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Da mitologia ao funk: poeta Léo Prudêncio reflete sobre a linguagem erótica
Vida & Arte

Da mitologia ao funk: poeta Léo Prudêncio reflete sobre a linguagem erótica

Poeta Léo Prudêncio vai da mitologia ao funk no livro "O clitóris de Safo", obra que mergulha nas concepções de desejo e compõe movimento erótico na produção cearense
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Livro
Foto: Divulgação Livro "O clitóris de Safo"

Eros anda solto na literatura feita no Ceará! O Vida & Arte entrevista hoje o poeta Léo Prudêncio, autor do pornográfico "O clitóris de Safo" (Editora Urutau) em que Mitologia, Filosofia, Literatura, Funk Proibidão e Internetês se reúnem para celebrar um banquete do corpo. Para o delírio de deusas e humanas, Léo fala do recém ingresso no Programa de Pós Graduação em Letras da UFC e dá algumas perspectivas da concepção do Desejo por ele vislumbrada (e praticada), brevemente verificável no erótico Selo Manga Rosa, da editora independente Oia, do qual ele será responsável.

O POVO - Começando pela novidade, você acaba de ingressar no doutorado em Letras para estudar o cearense José Alcides Pinto. Fale sobre seu projeto de pesquisa!

Léo Prudêncio - Zé Alcides, ou JAP, é um dos grandes nomes da nossa literatura e que figura como um dos pioneiros do concretismo em nosso estado. A produção erótica do Zé, por incrível que pareça, ainda foi pouco explorada pelos críticos. É sobre essa face erótica, por vezes pornográfica, que eu irei estudar na minha tese. Eu descobri a obra alcidiana antes de ingressar no curso de Letras, eu frequentava bastante a Biblioteca Municipal de Sobral e lá descobri muita coisa da nossa produção cearense, lembro de ler e reler várias vezes os dois volumes dos "Poemas escolhidos". A prosa alcidiana eu só fui me interessar quando fui acadêmico de Letras, comecei pelo livro "O dragão", que é o meu predileto. Na verdade eu sempre fui um leitor de poesia, nunca me senti um grande leitor de prosa. Descobri o prazer da leitura aos catorze anos, sonhei em cursar Letras, e nunca imaginei que algum dia eu iria cursar doutorado. As pessoas às vezes falam em sorte, mas ninguém imagina as coisas que a gente deixa de viver ou de adquirir. Eu sou o primeiro da minha família a ingressar num curso de doutorado e espero não ser o único.

OP - Você vem sendo apontado como um dos produtores de um "boom" da literatura erótica vivido pela produção escrita cearense. Em "O clitóris de Safo", Filosofia, Mitologia, Literatura e Internet estão literalmente conectadas. Como sua poesia se distingue nesse cenário erótico e caótico da atualidade?

Léo: Essa temática sempre retorna com força quando estamos diante de algum governo autoritário. No Ceará, a meu ver, essa temática ganha outro contorno com a publicação de "Relicário pornô", do já falado nesta entrevista, José Alcides Pinto e pra mim ele foi o pioneiro da literatura pornográfica produzida no Ceará. O erotismo tem resurgido por aqui graças a iniciativas de autoras, como a antologia "O olho de Lilith", organizado pela poeta Mika Andrade, e o livro de contos "Orgasmo santo" da Kah Dantas, essas publicação ajudaram a recolocar o erótico nos debates e nas produções do Ceará. Somente neste ano foram editados, até onde eu me lembro, cinco livros com essa temática em nosso estado: "Cierzo" de Nádia Camuça, "Humaníssimo gemido" da Vitória Andrade, "As delícias" de Tércia Montenegro, "Flor do aguapé" de Cláudio Rodrigues e o meu livro "O clitóris de Safo". Eu acho que a minha poesia se distingue neste cenário justamente pelos elementos que você citou, eu gosto desse diálogo do contemporâneo com o clássico e tem muito daquilo que Susan Sontag e Lyn Hunt definiam como estética da pornografia: a sátira, a intertextualidade, o riso, a carnavalização do códigos de linguagem, a paródia etc. O erótico nos humaniza, não há motivos pra gente ficar com receio ou vergonha de ler ou escrever sobre algo que é essencialmente humano. Até porque o desejo está intrinsecamente ligado à ideia que temos sobre o amor.

