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110 anos de Luiz Gonzaga: A reverência à Sua Majestade
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110 anos de Luiz Gonzaga: A reverência à Sua Majestade

Legado do eterno "Rei do Baião" segue sendo pesquisado em suas múltiplas influências e reverenciado por artistas Brasil afora
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Um dos maiores nomes da música brasileira, Luiz Gonzaga completaria 110 anos em 2022 se estivesse vivo (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Um dos maiores nomes da música brasileira, Luiz Gonzaga completaria 110 anos em 2022 se estivesse vivo

Há 110 anos, nascia na Fazenda Caiçara, no município de Exu (PE), o segundo filho dos nove gerados pelo casal Januário e Santana. "Entre a enxada e a sanfona", veio ao mundo em 13 de dezembro de 1912 Luiz Gonzaga Nascimento. O instrumento musical que acompanhava com firmeza seu pai lhe causaria interesse tremendo e, com o tempo, foi inevitável o seu contato com a sanfona. A partir disso, passou a ser escrita a história de um dos maiores nomes da história da música brasileira.

Com centenas de composições lançadas em vida, a exemplo de sucessos como "Asa Branca", "Olha Pro Céu", "A Vida de Viajante" e "O Xote das Meninas", Luiz Gonzaga se tornaria responsável por popularizar o forró Brasil afora. Além disso, contou diferentes realidades nordestinas por meio de música. O "Rei do Baião" eternizou sua posição de realeza ainda em vida e, mesmo após 33 anos de seu falecimento (causado por uma parada cardiorrespiratória), continua presente na cultura brasileira.

Pesquisador da vida e da obra de Luiz Gonzaga há mais de 30 anos - desde quando ainda era criança -, Paulo Vanderley nutre grande admiração e bagagem de consulta sobre a trajetória do Rei do Baião. Essa história começou quando morava na mesma cidade do mestre. Seu pai, à época, era gerente do Banco do Brasil em Exu e quando Gonzaga faleceu, em 1989, foi em cima do caminhão do corpo de bombeiros ao lado de Gonzaguinha.

"Eu fui embaixo. Na época, tinha 9 anos. De lá para cá, o que eu mais faço na vida é juntar coisas sobre o seu Luiz Gonzaga. Faz parte da minha rotina. Desde que me entendo por gente participo de projetos relacionados ao Gonzagão", relata. Criador do site Luiz Lua Gonzaga, que reúne detalhes sobre a obra gonzagueana, foi também consultor do filme "Gonzaga: de Pai para Filho" e do samba-enredo "O dia em que toda a realeza desembarcou na avenida para coroar o Rei Luiz do Sertão", da escola de samba Unidos da Tijuca, em 2012.

Seu trabalho mais recente foi o projeto multimídia "Luiz Gonzaga: 110 anos do Nascimento", que contou com lançamento de livro com a história de Gonzagão contada pelo próprio Rei do Baião a partir de entrevistas.

Além disso, dentro do projeto multimídia, lançou podcast homônimo que reúne conversas com artistas que de alguma forma foram influenciados por Luiz Gonzaga, como Espedito Seleiro, Bráulio Bessa e Lenine. Na visão do pesquisador, as falas resgatadas pelos convidados contribuem para entender a atualidade de Gonzaga e "como ele deixou de ser um nome para se tornar uma marca" a partir de associações imediatamente feitas à sua figura no imaginário da cultura brasileira.

Mas, para além de questões mais "facilmente reconhecíveis" de influências de Luiz Gonzaga na cultura brasileira, o pesquisador aponta questões como a culinária (com o Baião de Dois) e a dança (alçado pelo forró). "Dentro do imaginário e dos fatos históricos que consigo constatar através desse projeto, existe um Nordeste antes e um Nordeste depois do Luiz Gonzaga. Foi ele que ensinou ao Brasil os nossos costumes, a nossa culinária, a comer um baião de dois, a dança um forró, foi ele que mostrou para o Brasil as nossas angústias, foi ele que pegou um artigo de trabalho, o chapéu, e transformou em arte", acrescenta.

Dessa forma, Luiz Gonzaga contribuiu para mostrar a "identidade" do povo nordestino e a ser "o maior representante a ecoar a voz da Região para o restante do Brasil. Como aponta Paulo Vanderley, Luiz Gonzaga foi um exemplo de artista pop que carregava o sentido desse nome - o de popularizar sua obra. Não à toa fez turnês pelo Brasil "de Norte a Sul" com patrocínios de pequenas e grandes empresas, realizando também apresentações pelo interior nordestino em cima de carrocerias de caminhões.

Além disso, destaca o lado de representação alcançado por Gonzagão, com "uma identidade visual muito forte a partir de sua indumentária" facilmente reconhecível, a exemplo das sanfonas e do chapéu. Tais características demonstram sua força e importância: "É muito interessante isso e muito único do Seu Luiz. Faz 33 anos que ele nos deixou fisicamente e a gente está falando hoje sobre ele de forma tão presente e forte".

É possível verificar a relevância dele também por meio das influências deixadas para outros artistas. "Boa parte da música popular brasileira tem um pouco - ou muito - de Gonzaga, até porque ele foi a principal referência para os grandes mestres, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Lenine e Fagner. Então, a música popular brasileira usa como referência a batida do baião, o gingado da dança de um forró e a levada de um xote, sem dúvida alguma", aponta.

Ao lembrar de nomes de peso da música brasileira que receberam influências de Gonzagão, Paulo Vanderley também recorda de artistas de gerações mais recentes que também demonstram referências do Rei do Baião, como a paraibana Lucy Alves e o cearense Marcos Lessa.

Nesse sentido, ao falar sobre a importância de continuar divulgando o legado de Luiz Gonzaga, o pesquisador aponta para o caráter "atemporal" de sua produção, conseguindo "tocar a alma das pessoas" em qualquer momento. Assim, ressaltar isso seria também reforçar a identidade nordestina.

"A obra inteira de Gonzaga é atemporal. Uma obra extremamente moderna. Você consegue melodias relativamente simples e harmonias maravilhosas, mas há uma complexidade de informação que toca muito a alma das pessoas. Ele tem esse dom. Quanto mais a gente estuda sobre Luiz Gonzaga e quanto mais a gente o divulga, a gente fala sobre nossa identidade, nossa dignidade, sobre nosso orgulho de ter nascido no Nordeste e de ter tido a possibilidade de ser conterrâneo do maior artista que esse País já teve", enfatiza.

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Com o tempo, Luiz Gonzaga passou a se apresentar vestido com trajes nordestinos
Com o tempo, Luiz Gonzaga passou a se apresentar vestido com trajes nordestinos

Influências do Rei do Baião

Nesta celebração dos 110 anos de nascimento de Luiz Gonzaga, falar sobre o "Rei do Baião" não se trata de "apenas" retratar a produção "individual" do pernambucano que nasceu em Exu. É preciso também destacar como seu legado e sua trajetória tiveram - e continuam tendo - influências em profissionais da música que viriam após suas contribuições. Afinal, pouco ou muito, certamente existe algum nível de Gonzagão no consumo e na produção musical.

Não só na música, aliás, mas em períodos típicos da cultura brasileira, como o das festas juninas. No caso do ramo sonoro, não se esgotam rapidamente exemplos de artistas que "beberam", de algum modo, da fonte deixada por Gonzagão, como Lenine, Fagner, Elba Ramalho e Mariana Aydar. Outros nomes que também foram influenciados pela obra de Luiz Gonzaga comentam sobre o artista como ponto importante em suas carreiras - e na cultura nacional.

 

Em 2016, Marcos Lessa e Chambinho do Acordeon realizaram homenagem a Gonzagão e a Gonzaguinha em show no Cineteatro São Luiz
Em 2016, Marcos Lessa e Chambinho do Acordeon realizaram homenagem a Gonzagão e a Gonzaguinha em show no Cineteatro São Luiz

Marcos Lessa

Em 11 de dezembro, o cantor e compositor cearense Marcos Lessa realizou um show em comemoração à trajetória de Luiz Gonzaga. Em 2016, acompanhado de Chambinho do Acordeon, também fez tributo ao Rei do Baião e a seu filho, Gonzaguinha. As homenagens não são por acaso. "Minha relação com a arte de Luiz Gonzaga é algo que permeia a minha história como um todo", aponta Lessa.

