"Crer no incrível, ver o invisível e receber o impossível'' é o lema que norteia a atriz Yohama Eshima. Oriunda de Curitiba, a artista de 34 anos enxerga no cotidiano a concretização dos próprios desejos. Intérprete de Yone na novela "Travessia", no ar durante o horário nobre da Rede Globo, Yohama utiliza a arte como vetor de transformação.
A atriz começou o trajeto artístico por meio da poesia, passando também pela dança, teatro, performance e cinema. Estas linguagens, na verdade, se fundem e se tornam complementares. Yohama recebeu diagnóstico de menopausa precoce na juventude e hoje é mãe de Tom, de dois anos, que nasceu com esclerose tuberosa. Ela alia o ofício ao compromisso social e carrega consigo a responsabilidade de ser uma das poucas pessoas amarelas na televisão brasileira. Em entrevista ao Vida&Arte, a artista rememora os primeiros passos na atuação, compartilha ensinamentos sobre maternidade atípica e projeta o futuro:
O POVO: Como o percurso artístico foi sendo desenvolvido? Quando e como você decidiu enveredar pelas artes?
Yohama Eshima: Eu comecei bem cedo, já muito interessada por literatura e poesia. Foi um despertar na escola, mas em casa eu tive muita influência do meu pai que tinha uma banda de rock. Ele sempre me mostrou músicas que talvez eu não tivesse acesso na infância. Sempre tive essa coisa muito genuína de deixar uma energia boa, uma lembrança boa do momento. Comecei a participar mais de grupos de dança, poesia, de teatro na escola e foi só crescendo. Toda minha base artística foi em Curitiba, uma cidade muito referência do teatro no Brasil. Meu interesse nunca foi só pelo teatro, sempre foi pelo ato de passar uma mensagem, seja através do corpo, da música, do texto.
OP: Qual o papel destas diferentes linguagens artísticas neste momento da sua vida? Você ainda está em contato com esse movimento constante?
Yohama: Eu acho que essas coisas nunca estão desconectadas. Parece que eu sinto todas elas acontecendo. Desde manhã, que eu acordo e canto o meu mantra, até quando eu pego meu filho no colo, coloco uma música e danço. Eu estou nesse momento num trabalho de televisão que move a minha atriz a querer prestar um serviço ao público, contar uma história.
OP: Depois dessa longa trajetória, você está agora no horário nobre da TV Globo. De que maneira você percebe as mudanças que a visibilidade dentro de uma emissora com o tamanho da Globo traz?
Yohama: Estar na Rede Globo é uma grande oportunidade para quem é artista. Você está num horário que é a maior vitrine do mundo. Eu vejo como um lugar de responsabilidade social e também de mostrar para o artista brasileiro que é possível trabalhar. O Mauro Mendonça Filho, que é o diretor da novela, teve uma preocupação muito grande de preparar o elenco para a história que estava por vir. Tem preparação de corpo, de interação de personagens, de voz, e, no meu caso, do entendimento de cena de ação.
OP: Dentro da trama você interpreta Yone, investigadora que trabalha com tecnologia. Como foi a sua preparação para o papel? Quais caminhos ela pode seguir na trama?
Yohama: A preparação para a Yone foi muito legal, ela foi um presente porque eu estava há dois anos na maternidade, vivendo um cuidado com o meu filho. Agora eu tenho um cuidado social com as pessoas, justamente nesse momento que a gente vive uma era onde tudo é digital e outras pessoas também se colocam em vulnerabilidade digitalmente. Eu também me vi numa personagem cuidadora, muito justiceira, no sentido de querer a justiça daqueles que precisam. Eu nunca tinha pisado numa delegacia, nunca tinha conversado com uma policial. Eu fui atrás de conhecer mulheres policiais e investigadoras para entender como era esse comportamento feminino dentro de uma delegacia.
OP: Você também traz muito essa questão da representatividade dentro da atuação. Em comparação ao seu início de carreira, como você avalia a representação de pessoas amarelas dentro da televisão?
