"Esperado" e "uma das melhores possibilidades" são termos usados por figuras da classe artística ao serem questionadas sobre a indicação de Luisa Cela para assumir a Secretaria da Cultura do Ceará a partir deste ano. Tendo ocupado o cargo de secretária executiva da pasta entre janeiro de 2019 e março de 2022, a nova gestora chega em contexto de fortalecimento das políticas culturais em nível estadual e federal, mas também com várias demandas concretas. O V&A falou com artistas sobre as expectativas para a gestão.
A atuação pregressa da secretária é citada como indicativo positivo. "O histórico de Luisa trabalhando com equipamentos de juventude e de cultura não somente em Fortaleza, mas também no interior, me leva a ter esperança em uma gestão que vai saber dialogar com pautas que são prioritárias para a pasta, como juventude, direitos humanos, diversidade e interiorização", analisa Ella Monstra, multiartista com atuação em artes cênicas e visuais.
"Há uma infinidade de lacunas a serem preenchidas, entraves burocráticos aos montes, mas seria leviano demais dizer que a gestão não apresentou fatores positivos", aponta a escritora e editora Anna K, referenciando a passagem anterior da hoje secretária pelo Secult. A opinião é reforçada por Natal Portela, cineasta de Tianguá, que ressalta que Luisa compôs "equipe competente e comprometida" na gestão do ex-secretário Fabiano Piúba.
Em contraponto, o ator e artista visual Felício da Silva lança olhar estrutural e critica a relação do Estado, enquanto ente, com a cultura. "Uma secretaria de fomento à cultura é parte constitutiva do Estado. Não são os artistas e agentes culturais que influenciam a pasta, mas sim a pasta, a partir do grupo político que a administra, que 'dita as regras' para o setor cultural. Com a nova gestão e/ou qualquer outra, cabe aos artistas se adaptarem", acredita.
Felício avalia que, a partir da eleição de Lula (PT) e da recriação do Ministério da Cultura, "teremos uma Secult cada vez mais submetida ao que virá de Brasília". "O setor funcionará por uma lógica da demanda do grupo político no poder. O que eles quiserem financiar será o que norteará 'nossos' projetos culturais", opina.
O espelhamento entre políticas estaduais e federais também é citado por Natal, que o vê como positivo. "Temos a certeza de que a política cultural cearense seguirá sendo bem conduzida, ainda mais agora com a reestruturação do Minc e todos os desdobramentos positivos que esse alinhamento político pode possibilitar", afirma. O tianguaense cita como demanda específica a "reestruturação" do Programa Cultura Viva, federal, e uma atenção a nível estadual dele e da rede de Pontos de Cultura cearenses.
Já Anna K ressalta a necessidade de "mais recursos e visibilidade" para ações de Leitura, Livro e Literatura, com foco em ações da Biblioteca Pública do Ceará. Felício e Ella Monstra destacam, ainda, a demanda por desburocratização das políticas de fomento. "Os editais são complexos e os processos de prestação de contas são extremamente burocráticos", afirma ele. "É preciso facilitar o acesso de agentes da cultura aos recursos da pasta desburocratizando os editais, processos de pagamento e prestação de contas", faz coro a multiartista.
Entre outros temas, os artistas lembram da necessidade de descentralização cultural — seja saindo do centro de Fortaleza para as periferias, seja na relação entre Capital e interior. Natal reforça a necessidade da Secult de "estreitar" o diálogo e a presença institucional em regiões com menos acesso a serviços e bens. Ella reforça a necessidade de "ampliação geográfica de pontos de atuação da Secretaria de Cultura na periferia de Fortaleza e no interior do Estado. É urgente o fortalecimento e criação de espaços culturais fora do centro de Fortaleza", defende.
"Mesmo diante do imenso potencial criativo de nossa gente, da militância e do reconhecimento do trabalho de artistas e grupos locais, não temos um teatro, uma sala de cinema, uma escola de artes, uma biblioteca à altura das nossas demandas", afirma Natal, falando da realidade de Tianguá. "A única política cultural que conseguimos acessar é através dos editais, que ainda não são tão acessíveis. A política cultural cearense precisa subir a Serra Grande e se fincar através de equipamentos públicos e ações", cobra o cineasta.
Ella lembra, ainda, da demanda por diversidade em cargos de gestão. "Em muitos equipamentos, apesar do quadro de funcionários estar mais plural, isso acaba não se refletindo nas gestões. É urgente termos mais mulheres, pessoas não-brancas e pessoas LGBTQIAPN+ em uma posição de tomada de decisões. Ainda falando de diversidade, temos um desafio gigantesco de incluir de forma significativa pessoas trans nas equipes e nas políticas públicas culturais do Ceará", defende.
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui