Nesta terça-feira, 27, o Vida&Arte avança em direção à retrospectiva anual proposta nos últimos dias de 2022. Em meio ao destaque de linguagens e eventos artísticos, como a literatura e os festivais musicais, é inevitável pontuar os movimentos dos equipamentos culturais do Ceará. Após dois anos de restrições e distanciamento, consequências oriundas da pandemia da covid-19, os espaços destinados à Cultura no Estado retomam forma, atravessam mudanças e se tornam palcos para novas possibilidades de encontros.
Já nos primeiros meses do ano, uma fração de equipamentos de Fortaleza e demais municípios receberam orçamento para inauguração ou reforma. Um exemplo é o Complexo Cultural Estação das Artes Belchior, instaurado em março após projeto de reestruturação que se estendeu desde 2016. O mesmo aconteceu com o Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo, inaugurado em abril.
As aberturas seguiram, também, a transição do governo estadual de Camilo Santana (PT) para a atual governadora Izolda Cela (sem partido). Os mandatos são ressaltados pelo sociólogo, docente e pesquisador Guilherme Marcondes, que classifica "efetivo" direcionamento de recursos no campo cultural a partir da "manutenção de programas, concessão de auxílios e inauguração de instituições que há muitos anos estavam apenas no papel".
Podem ser inseridas neste contexto a reestruturação da Casa de Antônio Conselheiro, em Quixeramobim, e a fundação da Pinacoteca do Ceará na Capital, realizadas respectivamente em junho e dezembro. "As mais novas instituições merecem ser destacadas como espaços em que vemos importantes investimentos, constituindo equipamentos de ponta no contexto brasileiro e que merecem ser visitados. Ademais, essas organizações, juntamente com as mais antigas, como o Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC), têm pautado instigantes debates artísticos e culturais acerca da memória cearense, das questões étnico-racial, de gênero e de sexualidade", considera.
Apesar do notório crescimento no campo em comparação aos últimos dois anos, as movimentações também tornaram evidentes brechas na estruturação e organização destes espaços. Locais como o Theatro José de Alencar (TJA), Casa Barão de Camocim e Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura continuam com constantes programações na rota cultural, mas foram citados como ambientes carentes de melhorias em entrevistas feitas com agitadores culturais ao longo do ano. Há, no geral, uma necessidade de expandir o alcance dos editais e ações propostas; aumentar a inclusão dentro das curadorias - tanto dos colaboradores, quanto dos artistas abarcados -; e amplificação do diálogo frente às mostras e performances, para citar algumas demandas da classe.
Guilherme utiliza o MAC como exemplo para sinalizar que as organizações culturais precisam de recursos que permitam a ampliação de suas equipes e renovação dos acervos. "Se, por um lado, vimos a cultura se mantendo viva, por outro é preciso destacar que maiores investimentos precisam ser feitos nas instituições que já existiam, posto que a precariedade dos trabalhadores da cultura e suas instituições não pode ser presente em um Estado que tem buscado renovar as instituições culturais", firma.
Também foram pontos de destaques nas páginas do caderno os contrastes entre as políticas de apoio financeiro. É válido apontar as variáveis de fomento à área com projetos de editais, patrocínios, bolsas e auxílios financeiros, como o IX Edital das Artes. O documento foi lançado em maio com o objetivo de estimular a produção, fruição e difusão das artes em 13 linguagens. Algumas destas chamadas públicas, como a seleção de trabalhos para a 74ª edição do Salão de Abril e para o Festival de Teatro de Fortaleza, foram alvos de queixas em detrimento de falhas na execução e descontentamento por parte dos artistas.
Para o doutorando em Artes pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e curador do festival de performance Imaginários Urbanos Eduardo Bruno, 2022 pode ser considerado o ano da "virada performativa". A nomenclatura se sustenta no olhar mais apurado que o poder público começou a ter para a produção da arte da performance. "Contudo, quando falo isso, não estou parabenizando nem o Estado, nem os equipamentos públicos, mas es artistas que, desde 2020, vêm se organizando enquanto Fórum da Performance e lutando por políticas públicas para fomentar seu fazer artístico", constata.
Ele menciona que a performance se aproxima desta relação para "tensionar", não para embelezar. "Chega para questionar, não para responder às demandas estabelecidas sobre o que se entende enquanto arte", define. Para o próximo ano, o artista enfatiza a vontade que os equipamentos e a gestão pública que está por vir repensem "a produção artística e cultural para além dos regimes normativos".