OP - Você é paulistano, fez mestrado em Goiás, onde seu primeiro livro foi premiado, e mora hoje em Granja. Nesse itinerário, quais barreiras e portas se apresentam à causa de sua identidade mista?

Léo - Morei em Sobral durante quase vinte e cinco anos da minha vida. Sou grato por tudo o que vivi por lá. Sempre volto a Sobral, atualmente moro em Granja, que é uma vivência da qual nunca havia experimentado, que é morar em um lugar pacato sem muita agitação ou baladas. Tenho gostado de morar aqui em Granja, a cena literária e cultural daqui merece ainda um destaque, tendo em vista que três padeiros da famigerada "Padaria espiritual" eram naturais daqui. Voltar ao Ceará depois de sete anos morando em Goiás tem sido mais uma saga de reconstrução… tudo de volta à estaca zero, outra vez. Goiânia representa uma parte da minha vida que foi de bastante importância, foi a minha escola. Passei por situações limites e algumas até decepcionantes, como os casos de xenofobia, mas não foi de todo uma experiência ruim. Escrevi quatro dos cinco livros que publiquei e voltei com diploma de mestre em Literatura e crítica literária, sem contar na bagagem cultural que uma capital pode nos oferecer com os cinemas, shows e exposições de arte. Andarilhei bastante pelas ruas goianienses. Acredito que nada é por acaso. Eu tive que viver toda aquela experiência que foi traumática por um lado mas enriquecedora por outro. Toda essa vivência, ou parte dela, aparece nas entrelinhas dos poemas do meu livro "Girassóis maduros", que completou cinco anos de publicação.

OP - Seu último livro vem ganhando algumas resenhas, críticas acadêmicas e pautas jornalísticas como esta nossa. Ao contrário do que se possa comumente imaginar, você é bastante presente tanto em algumas construções quanto na divulgação dessas recepções. Lutar pela acolhida das obras é um dos papéis do artista contemporâneo?

Léo - Eu sempre deixei acontecer, se o trabalho for realmente bom as pessoas vão te procurar, eu tenho muito cuidado com os livros que publico, "O clitóris de Safo" estava sendo preparado há pelo menos uns 3 anos. Na verdade, a gente não faz nada sozinho, sempre tem alguém ali te ajudando de alguma forma e eu sempre tive sorte por ter pessoas sinceras ao meu lado. É importante citar que algumas pessoas chegaram a ler trechos antes de publicado, foram elas: Navegantes Alves, Renato Pessoa e Thiago Medeiros. Eu não me preocupo tanto com acolhida crítica… mas eu tive muito receio da recepção deste trabalho. Até cogitei a possibilidade de editar com pseudônimo. "O clitóris de Safo" foi bem recebido e, como você disse, tem ganhado alguns trabalhos acadêmicos, um feito inédito pra mim. A boa acolhida começou quando a gente conseguiu vender os exemplares necessários para cobrir os custos de edição na pré-venda feita pela Editora Hecatombe (selo político da Editora Urutau). Diferente dos outros trabalhos eu exigi que esse fosse editado sem texto de apresentação, posfácio ou comentários na orelha. O livro foi entregue nu ao leitor. Eu não confio nisso que chamam de inspiração, então fiz uma longa pesquisa sobre Erotismo e Pornografia na Literatura pra poder ter o dominio da linguagem erótica, nessa pesquisa acabei encontrando o tema do que seria o meu projeto de pesquisa de doutorado. Agradeço sempre cada leitura e cada comentário das pessoas que leram "O clitóris de Safo", sou grato por cada um desses leitores. Eu nunca fui tão divulgado como estou sendo com esta obra. Safo seja louvada!

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