade visual e verbal para
marcas, design de embalagens, comunicação corporativa e mais.

David Lee

Com foco no Design de Moda, o artista utiliza o crochê e as técnicas manuais para a produção de vestuário. Na imagem, papete da marca Rieder customizada por David.

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Rafael Studart

Após temporada de estudos no IED Milão, o arquiteto e designer Rafael Studart foca no design de mobiliário e marcenaria. Seu trabalho busca unir elementos da cultura popular e da arquitetura vernacular. Na imagem, peça "Totó".

Dora Coelho

A arquiteta e designer Dora Coelho lidera o Estúdio Oficina, onde une máquinas de corte à laser e técnicas tradicionais de marcenaria para criar itens de encaixe. Na foto, banco "Volpí".

 

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

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