Estação das Artes
A centenária estrutura da Estação Ferroviária João Felipe, patrimônio histórico e cultural do Ceará, foi transformada no Complexo Cultural Estação das Artes Belchior em 2022. O conjunto arquitetônico comporta a Estação das Artes, a Pinacoteca do Ceará, o Centro de Design e o Mercado Gastronômico. Desde a inauguração, o equipamento gerido em parceria com o Instituto Mirante de Cultura e Arte foi palco para shows, eventos e mostras, com funcionamento realizado de maneira gradual.
Museu da Imagem e do Som
O Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS - CE) retornou ao ao circuito cultural da Capital em abril, com mostra fixa no casarão histórico e exposições imersivas, a exemplo de “Ontem Choveu No Futuro”, idealizada por Batman Zavareze. O momento inicial foi marcado por grande fluxo de público e ajustes na programação. Atualmente, o espaço também conta com biblioteca física e digital, sala multiuso, auditório, laboratórios de restauro e digitalização de acervo, reserva técnica, estúdios de fotografia e ilhas de edição.
Dragão do Mar
Desde o surgimento, no ano de 1999, o Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura passa por momentos de ajustes e transições. A atriz e cantora Natasha Faria deixa o cargo de superintendente, que será assumido de forma interina pelo arte-educador e produtor Jean Nascimento. Em meio a uma série de reformas estruturais, o equipamento deve ter um nome oficial para o posto em breve.
Mirar o futuro
Veja os depoimentos dos entrevistados na íntegra:
No ano de 2022, o poder público começou a ter um olhar para a produção da arte da performance. Contudo, quando falo isso, não estou parabenizando nem o Estado nem os equipamentos públicos, mas sim es artistas. Es artistas da performance que, desde 2020, vêm se organizando enquanto Fórum da Performance e lutando por políticas públicas para fomentar seu fazer artístico. A performance chega, na relação com o poder público, para tensionar, não para embelezar; chega para questionar, não para responder às demandas estabelecidas sobre o que se entende enquanto arte; chega para sujar os espaços e, quando lhe obrigam a limpar, fazemos disso uma outra performance, uma denúncia. Que 2023 seja performativo e que a virada performativa deste ano obrigue os equipamentos públicos e a gestão pública, que está por vir, a repensar sobre a produção artística e cultural, para além dos regimes normativos.
Eduardo Bruno, curador do festival de performance Imaginários Urbanos e doutorando em Artes UFPA
Nos últimos quatro anos, vimos ascender ao poder na esfera federal um governo que, com seu discurso conservador, buscou fazer uma patrulha moral com a finalidade de destruir o campo cultural por meio do desmonte do Ministério da Cultura. Além disso, tivemos dois anos intensos de uma pandemia que tirou a vida de milhares de pessoas, fazendo com que o campo da cultura tivesse que se reinventar, já que atividades com aglomerações eram, naqueles anos, um risco à vida. Apesar deste cenário sanitário catastrófico e do projeto de destruição colocado em prática no âmbito federal, a cultura segue viva. Neste sentido, é fundamental destacar o papel dos governos de Camilo Santana e Izolda Cela no Ceará, nos quais houve efetivo investimento no campo cultural, com a manutenção de programas, concessão de auxílios e inauguração de instituições que há muitos anos estavam apenas no papel. Assim, em 2022, vimos no Ceará a tentativa de manter viva a cultura cearense. As mais novas instituições culturais do Ceará merecem ser destacadas como espaços em que vemos importantes investimentos, constituindo equipamentos de ponta no contexto brasileiro e que merecem ser visitados. Ademais, estas instituições, juntamente com as mais antigas, como o Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC), têm pautado instigantes debates artísticos e culturais acerca da memória cearense, das questões étnico-racial, de gênero e de sexualidade. Todavia, é preciso que, além destes programas e exposições, as instituições mais antigas, como o MAC, possam receber recursos que permitam a ampliação de suas equipes e renovação de seus acervos, equiparando-se aos novos equipamentos. Se, por um lado, vimos a cultura se mantendo viva, por outro, é preciso destacar que maiores investimentos precisam ser feitos nas instituições que já existiam, Posto que a precariedade dos trabalhadores da cultura e suas instituições não pode ser presente em um estado em que se tem buscado renovar as instituições culturais.
Guilherme Marcondes, sociólogo, pesquisador e docente
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