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Finalista do Prêmio Jabuti, Stênio Gardel aponta novos caminhos literários
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Finalista do Prêmio Jabuti, Stênio Gardel aponta novos caminhos literários

Em entrevista ao Vida&Arte, o escritor Stênio Gardel fala sobre o mercado editorial e os próximos passos da carreira
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Escritor cearense Stênio Gardel estreia no gênero romance abordando o amor, a violência e o preconceito (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Escritor cearense Stênio Gardel estreia no gênero romance abordando o amor, a violência e o preconceito

A narrativa de "A Palavra Que Resta" (2021) traz à tona a história de Raimundo, homem que aprende a ler aos 71 anos para redescobrir o amor por meio de uma carta deixada há mais de cinquenta anos pelo personagem Cícero. Enquanto mergulha neste árduo processo, Raimundo toca em memórias da infância no interior e no processo de partida para a capital. Ele encontra, também, o medo e a violência por trás do preconceito, um dos pontos contextualizados na escrita fluida do autor Stênio Gardel.

Nascido em Limoeiro do Norte, no Ceará, o escritor e servidor público do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE - CE) esteve entre os dez finalistas da categoria "Romance Literário", do 64º Prêmio Jabuti, com este romance lançado pela Companhia das Letras. Ao longo dos anos, lançou contos como "A Marca" (coletânea Farol, Ed. Moinhos) e "Santíssima Trindade" (coletânea Mirabilia, Ed. Labrador). Em entrevista ao Vida&Arte, Stênio rememora as principais referências na escrita, avalia o panorama do mercado editorial cearense e sinaliza os próximos passos na área literária:

O POVO: Stênio, você é um dos finalistas da categoria "Romance Literário" do 64ª Prêmio Jabuti com "A Palavra Que Resta", seu romance de estreia. Como você recebeu esta indicação? O que ela representa logo neste momento da sua carreira literária?
Stênio Gardel: Foi uma enorme surpresa e uma alegria maior ainda. É mais uma conquista do livro, e, com a indicação, acho que a obra vai chegar a mais pessoas. Isso é o mais importante, principalmente sendo o meu primeiro romance, para que mais e mais leitores conheçam meu texto, minhas histórias e um pouco da minha própria história e, de certa maneira, façam parte dela. Estar entre os finalistas é também um reconhecimento muito significativo e me dá mais certeza - e vontade! - para continuar escrevendo.

OP: Em "A Palavra Que Resta", você traz uma narrativa fluida, que transita entre passado e presente, unindo distintas vozes. Quais nomes da literatura são referências para o seu estilo de escrita?
Stênio: Raduan Nassar, Graciliano Ramos e William Faulkner são sempre os primeiros quando penso em admiração e inspiração literária, mas muitos outros fazem parte da minha estante especial, digamos assim. Para citar alguns: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Manoel de Barros, Campos de Carvalho, Dostoievski, John Steinbeck, Carson McCullers, Marcelino Freire, Socorro Acioli, Maria Valéria Rezende, Saramago, Atiq Rahimi. São referências amplas e profundas, no olhar para o mundo e como esse olhar compõe suas literaturas, mais que referências de estilo, tanto que são inúmeros os estilos dessa lista. Os textos em si são fundamentais na minha admiração e me ensinam muito, claro, mas na hora de colocar as minhas palavras no papel, busco a forma que melhor possa contar a história que vou contar, não esse ou aquele jeito específico de escrever que eu tenha lido.

OP: O romance é inspirado em suas experiências profissionais e relata a história de um homem que, como você, também migra do interior para uma cidade maior. Como as suas próprias vivências auxiliam na construção das narrativas?
Stênio: São essenciais, são ao mesmo tempo matéria-prima e manufatura. Minhas lembranças, meus sentimentos, minhas relações, os lugares que vivi e conheci, as vozes que ouvi, tudo que me faz, faz parte da minha criação literária. Às vezes de forma racional, mas muito inconscientemente também. E por isso, não acredito que possa haver dissociação. É possível, e necessário, sim, perspectiva, porque é ficção, invenção no fim das contas. Além do aspecto da migração, que você cita, compartilho com Raimundo, por exemplo, a homossexualidade, a infância na zona rural, a vontade das letras. Porém, me afasto completamente do personagem em outras arestas: nunca sofri a violência extrema que ele sofreu, nunca fui tratado pela minha família da forma que ele foi, eu fui alfabetizado desde cedo, ele não.

OP: Ao passar pela história de Raimundo, o romance aborda a violência por trás da miséria e do preconceito. De qual maneira a sua escrita também funciona como denúncia de problemáticas sociais?
Stênio: Acredito que funciona como meio e não fim. Em primeiro lugar estão os personagens, o enredo e a composição literária do texto. Dessa forma, as temáticas e as defesas ou denúncias que possam ser levantadas surgem como significado, como parte das várias possibilidades de sentido construídas a partir da leitura do romance. Isso de forma nenhuma, na minha opinião, diminui o papel da literatura na discussão de qualquer tema. Pelo contrário, a abordagem ganha força e consequência quando o tratamento literário é também mais forte e presente.

OP: Você também publicou alguns contos, como "A Marca" (Editora Moinhos) e "Santíssima Trindade" (Editora Labrador), antes de "A Palavra Que Resta". Como a publicação por uma editora como a Companhia das Letras pode afetar a circulação de um título literário?
Stênio: Afeta de forma decisiva, em todo o processo, desde a edição, revisão, marketing até a distribuição e contratos de adaptação da obra ou de publicação em outras línguas. A isso, soma-se certa legitimação que o selo editorial credita à obra, que chega ao mercado já com essa chancela, que, por sua vez, tem impacto nas expectativas e avaliações dos leitores.

OP: Ainda sobre o processo de lançamento, como você enxerga o atual cenário do mercado literário cearense? Como você analisa o método de publicação para novos escritores?
Stênio: Vejo como muito positiva a emergência de diversos meios para publicação. Um fator importante é que, qualquer que seja o caminho, ele deve atender aos anseios do autor. Autopublicação, campanha de financiamento, editoras independentes, todos são caminhos legítimos, podem publicar com qualidade e merecem a nossa atenção e do mercado. Poderiam ter ainda mais espaço em grandes livrarias, por exemplo. Relevantes, portanto, são os espaços na Bienal do Ceará - Quadra Literária e Vozes do Ceará -, conquistados para que edições e escritores vindos desse movimento ganhem mais visibilidade e mais leitores.

OP: Além da sua função como escritor, você também é servidor público concursado do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE - CE). Como é a rotina dividida entre as duas áreas? Em projeções futuras, qual dimensão você pretende dar à literatura dentro do âmbito profissional?
Stênio: A mudança mais significativa foi a participação em eventos, clubes de leitura, lives e entrevistas como esta. Mas até agora tenho acomodado bem as novas atividades na minha rotina, sem prejuízo para nenhum dos lados. Se estou envolvido em algum projeto de escrita ou edição, utilizo dias de férias. Se tenho viagem do trabalho, não marco compromissos do livro. No futuro que tenho hoje em mente, esse é o cenário, continuar escrevendo e sendo servidor do TRE.

 

Capa do livro
Capa do livro "A Palavra Que Resta"

A Palavra Que Resta

De Stênio Gardel
Companhia das Letras
160 páginas
Quanto: R$47,92

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