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Do analógico ao digital: câmeras antigas fazem sucesso entre novas gerações
Vida & Arte

Do analógico ao digital: câmeras antigas fazem sucesso entre novas gerações

Câmeras analógicas e digitais retornam ao sucesso entre distintas gerações. Itens propõem nova relação entre tempo e fotografia
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Imagem disponibilizada por Omar Santiago (Foto: Arquivo pessoal/Omar Santiago)
Foto: Arquivo pessoal/Omar Santiago Imagem disponibilizada por Omar Santiago

O gestor financeiro e DJ Cleyton Almeida adquiriu a primeira câmera digital em 2011, ano de ápice do Orkut. As comunidades da rede social foram onde ele aprendeu os primeiros truques de iluminação e angulação, teorias básicas para uma boa foto. Com a aquisição de um celular, no qual a câmera acoplada economiza esforço e tempo, o objeto acabou sendo deixado de lado. O dono só foi esbarrar com o item sete anos depois, quando se preparava para o Carnaval de Olinda em 2018.

Em meio à multidão que arrasta a folia nas ladeiras do município pernambucano, a cyber-shot - modelo de sucesso nos anos 2000 - se mostrou uma opção segura para não perder o aparelho telefônico. "Eu fiz fotos incríveis e decidi compor um look de fantasia com minha câmera digital. Foi a decisão mais acertada, fiz imagens que nenhum celular conseguiria registrar", relembra. A prática, então, tornou-se recorrente. "Prefiro usar câmera digital em festa porque eu gosto mais de curtir. Se eu tirar o celular do bolso para tirar foto, vou ver a notificação e acabar perdendo tempo. A câmera eu só tiro a foto e guardo, me desligo e vou curtir", considera.

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Além de serem representações exatas de boas lembranças, Cleyton diz que estes artefatos remetem ao sentimento nostálgico. "Querendo ou não, a câmera digital era parte da minha visão de mundo na transição da adolescência para a fase adulta". Agora, o DJ transporta o passado ao presente quando utiliza a máquina na produção de eventos, especificamente na festa Bota Tudo. "É uma festa que tem uma pegada muito vintage. Eu saí registrando todo mundo, pegando as pessoas se divertindo, nada profissional. A cyber-shot tem aquele negócio amador, o massa do "rolê" é você ter registros amadores. Deu muito certo nas edições da festa", indica.

A volta do interesse comum por objetos similares faz parte de uma onda de retomada de itens que outrora já foram novidades. Embarcam nesta gama acessórios e roupas da moda dos anos 2000, "samples" de músicas dos anos 90 e, inclusive, artigos que se popularizaram muito antes da concepção do celular. É o caso das câmeras analógicas, inicialmente produzidas por volta de 1820, que continuam fazendo sucesso em 2023. Não precisa ir muito longe para ver a propagação: quando você digita a hashtag #35mm - referente ao filme fotográfico - na ferramenta de busca do Instagram, aparece mais de 30 milhões de publicações.

São imagens de poses para retratos pessoais, paisagens rotineiras e reuniões de amigos em festas. Diferente das que costumam aparecer nas ferramentas de "stories" ou "feed", o resultado é ditado pelo tempo. As ferramentas utilizam filmes fotográficos - disponíveis em quase 50 tipos - e a fotografia fica capturada em forma negativa, com cores invertidas. Ela só pode ser vista após ser revelada, técnica inversa à praticidade oferecida pela prontidão dos smartphones.

A proposta é adotada por parte considerável dos "millennials", nascidos entre os anos 80 e 90, e da "geração Z", termo que abrange aqueles que nasceram entre os anos 2000 e 2010. Os adeptos mergulham na metodologia pela saudade ou, simplesmente, pela curiosidade. Um deles é o estudante Omar Santiago, de 15 anos, que vem de uma geração não tão familiar com estes objetos. No caso do jovem, é literalmente algo do tempo do avô. "Em fevereiro de 2022 perguntei ao meu avô paterno se ele tinha alguma câmera pela casa dele e ele me apresentou uma WZFO Start polonesa de 1954, que carinhosamente batizei com o nome de "Marlene" em homenagem à minha avó paterna", rememora.

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Com o passar dos meses, ele começou a montar o próprio acervo, composto por exemplares como uma Pentax do ano de 1996 e uma Leica M3. "Há uma câmera preferida para cada sentimento, causa ou situação", descreve. Para os iniciantes, ele indica uma câmera com foco manual, como a Olympus OM - 1. Já se o desejo é "sair com a galera e tirar fotos do momento", ele aconselha obter as conhecidas como "saboneteiras", como Kodak M35, ou as descartáveis. Os preços são variados, podendo transitar entre R$120 e R$600.