Afinal, como não lembrar das tradicionais festas juninas que tinham o pernambucano como "a estrela" das comemorações? "O que eu tenho como sinônimo de São João é Luiz Gonzaga. Desde criança o Gonzagão é uma figura - tanto como sua voz - muito presente na minha vida", relata.

Sobre ele, Marcos Lessa destaca um "supercantor, um barítono com extensão incrível e uma força na voz": "Eu carrego um pouco disso também comigo quando vou cantar o repertório que ele canta. Então, é uma relação de nascedouro que, feito uma flecha, sai atravessando todas as fases da minha vida".

 

Cantor e compositor Renato Teixeira é autor de canções como
Cantor e compositor Renato Teixeira é autor de canções como "Romaria", "Tocando em Frente" e "Dadá Maria"

Renato Teixeira

Autor de canções como "Romaria" e "Dadá Maria", Renato Teixeira ouviu de Luiz Gonzaga, no backstage de um show que abriria para o Rei do Baião, que ele havia encerrado sua apresentação com "sua Asa Branca" - a música utilizada por Teixeira para finalizar o show foi justamente "Romaria". Na ocasião, Gonzagão também teria dito ao músico que "em 30 anos veria o que iria acontecer com sua música".

"Foi uma espécie de profecia, porque o tempo passou e a música realmente estabeleceu um lugar importante dentro do repertório nacional. Eu continuo achando que 'Asa Branca' é maior, mas a minha está cumprindo a profecia do Seu Luiz", compartilha Renato Teixeira.

Para o cantor, todos os compositores recebem, de certa forma, muita influência da obra do pernambucano. "O fato dele ter características regionais não o caracteriza como apenas compositor regional. Para mim, ele é um grande melodista e um dos grandes compositores que existiram na humanidade", aponta.

Na opinião do artista paulista, seguir celebrando a obra de Luiz Gonzaga significa preservar a ideia de que "tudo que é bom precisa ser lembrado, cultuado e reverenciado". "Hoje, acho que é um dos artistas brasileiros mais reverenciados de todos os tempos. Ele poderia se relacionar com o pessoal de Norte a Sul. Ele é uma lição, um jeito de ser artista que, se você quiser uma referência para construir sua carreira, Gonzagão é uma delas", complementa.

 

Tereza Accioly é presidente da Sociedade Dos Forrozeiros de Pé de Serra
Tereza Accioly é presidente da Sociedade Dos Forrozeiros de Pé de Serra

Tereza Acioli

"Uma das lembranças mais marcantes que eu tive com Luiz Gonzaga foi quando o conheci em uma casa de show em Recife", afirma Tereza Accioly, presidente da Sociedade dos Forrozeiros Pé de Serra e Ai, organização que busca cultivar o ritmo. De suas memórias com Gonzagão, vem marcante a de um show que reuniria pai e filho, em que conversaram, riram e se divertiram durante toda a tarde.

"Quando cheguei no camarim, ele estava sentado, todo vestido com o jibão e o chapéu de couro. Aquela imagem era como se fosse a de um rei, realmente. Uma pessoa super importante que eu estava tendo o prazer de conhecer", revela Tereza.

Não à toa, então, ela percebe uma influência muito grande do artista em sua carreira como produtora cultural e como presidente da Sociedade dos Forrozeiros: "Nós trabalhamos com o forró raiz, que é o forró que Gonzaga nos deixou, essa obra prima da nossa cultura. A influência foi gigantesca. Quando formamos essa associação, foi toda inspirada em Luiz Gonzaga. Ele é o grande mestre e mentor dos novos forrozeiros e de todos nós. Foi um grande artista".

"Ele ajudou muita gente. Era um grande empreendedor. Acho que ele foi o maior marqueteiro dele mesmo. Ele mesmo divulgava onde ia. Era bem interessante a forma como isso acontecia", conta.

