Quem percorre os espaços da Galeria Pedro Jorge, no Centro de Fortaleza, não se depara com apenas um tipo de som. Com lojas de diferentes estilos - roupas e calçados, por exemplo - e serviços, o local expande os sentidos. A visão se torna mais atenta ao ambiente, com tantas opções à disposição. A ela, um outro também se relaciona: o da audição.
Afinal, é no prédio que data da década de 1950 que se abrigaram lojas importantes para o consumo e a fruição musical na Capital cearense. Em seu segundo andar, a histórica “Galeria do Rock” foi casa de estabelecimentos que se tornaram marcantes para a cena underground da música, agregando uma comunidade cada vez mais assídua às alas da Galeria Pedro Jorge.
Lojas como Opus, Chakal e Darkness se consagraram, mas não se mantiveram até os dias atuais. Há, porém, espaços que permanecem, como a Disco Mania e a Planet CD’s. Vinis, CD’s, blusas, DVD’s e outros itens físicos á venda nos empreendimentos se contrapõem ao consumo avassalador de streamings. A partir de seus criadores, o desejo também de preservar as trocas positivas na relação entre os consumidores.
Desde o último sábado, 3, a Galeria do Rock tem em seu espaço uma nova loja para compartilhar vivências e gostos em torno da música. Criada por Alex Aguiar, a Freelancer Discos começou virtualmente, com vendas de vinis e CD’s por meio de grupos de WhatsApp. Em 2015, ganhou sua primeira sede física no bairro Quintino Cunha, onde permanece até hoje.
Há cerca de dez meses, Alex ampliou o negócio para o bairro Montese, e recentemente fez a transferência do ponto para a sala 227 da Galeria Pedro Jorge. “A loja era um hobby meu, porque eu trabalhava com corte de tecido e essa era a minha renda principal. Veio a pandemia e a confecção já não é mais a mesma. O que foi meu hobby, ficou minha renda principal, que são os discos e a loja”, compartilha.
A Freelancer Discos Centro funcionará de segunda a sexta-feira, de meio-dia às 18 horas. No sábado, abrirá às 9 horas e fechará às 16 horas. Os clientes encontrarão à venda vinis, CD’s e DVD’s “do maracatu ao black metal mais extremo”, blusas e também lanches e bebidas não-alcoólicas.
Planet CD's
“Existe essa ligação que se tinha muito no passado e ainda ficou um pouco, de ser um espaço sociável, onde as pessoas se conhecem, onde você gera determinados tipos de assuntos… Hoje, com as redes sociais, as pessoas se afastaram muito desse contato pessoal, de conversar cara a cara, mas ainda tem gente que tem interesse nisso, que vem aqui para descobrir (artistas) através de um bate-papo”.
Foi há 25 anos que Márcio Alves montou na Galeria Pedro Jorge a Planet CD’s, loja que permanece ativa até hoje no local. A relação com a Galeria, porém, vem de vários anos antes, quando na década de 1980 passou a frequentar as lojas da Galeria do Rock. No seu começo como lojista, a proposta era vender produtos voltados para o público de heavy metal e de rock alternativo, mas a oferta se diversificou ao longo do tempo, alcançando segmentos mais populares e com vendas de canecas, pôsteres, CDs, vinis e outros itens.
“A gente pegou uma época que ainda tinha um crescimento na parte de vendas, e aí com o surgimento da internet o mercado de discos em si caiu muito, não se tem mais aquele público, aquele volume. Virou uma coisa realmente de nicho e praticamente todas as outras lojas foram fechadas”, lembra.
Dá para notar, então, a diferença de quando deu seus primeiros passos como empreendedor na Galeria para os dias atuais: “Mudou também um pouco o foco. As pessoas que andavam aqui naquela época buscavam mais comprar CD’s, LP’s, camisetas… Hoje, a gente vende outros tipos de produtos e até a própria galeria, o andar de cima é muito direcionado para tatuadores”.
Foi Márcio, por sinal, um dos incentivadores pela mudança de Alex Aguiar para a Galeria. Ele tem esperança de que outras lojas de discos voltem a preencher mais o espaço e aponta essas possíveis chegadas como benéficas para o crescimento do ramo. “Eu espero que mais gente venha para cá. Eu não acredito nessa visão de concorrência no sentido de atrapalhar, eu acho que a concorrência sadia agrega, vem para somar e não diminuir. O Alex está vindo e tem outras lojas menores na cidade que se viessem para cá seria ótimo, porque aqui é um lugar tradicional, no centro da cidade. Tirando esse ambiente, só vai ter shopping com fluxo maior de pessoas, mas com um custo muito elevado para esse tipo de ambiente”, relata.
Freelancer Discos
“É um ponto de encontro para você adquirir cultura e conhecer novas amizades. Tem muita gente que eu conheci aqui mesmo na Galeria, você saia do trabalho, do colégio, passava por aqui e ia conhecendo. As pessoas passando pela Disco Mania, pela Opus, comprava um CD, tinha até curadoria”, conta Alex sobre os tempos mais frequentados da Galeria do Rock - dos quais ele fazia parte quando mais novo.
Aliás, é quando também lembra de sua relação afetiva com a Galeria que aponta um dos motivos para ter migrado a Freelancer Discos da sede do Montese para o Centro de Fortaleza. Ele observou uma “revitalização” da Galeria com a reabertura dos espaços após a redução dos casos de Covid-19. Além disso, acredita que o movimento de clientes é melhor no Centro.
Há também, claro, a “mística” da Galeria do Rock, que o visita há 30 anos - tempo suficiente, por sinal, para que Alex percebesse as mudanças que acompanharam a circulação de pessoas no prédio. “Tudo aqui era espaço para a cultura underground, tanto de rock, quanto de skate e surfe”, comenta, resgatando lojas que seguem no segundo andar da Galeria, como a Bronx Skate Shop.
Diante dessa ligação de longa data, ele ressalta que a inauguração de sua loja na Galeria “é um sonho que está se realizando”. “Desde novo eu gostei de empreender. Eu sempre quis ter uma loja de discos. Consegui montar no Quintino Cunha, um lugar que ninguém dava nada por ele, e a gente transformou em um ponto muito massa”, ressalta.
Disco Mania
“Aqui nós temos várias tribos. Pessoal da velha guarda, da MPB, do rock… Aqui na loja eu vendo todo tipo de disco, de todos os estilos, não fico concentrado só em pop e rock não, vendo todos os tipos”. É dessa forma que Cosme Alberto, da Disco Mania, enxerga a movimentação em sua loja: a diversidade e o encontro de diferentes gerações estão presentes.
Desde 1989 ele mantém no térreo sua loja. A paixão pelo ramo o acompanha desde a adolescência, quando vendia compactos na Rua Guilherme Sampaio, também no Centro de Fortaleza, com seu irmão mais velho. Cosme segue como uma das vozes remanescentes que ecoam a música na Galeria Pedro Jorge.
“Eu fui um dos pioneiros a trabalhar por aqui nesse ramo da música. Tinha muito mais gente antes do que agora, o fluxo era bem maior. As vendas antigamente eram muito individuais, clientes compravam um CD por vez, mas hoje as pessoas levam mais em quantidade, muitos colecionadores”, compara o vendedor.
Para Cosme, há muitas memórias afetivas ligadas à Galeria - desde antes de montar seu estabelecimento no espaço. Mesmo com tantos anos passados, existe um sentimento que não muda para ele: o de que “a música não morre”. Dessa forma, a Disco Mania segue de pé, colocando à venda CD’s, DVD’s e vinis para seus clientes.
Cosme compartilha da visão de Márcio sobre a concorrência “sadia” a partir da instalação de novas lojas na Galeria e acredita na possibilidade de novos empreendimentos voltados à música se estabelecerem no espaço. “Tem espaço para todos”, destaca.