O que torna o ser humano imortal é o que ele deixa como herança. No caso do artista, isso é evidente: sua história é sua obra. O baterista Luizinho Duarte, por exemplo, faleceu em 28 de abril de 2022, aos 67 anos, vítima de uma pneumonia. Fundador da Marimbanda, ele deixou três gravados com o quarteto, um disco solo, um trabalho com a japonesa Kaori Wakamoto e mais de 500 composições – algumas gravadas, outras inéditas.
Foram mais de 50 anos de carreira, em que Luizinho tocou ao lado de nomes como Elza Soares e Maria Bethânia. Mais do que nomes e números, é a qualidade do trabalho que o cearense desenvolveu que o tornou grande. Para sublinhar esse capítulo da música brasileira, a Marimbanda apresenta neste domingo, 22, o show “Ao mestre com carinho: Tributo a Luizinho Duarte”.
“Fizemos um recorte com músicas de cada disco da Marimbanda e tem o disco dele, o ‘Garimpo’. E fizemos arranjos novos. O grupo nunca vai conseguir e não quer tocar como quando era ele. Tem um novo baterista, que é um cara incrível, que já conhecia toda a obra, conhecia o Luizinho, andava junto. Se não fosse o Michael, se ele não estivesse tão perto, não teria proposto de continuar com o grupo”, adianta Heriberto Porto, flautista e membro fundador da banda.
Michael, no caso, é Michael da Silva, 31 anos, natural de Acopiara. Ele não tem músicos profissionais na família, mas cresceu numa casa com muita música. Num cenário sem facilidades como energia elétrica e internet, ele viu um amigo montar uma bateria de lata. “Ele fez uma mecânica de pedais e foi ensinando alguns ritmos”, lembra ele, que encontrou outros amigos que se interessavam por percussão e trocavam informações. “Toda casa com adolescente tinha uma bateria de lata”, afirma.
Profissionalmente, ele começou tocando zabumba numa banda de forró. Um amigo chamado Welkinay lhe mostrou outros sons, como Chick Corea, Arthur Maia, Sergio Groove e a Marimbanda. “Aprendi com esse amigo que música é algo para estudar”, lembra Michael. “O instrumentista tem uma voz também, tem um trabalho a fazer. Até aí, eu via o instrumentista como alguém que vai para acompanhar o cantor. Não via o protagonismo”, acrescenta.
A vinda para Fortaleza aconteceu em 2010, mesma época em que ele começou a tocar na banda Painel de Controle, se matriculou no Conservatório de Música, se aproximou da turma da música instrumental e, por intermédio de um amigo em comum, conheceu Thiago Almeida. Pianista da Marimbanda, Thiago, um dia, entrou em contato fazendo um convite para que Michael assistisse um ensaio do quarteto, ainda com Luizinho Duarte na bateria. “Eu chorei tanto nesse dia! Um ensaio da Marimbanda na casa do cara (Thiago). Era aquela coisa ali no cantinho, os olhos brilhando, vendo detalhes, olha como ele faz esse ritmo, olha como toca mais forte aqui...”
A proximidade com Thiago Almeida rendeu uma amizade e mais convites para chegar perto da Marimbanda. Até que, em 2015, o grupo teria um show em Horizonte, Luizinho não estava bem de saúde e Michael foi chamado pra assumir o posto. “Não foi um ‘foguete’ total por que eu já conhecia o repertório todo, a banda fazia parte do meu estudo. Eu já ouvia e reproduzia, só não sabia o nome das músicas por que eu ouvia num MP3. Então era tudo ‘track 1’, ‘track 2’”, relembra.
Por obra do destino, a primeira música do show da Marimbanda em horizonte chamava-se “Se vira aí”. Ele se virou, se emocionou, deu certo e, com a morte de Luizinho, foi convidado pra assumir o papel de baterista oficial do grupo. “O convite veio pelo Heriberto. A forma como ele me abraçou foi uma coisa que vai ficar comigo pelo resto da vida. Ele falou que o instrumento bateria é só uma coincidência, por que não era pela bateria. Era por ser eu. Se eu só tocasse zabumba, daquele dia em diante a Marimbanda seria um grupo de flauta, piano, baixo e zabumba”, emociona-se.
Antes de assumir seu papel na Marimbanda, Michael realizava trabalhos como montar a bateria ou passar o som para Luizinho. Essa proximidade lhe garantiu ainda mais respeito ao músico. “O que eu pensei da minha dificuldade de entrar na Marimbanda era de como colocar o meu som. Por que o lugar do Luizinho é dele. Aquela bateria é dele. Mesmo fazendo uma reverência, eu não seria um cover. Como colocar o meu som é o que mais me pegava. O que tem me ajudado são os arranjos do Thiago. Todo arranjo que ele faz, ele faz considerando quem vai tocar. E ele me conhece mais do que eu mesmo. Ele faz os arranjos como quem diz ‘seja bem vindo’. Ele conhece o que eu gosto de tocar, a forma como eu gosto de tocar e traduziu isso nas músicas do Luizinho que já existem. Eu estou conseguindo me expressar e ao mesmo tempo reverenciando, respeitando o Luizinho”.
Leia também | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio
Recriando a obra de Luizinho Duarte
O show deste domingo, 22, faz parte de uma série de homenagens que a Marimbanda apresenta para celebrar a história de Luizinho Duarte. Mais uma apresentação, inclusive, está marcada para o Festival de Jazz e Blues, que acontece no período do Carnaval em Fortaleza e em Guaramiranga. "Estamos prevendo umas projeções, umas coisas diferentes em video mapping. É a primeira vez que usamos, é um show especial", conta o flautista Heriberto Porto que integra o quarteto ao lado de Thiago Almeida (piano), Pedro Façanha (baixo) e Michael da Silva (bateria).
Além deles, o show vai contar com as participações da cantora Maria Juliana Linhares e da violonista Rebeca Câmara. O jornalista Richell Martins, parceiro de composição de Luizinho Duarte, também integra a apresentação. "Vamos fazer um apanhado da obra gravada dele", adianta Heriberto sobre o repertório que ainda vai contar com "Brincando na Chuva", música inédita de Luizinho. "A gente acabou de gravar e vai lançar como um single. É um arranjo muito desafiador".
"É legal porque nessa fase, apesar da tristeza, vamos nos reinventar, vamos melhorar como músicos", acrescenta o flautista enumerando projetos para manter vivos o grupo e a memória do baterista. Entre eles, existe um mundo de composições para organizar e catalogar. Entre partituras escritas e áudios do whatsapp, Luizinho Duarte deixou canções instrumentais e outras letradas por parceiros. O disco gravado com a cantora Kaori Wakamoto, lançado só no Japão, também deve ganhar edição brasileira. E ainda um songbook com todas as partituras do baterista.
E para essa nova formação, os planos são de apresentar os novos compositores. "Cada um compõe um pouco, mas o Thiago é o que se coloca mais. O Michael fez uma composição linda e eu até pensei que era do Thiago, mas era dele", lembra Heriberto. E há ainda a parceria com a flautista e compositora paulista Lea Freire, que foi adiada por causa da pandemia. Diante dos novos tempos, vale acompanhar o que a Marimbanda anda inventando.
Ao Mestre com Carinho: Tributo a Luizinho Duarte
Quando: domingo, 22, às 18 horas
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro)
Quanto: R$40 (inteira) e R$20 (meia). À venda no Sympla e no local
Mais informações: www.cineteatrosaoluiz.com.br
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui