Logo O POVO+
Romance de estreia de Thiago de Souza aborda luto e masculinidade
Vida & Arte

Romance de estreia de Thiago de Souza aborda luto e masculinidade

Da ficção de um remédio-personagem à realidade do luto e da ausência paternal: conheça romance "Jamais serei seu filho e você sempre será meu pai", do escritor Thiago Souza
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Formado em Jornalismo, Thiago Souza de Souza cresceu na zona Sul de Porto Alegre (Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Formado em Jornalismo, Thiago Souza de Souza cresceu na zona Sul de Porto Alegre

A Dipirona é a grande antagonista da obra "Jamais serei seu filho e você sempre será meu pai". Em decorrência de um erro médico, um paciente alérgico foi medicado de forma equivocada em hospital. Assim, um garoto de apenas três anos perde o pai e passa a relatar, por escrito, sentimentos e situações do seu cotidiano: encontra na ficção um refúgio, uma forma de "ser filho", embora não tenha o afago paternal.

Romance de estreia do jornalista e escritor gaúcho Thiago Souza de Souza, "Jamais serei seu filho e você sempre será meu pai" conquistou, em novembro de 2022, o Prêmio Jacarandá de Literatura e figurou também entre os finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura 2022. Em entrevista ao Vida&Arte, ele fala sobre processo criativo, luto, masculinidade e paternidade.

OP - Existe um esforço criativo de escrever um livro como esse "Jamais serei seu filho e você sempre será meu pai", que tem uma densidade psicológica. É um romance de estreia e que já foi premiado. Como foi o processo de escrita?
Thiago Souza - Comecei a escrever esse livro em março de 2014 e só fui terminar em janeiro de 2019, então foram quase cinco anos. Mas não fiquei cinco anos escrevendo, como é um livro de estreia teve muito das minhas inseguranças nele, então deixei bem 'largado' durante um tempo, desacreditado, sem saber se o que eu estava escrevendo era bom ou não, se estava num caminho interessante ou não. São muitas dúvidas que a gente precisa administrar digamos (risos). Eu comecei a escrever o livro porque em 2013 fiz a oficina de criação literária com o Luiz Antonio de Assis Brasil, que é bem tradicional aqui no estado (Rio Grande do Sul) e no Brasil inteiro, porque tem formado outros escritores também. E essa oficina foi muito importante porque ela tem duração de um ano, e ela é dentro da PUC, onde eu estava cursando jornalismo. Durante este um ano de oficina, o Assis pedia para a gente trabalhar com apenas um personagem, então desde as primeiras aulas a gente criava o personagem e passava o ano inteiro na 'companhia' dele, escrevendo contos sempre com o mesmo personagem. Então foi muito importante ficar imaginando coisas para a mesma pessoa durante um longo período, que é o que caracteriza a escrita de um romance. Quando terminei a oficina eu já estava muito treinado para isso e já quis tentar uma narrativa mais longa e tinha uma imagem na minha cabeça que é uma experiência pessoal minha: meu pai chegando em casa, quando eu era bem criança, com a perna engessada e levando uma sacola. A sacola ficou presa e ele não conseguiu tirar. Lembro dele ficar brabo, de não ser uma cena muito bonita ou reconfortante. É uma imagem que não sei porquê ficou na minha cabeça. Durante esse período que voltei a escrever a narrativa mais longa essa imagem foi predominante. Não é um livro longo, mas foi bem difícil de ter escrito.

OP - Em alguns trechos do livro você faz uso de técnicas de diálogo com o leitor e acaba aproximando quem está lendo. Partindo deste personagem, que é um jovem-adulto, que está elaborando um luto. Isso é mais da ficção ou por ter um pouco de autobiografia?
Thiago Souza - É da ficção. Eu não quis escrever um livro autobiográfico, mas tem uma frase que acho muito boa do escritor Daniel Galera, um escritor daqui, que diz que todo livro é em certa medida pessoal, mas nem sempre autobiográfico. Então eu acho que meu romance nasceu sim da morte do meu pai, por erro médico quando eu tinha três anos, mas ela foi apenas o ponto de partida, a combustão pro restante da história. Isso tem mais a ver com o teor literário mesmo e com a escolha de narrador, que foi em segunda pessoa, que tá sempre falando em 'você', isso foi algo proposital porque gera uma certa empatia sim. Lembro quando li um livro do Joca Terron, o "Noite dentro da Noite", que considero um dos melhores livros da ficção brasileira da última década, o livro todo é narrado com esse 'você', uma voz que tá contando a história pro personagem dele, que perdeu a memória quando era criança. Então ele não tinha como conhecer a própria história então esse narrador está contando a história para ele. Quando li fiquei muito impactado e eu vi que queria fazer algo parecido, então experimentei o narrador em segunda pessoa. Depois li outro livro bem importante que foi o 'Enclausurado', do Ian McEwan, que é narrado por um feto, logo uma voz bem diferente que quando a gente pensa pode até parecer inverossímil, mas lendo é super verossímil. Esses dois livros foram meus dois grandes laboratórios para pensar em narradores não tão tradicionais que acho que funcionaram e estiveram a serviço do que eu pretendia. Uma das narradoras do meu livro é a dipirona, o remédio que causou a morte do pai do protagonista e eu quis que ela fizesse parte da história justamente porque ela ganha essa dimensão de personagem e é muito decisiva para o que acontece na obra, para o conflito e todos da família. Como esse luto do protagonista veio logo aos três anos, é muito difícil de se elaborar quando a gente é criança. Eu quis que a dipirona, a antagonista, fosse ela a contar a ele partes da infância.

OP - Com a pandemia, passamos por um processo de luto coletivo, com milhares de vítimas. Outro cenário é que vivemos em um País em que se discute o papel da paternidade, o que é ser pai, já que cerca de 34,4 milhões de mulheres chefiam famílias, segundo pesquisa do IBGE de 2020. Como você vê que seu livro dialoga com esses contextos?
Thiago Souza - Quando começou a pandemia, esse livro ainda era um original esquecido em uma pasta de computador e eu não sabia o que fazer com ele. Levei muito a sério os cuidados na pandemia, moro sozinho, então fiquei bem isolado, não via familiares e amigos. Por esse clima de luto coletivo e também pelo medo de adoecer, perder alguém ou morrer, acabei retornando a essa história (do livro), entrei em contato com pessoas de Porto Alegre e vi que era o momento de publicar, queria que ao menos alguém lesse. O livro também é sobre a gente se despedir de certas coisas da vida, não só de quem a gente ama, mas de fases, amigos, ex-amores, do próprio relacionamento com nossos entes queridos. Acho que a vida é essa eterna despedida, esta despedida lenta, que às vezes é dolorosa, às vezes bonita. Quando a editora quis publicar o livro, em janeiro de 2021, eu quis mexer em algumas partes justamente para fazer esses ajustes. Então quando eu reescrevi, lapidei, isso de se despedir estava muito presente e foi muito importante para conseguir deixar o livro bem redondinho. Quanto à paternidade, o Brasil realmente é um país que a maioria das famílias são chefiadas por mulheres e nós temos um histórico de abandono paterno e muitos leitores me disseram 'eu não perdi meu pai, mas não vejo eles há anos, não sei onde ele está'. Então não deixa de ser um luto também, embora o pai seja vivo, não há relacionamento. Eu acho fundamental que a gente passe a discutir na literatura contemporânea, e não vejo muito infelizmente, são questões de masculinidade. Não lembro de muitos livros da maternidade nesse lugar de discussão, "Poeta chileno", do escritor Alejandro Zambra, que é uma história bem bonita mas é o único que eu lembro de ter mais ou menos essa temática. É uma área que a gente precisa avançar demais.

 

"Jamais serei seu filho e você sempre será meu pai"

Quanto: R$ 54,90
Onde comprar: site da Livraria Taverna

O POVO+

Acompanhe a entrevista completa na seção Vida&Arte Convida, disponível no O POVO+ na aba "Séries e Filmes"

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

O que você achou desse conteúdo?