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Paola Tôrres fala sobre machismo na literatura de cordel
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Paola Tôrres fala sobre machismo na literatura de cordel

Paola Tôrres é presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel e acaba de lançar livro sobre budismo escrito durante tratamento contra câncer
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A pernambucana Paola Torres é a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES A pernambucana Paola Torres é a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Literatura de Cordel

A primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Literatura de Cordel se chama Paola Tôrres. Natural de Pernambuco, mas radicada no Ceará, ela foi uma das atrações da XIV Bienal Internacional do Livro do Ceará, lançando seu livro “O menino que despertou” na Praça do Cordel. Em entrevista, a autora reflete sobre carreira, literatura de cordel e machismo.

Médica e cordelista, Paola explica como sua trajetória culminou nessas duas profissões. “Eu acho que a medicina foi um sonho de criança. Eu sempre quis fazer medicina, eu achava que era a melhor forma que eu tinha de ajudar as pessoas. Eu morava no interior, no sertão, fui aluna de escola pública. Então a medicina foi uma escolha de tipo, meio mudar o mundo. Eu tinha essa ilusão de mudar o mundo”, relata.

Já o cordel veio de herança. “O cordel é uma influência da minha família, da minha mãe, da minha vó, que sempre gostaram muito de cordel. Mas eu nem sabia que eu sabia escrever cordel. Eu escrevia poesias e outras coisas. E aí quando eu comecei a ensinar na universidade, eu sou professora do curso de medicina da Universidade Federal do Ceará e também da Unifor, eu tentei simplificar pros meus alunos e pros meus pacientes alguns temas e aí veio a ideia de fazer isso em cordel. Eu já escrevia cordel, mas não escrevia tanto quanto eu escrevo hoje. Então, foi uma forma, talvez, de me aproximar das pessoas com essa linguagem que é tão bonita, tão simples e tão amada pelo povo”, conta.

Paola estima que já lançou mais de 50 cordéis e conta que os lançamentos mais recentes costumam ser seus favoritos, incluindo “O Menino Que Despertou”. A inspiração do cordel veio em 2020, quando a autora foi diagnosticada com câncer de mama. Ela viajou para São Paulo para realizar uma cirurgia em meio ao lockdown e durante esse período conversava pela internet com a Monja Coen, professora de budismo. A partir desses encontros virtuais, Paola decidiu escrever a história de Buda.

“Eu já tinha vontade de escrever, mas aí eu estava fazendo radioterapia, eu tinha mais tempo e aí eu comecei a escrever e comecei a tipo, entre aspas, corrigir com ela. Porque isso é um texto sagrado do budismo. Então, ela é uma grande mestra, ela é uma Rshi, significa um professor muito sábio, e aí, esse é um texto que tem essa característica de ser realmente a verdadeira história do Buda em cordel”, explica.

Paola ainda destaca a importância de um espaço dedicado para o cordel durante a Bienal do Livro do Ceará. “Eu me sinto, dentro desse ambiente, como se eu estivesse na minha casa, sabe? A minha gente. E eu vejo que o cordel é muito relegado a um tipo de literatura mais marginal. Mas o cordel é uma literatura genuína brasileira. A gente está agora em 2022, e em 1922, o Carlos Drummond de Andrade disse isso. Disse que o cordel é a poesia genuinamente brasileira. É uma coisa que a gente produz, que a gente tem uma liberdade também. Os poetas cordelistas falam de tudo com muita liberdade. Então, eu tenho uma admiração muito grande pelo cordel por isso”, ressalta.

Machismo no cordel

Paola Tôrres comenta os desafios à frente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, fundada em 1989.

V&A: Você se tornou a primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Literatura em Cordel. Como foi para você conseguir esse título?
Paola Tôrres: Foi uma luta, porque a Academia Brasileira de Literatura de Cordel são quarenta cadeiras e só existem seis mulheres dentro dessa Academia. Então assim, eu sou a sexta mulher a entrar na Academia, a minha cadeira é a cadeira trinta e oito, que foi do músico Moraes Moreira, e aí eu recebi essa incumbência, porque veio a pandemia e o presidente ficou muito doente e ele era uma pessoa que sempre foi o presidente, sempre foi presidida por homens e a diretoria, a maioria dos diretores, sempre homens. E aí na pandemia eu assumi a presidência da academia. Foi muito difícil, porque eu tive muitas contendas lá dentro, algumas rusgas, assim, com os homens, com essa coisa do machismo, que já vem bem estruturado na sociedade e não é diferente no cordel. Mas é isso aí, a gente sempre tem que estar cavando essas trincheiras.

V&A: E quais são as funções dentro da Academia como presidente?
Paola Tôrres: Tem várias funções, tem uma função de organizar as plenárias que são mensais, que são reuniões com cordelistas do Brasil inteiro, pesquisadores e beneméritos, porque a academia não são somente os poetas, têm os pesquisadores também, têm várias instituições que são ligadas. Então, eu tenho que organizar essas plenárias e também fazer projetos para a própria Academia. Agora mesmo, nós estamos no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na Feira Literária de Paraty, com poetas lá, e aí a Academia tem uma participação. É muita coisa, é tanto uma coisa burocrática como uma coisa também social de fazer contatos e fazer projetos.

V&A: O que você acredita que é preciso fazer para que as mulheres conquistem mais espaços dentro da literatura de cordel?
Paola Tôrres: Eu acho que a gente está fazendo. É inspirar novas gerações de cordelistas. É realmente vir pras bienais, fazer palestras, ter espaços como esses que vocês estão dando para gente, um espaço importante. Na hora que você entrevista uma mulher, que você dá essa visibilidade, isso inspira meninas. A gente tem todo um movimento chamado "Cordel de Mulher", "Cordel Sem Machismo". Então eu acho que é isso, a gente estar na Praça do Cordel e a gente ir cavando essa trincheira e fazendo com que novas meninas se inspirem.

Veja vídeo

Confira entrevista exclusiva do Vida&Arte com Paola Tôrres na Bienal do Livro do Ceará:

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