Yohama: Eu me sinto muito responsável nesse momento por estar presente dentro da televisão brasileira. A gente conta nos dedos quantas pessoas amarelas nós temos no ar neste momento. O Brasil é feito por uma mistura de raças e cores. Eu tenho vontade de trabalhar, de mostrar a minha arte para as pessoas, de mostrar que eu sou cultura do Brasil com Japão. Mas eu preciso que as pessoas que estão no poder de produzir chamem pessoas que são diferentes, porque a realidade é que não existe como fazer uma barreira para isso.
OP: Você fala que o seu lema é “crer no incrível, ver o invisível e receber o impossível'. Como essa frase se mostra na sua vida e quando você começou a ter esse referencial?
Yohama: É difícil dizer quando começou porque acho que a gente começa todo dia. Todos nós temos vulnerabilidades mas é preciso ter muita convicção do que você quer na sua vida. Que eu possa, em tudo que eu faça, agir com bom pensamento, boa palavra e boa ação. Tudo isso vem dos ensinamentos budistas que eu estudo há doze anos, foi aí que tudo começou a se transformar. A nossa vida é feita de ondas e eu não posso parar simplesmente e me lamentar pelo o que acontece. Eu vou desabafar, posso chorar, mas consegui criar uma convicção de que tudo é possível se transformar para o bem. O que a gente se propõe a fazer todos os dias tem que ser renovado, a vida traz para a gente muita adversidade. Essa coisa do lema é imutável porque eu vejo acontecer na minha vida diariamente. Hoje eu vivo algo que sonhei em ter e ser há anos atrás e, hoje em dia, eu consegui conquistar. Quer dizer que eu tô sonhando mais alto? Sim, quer dizer que eu posso.
OP: Esse estudo do budismo veio depois do contato com outras religiões?
Yohama: Eu nasci numa família católica, sempre tive ligação com a fé de alguma forma. Na época da adolescência eu fui buscar sobre bruxaria, sempre fiz rituais da lua e orações. Encontrei o budismo que foi algo que uniu tudo que eu acreditava, principalmente a razão e a fé. Depois disso, eu sou budista até hoje, mesclo a sabedoria do budismo com a sabedoria ancestral indígena. Me conectei com uma etnia de Alagoas, passei um tempo lá e tenho contato com eles até hoje. Essa cultura indígena também faz parte do meu dia-a-dia, dos meus rituais diários. É uma mistura mesmo de energias.
OP: Você fala muito sobre a maternidade, o desejo de ser mãe. Como você vivencia a experiência da maternidade? Como é, também, redescobrir a Yohama mulher para além de mãe, atriz e esposa?
Yohama: Eu não podia engravidar, eu tenho menopausa precoce, na verdade o nome correto é insuficiência ovariana precoce. Eu falei que ninguém vai me e impedir de fazer alguma coisa, a minha vontade de ser mãe era muito grande. Mas aconteceu depois de eu conseguir manifestar em mim. A vida da mulher muda tudo, não vira de cabeça para baixo, eu não sei nem de que forma que se dá esse nome do que vira a mulher depois da maternidade. Hoje em dia eu olho para trás e vejo que tive uma depressão pós-parto e eu não sabia nem falar sobre isso, é tanta demanda. O Tom nasceu com uma mutação genética, ele trouxe uma novidade que a gente não esperava e a gente teve que lidar com uma maternidade atípica. Isso trouxe muito estresse emocional. Teve um momento que eu me perdi de mim. Tive ajuda para me ajudar a retomar a lembrança de quem eu era e ajudar a criar um objetivo do que eu queria ser. Ainda bem que eu tive a coragem de pedir ajuda, porque acho que isso é o mais difícil para uma mulher em situação de vulnerabilidade. A vida deu uma transformada e hoje eu tenho muito orgulho de tudo que eu passei. Voltar a trabalhar com saúde é saudável, é olhar para quem eu sou de verdade.
OP: Agora que nós estamos a ponto de começar 2023, quais são os planos para o próximo ano?
Yohama: Meu plano é dar continuidade à Yonne, fazer o meu melhor no trabalho tanto dentro da cena como fora, para poder chamar para dentro de mim trabalhos grandiosos, para que eu possa ajudar outras pessoas. E que saibam abraçar a minha maternidade atípica e a minha artista amarela, para que a gente possa ter mais consciência dentro do mercado audiovisual sobre a inclusão.
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