Em oito meses de prática, Omar amplia a cada dia a relevância do "processo demorado" das fotos produzidas com filmes. "Quando estou fotografando, me sinto completamente focado naquilo que estou fazendo. Isso para mim é um apelo grande das fotos analógicas: a concentração no foco, no enquadramento e na composição da foto. O começo, principalmente, pode ser extremamente frustrante. Pode acontecer da sua foto sair em branco ou você pode queimar seu filme. A câmera quebra, enfim, pode ter vários problemas. E está tudo bem. Minha dica de ouro é: tenha paciência, persistência e acredite na arte", sugere.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 18-01-2023: O retorno das câmeras analógicas. O Lab8 é um estúdio de revelação e digitalização de películas de fotografia, criado por David Felício e Luana Diogo. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 18-01-2023: O retorno das câmeras analógicas. O Lab8 é um estúdio de revelação e digitalização de películas de fotografia, criado por David Felício e Luana Diogo. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Tempo x fotografia

Em um estúdio localizado no número 722 da rua Gustavo Sampaio, no bairro Parquelândia, as imagens configuradas nos filmes negativos ganham novas cores. O Lab 8 - Laboratório Analógico é um dos empreendimentos de Fortaleza que possibilitam a revelação e digitalização das imagens analógicas, idealizado pela professora e laboratorista Luana Diogo e pelo historiador e laboratorista David Felício. "O Lab 8 surgiu do desejo de oferecer um serviço voltado exclusivamente para a fotografia analógica, cuidando dos filmes dos clientes do jeito que gostaríamos que cuidassem dos nossos. Além dos serviços de revelação e digitalização, rebobinamos filmes cinematográficos para serem utilizados em câmeras analógicas. Isso permitiu que mais pessoas tivessem acesso a filmes, pois com a alta do dólar os filmes fotográficos ficaram muito caros", situa Luana.

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O processo é detalhado por David, que informa que o estabelecimento recebe filmes nos formatos 35mm e 120mm, em cor e em preto e branco. "O cliente pode deixar o filme aqui, no período em que estamos abertos, ou endereçar para a nossa sala na portaria do prédio. Ele recebe as fotos por e-mail e, se ele desejar, pode buscar os negativos aqui, dentro de um prazo combinado", especifica. Pesquisador sobre a época de transição da fotografia analógica para a fotografia digital, o historiador menciona a diferença de valores desde o início dos seus experimentos. "Há uma disputa por insumos, por parte das indústrias, que acaba aumentando o preço. As próprias fábricas perceberam que o nicho está voltando e aumentaram, então houve um encarecimento".

Uma alternativa viável, de acordo com o laboratorista, é a procura por câmeras de filmes vencidos. "Acabou complexificando um pouco o acesso, mas ainda é muito possível. Existem também outras pessoas que estão produzindo fotos analógicas de maneiras viáveis", considera. O Lab 8 cobra o preço padrão de R$35 para os clientes, independente do modelo do filme. A escolha de padronização foi feita para que as pessoas possam ter mais acesso. "A principal característica de uma imagem capturada por filme é o grão, este pode ser mais proeminente a depender do filme e de sua sensibilidade. Outra característica são as cores, não por acaso existem aplicativos e filtros para simular as cores dos filmes fotográficos", caracteriza Luana.

A maioria das imagens digitalizadas, inevitavelmente, acabam migrando para as redes sociais, rendendo likes e comentários. É o que David considera como uma "invasão do mundo analógico no mundo digital", proveniente de uma estética única. Em essência, opina Luana, um dos fatores bases da fotografia analógica é a proposta de novas relações entre a imagem e o tempo. "Teremos uma imagem materializada no negativo fotográfico e que poderá durar décadas, não se perdendo em 24 horas", arremata.

 

Para quem deseja começar

1) Procure uma câmera que caiba em seu orçamento e comece com os filmes mais baratos.

2) Veja vídeos, tem muito material na internet.

3) Busque sempre entender os resultados obtidos e aos poucos, se quiser se aprofundar, vá comprando equipamentos mais completos.

4) Sempre que possível experimente

filmes diferentes.

*Dicas oferecidas pela professora e laboratorista Luana Diogo, uma das idealizadoras do estúdio Lab 8

 

Onde encontrar

Lab 8

Onde: rua Gustavo Sampaio, 722 - Centro.
Sala nº 16

Mais infos: Instagram

Modelos de câmeras analógicas ou digitais podem ser encontradas em sites que revendem produtos de segunda mão, como Mercado Livre, Amazon e Enjoei

 

Modelos para conhecer

Kiboule Câmera Digital

Dash Cam Motorola

Olympus 35

Câmera reutilizável

Polaroid Instax Mini

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