Leia também | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Neto de Luiz Gonzaga, o cantor e compositor Daniel Gonzaga foi homenageado em 2018 com o Troféu Gonzagão pela sua contribuição com a cultura regional
Neto de Luiz Gonzaga, o cantor e compositor Daniel Gonzaga foi homenageado em 2018 com o Troféu Gonzagão pela sua contribuição com a cultura regional

Daniel Gonzaga

"A obra de Luiz Gonzaga é obrigatória para todos aqueles que gostam de música e querem estudar música. Não apenas estudar um instrumento, mas estudar os efeitos que uma cultura exerce sobre determinada região. Nesse caso, essa região é o Brasil, é o mundo, é o universo. Ele foi um dos maiores músicos do mundo. A sua batida, levada, os seus ritmos, sua eloquência, posição enquanto artista, enfim: Luiz Gonzaga é inigualável - ele e seus discípulos nas mais variadas vertentes, que vão desde Mestre Camarão a Dominguinhos, Jackson do Pandeiro a Anastácia e por aí vai".

Para Daniel Gonzaga, falar sobre sua relação com o Rei do Baião vai muito além de comentar sobre laços familiares. Filho de Gonzaguinha e neto de Gonzagão, ele ressalta a importância do pernambucano para a música brasileiro, e recorda o "privilégio" de ter acompanhado seu avô em alguns de seus muitos concertos.

"Eu o ouvia no palco, podia analisar sua postura, enfim: acho que o privilégio de ter visto Luiz Gonzaga tocar já é muita coisa. Ele sempre me questionava se eu continuaria tocando, se continuaria levando isso para frente e iria querer tocar sanfona. Eu não tive essa habilidade toda, passei para outros instrumentos como piano, violão e guitarra. Esse engajamento na música foi muito necessário", relata o cantor, compositor e instrumentista carioca.

Daniel conta que avalia como herança deixada por Gonzagão, além de sua obra, "as possibilidades", "os seus contatos" e o "seu caminho", que o fizeram "abrir olhos para um ritmo que é a cara do brasileiro". "Para mim, é isso o que ele deixou: o legado do amor pelo meu trabalho, pela música, pela criatividade, pela disciplina de um músico e pela própria questão cênica", enfatiza.

 

Acordeonista, cantor e compositor cearense Nonato Lima lançou em 2022 o álbum
Acordeonista, cantor e compositor cearense Nonato Lima lançou em 2022 o álbum "Meu Paraíso", com destaque para o forró

Nonato Lima

Se a paixão pela sanfona foi transmitida de pai para filho na família Gonzaga, no caso do cearense Nonato Lima não foi diferente. Desde criança, com apenas seis anos de idade, nutriu seus sentimentos pelo instrumento musical. "Sempre o via tocando e quando ele deixava a sanfona em cima da cama, eu dava os primeiros toques, e foi aí que começou minha paixão pela arte da sanfona em si", compartilha.

Para o acordeonista, cantor e compositor, o encontro com um dos mestres do equipamento veio em um sonho, quando viu a "figura física de Luiz Gonzaga" pela primeira vez, ao observar "um senhor tocando sanfona" para ele em uma Igreja. Ali, veio a certeza: "Foi através desse sonho que eu vi que tinha um compromisso com a música e a arte da sanfona e até hoje levo isso muito a sério, que é a questão de passar o legado de Luiz Gonzaga para frente com sua música, arte e criatividade".

Dentro dessa missão, vem a influência de seguir a linha de forró deixada por Gonzagão, algo que, na visão de Nonato Lima, "não tem idade", passando por modernizações e sem perder a essência. Essa, então, seria uma das influências do Rei do Baião na carreira do músico. Para Lima, Gonzaga sempre tratou o forró "com muito respeito" por onde passava.

Na avaliação do acordeonista cearense, uma das heranças deixadas por Luiz Gonzaga foi a maneira de se tocar sanfona e estilos como forró, baião e arrastapé. "Eu, como seguidor de sua obra, tento passar isso nos cursos que dou, até porque também sou professor. Busco passar a questão do ritmo nordestino que é muito procurado por sanfoneiros de outras regiões. Acho muito importante essa herança que ele deixou para a gente", pontua.

 

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