A principal preocupação das agremiações que se preparam para o Carnaval 2023 é arcar com as despesas do desfile, já que os recursos do Edital "Concessão de Apoio Financeiro ao Desfile das Agremiações Carnavalescas na Avenida Domingos Olímpio de Fortaleza (2023)" não foram repassados até o momento.
Desde setembro, a Escola de Samba Barão Folia iniciou os preparativos. No entanto, as ações são reduzidas, pois, de acordo com o presidente da agremiação, só é possível desenvolver os trabalhos de verdade após o recebimento dos recursos do certame. "O Edital do Carnaval de Fortaleza é muito complicado, porque o recurso só sai na semana do Carnaval faltando 3 ou 4 dias para o desfile", afirma Ítalo Régis, presidente da escola de samba Barão Folia. De acordo com ele, antes da pandemia essa dificuldade já existia e a demora dificulta os preparativos das agremiações.
O presidente ainda conta que precisa pedir cartões de amigos ou pedir empréstimos para poder custear os materiais necessários, enquanto fica à espera do recurso público. "Entra prefeito, sai prefeito, mas a gestão é a mesma. A maneira de se trabalhar da forma errada continua sempre. Acho que nunca vai mudar, porque essa dificuldade todos os anos a gente passa. É muita coisa pra fazer, com pouco recurso, e ainda o Edital de Carnaval sai em cima da hora. Não é fácil fazer Carnaval na cidade de Fortaleza", reclama.
"Estamos trabalhando no escuro", afirma Marcos Amorim, presidente do Afoxé Omõrisá Odé. De acordo com ele, no último Carnaval foi necessário vender seu próprio carro para custear as despesas do desfile. Para o Cordão Na Pegada do Frevo a realidade é ainda mais complicada, já que o grupo é estreante e não pode ser contemplado pelo Edital. "É com muita dificuldade que a gente está chegando na avenida. Com muito sacrifício, mas vamos chegar, vamos fazer nosso desfile", declara Benício Lira, presidente do grupo.
"Se for como todos os anos anteriores, vamos receber o recurso na semana do Carnaval", acredita Anderson, da Escola Corte No Samba. Indignado, ele destaca que se fosse esperar pelo dinheiro, o desfile do grupo não aconteceria, já que o auxílio costuma ser repassado uma semana antes e seria impossível preparar a performance dentro desse prazo.
"A gente faz tudo isso gastando o que tem e o que não tem, deixando de pagar as contas, estourando nossos cartões, cartões de amigos e familiares, pedindo dinheiro emprestado, fazendo empréstimo em banco. Ou seja, a gente faz essa loucura porque a gente gosta do Carnaval, mas é muito complicado", declara.
"Às vezes, a população pode até não gostar de alguma fantasia, escola ou bloco que não vai para avenida tão bonito, mas não é porque o artista não teve criatividade, não teve vontade de botar algo bonito. Às vezes, é porque a pessoa não teve de onde tirar o dinheiro para investir e só começa a investir quando sai o dinheiro da ajuda da Prefeitura e sai muito em cima do Carnaval", ressalta.
De acordo com a Secultfor, a demora do repasse se dá porque o pagamento de um edital só pode ser efetuado no ano em que o evento será executado. Ao ser questionada se não teme que a demora em repassar os recursos inviabilize as agremiações de se prepararem para o evento, a assessoria da secretaria respondeu: "O edital prevê apoio financeiro ao Desfile e, ano a ano, ocorre neste formato". Até o momento, o recurso não foi repassado e a programação dos desfiles não foi divulgada.
Afoxés
De acordo com o Edital de Carnaval da Secultfor, o Afoxé é um cortejo de Candomblé de rua que traz uma homenagem ao Orixá Patrono, onde parte dos integrantes são vinculadas a um terreiro. O grupo se caracteriza com as cores do Orixá, cantando tradições e acompanhado por instrumentos de percussão, como atabaques, agogôs, afoxés e xequerês.
Em 2020, os afoxés Omorisá Odé, Filhos de Oyá e Obá Sá Rewá venceram o desfile em Fortaleza. Localizado no bairro Granja Lisboa, o Afoxé Omõrisá Odé surgiu em 2016 e espera conquistar o 1º lugar novamente.
"Além de estar se preparando para o Carnaval, estamos nos preparando para manter o título", declara Marcos Amorim, presidente do Afoxé. Ele acredita que o hiato, por conta da pandemia, faz com que os desfiles deste ano sejam ainda mais desafiadores. "Muita coisa a gente perdeu, por conta do tempo sem usar. Então muita coisa vai ter que renovar", explica.
O Afoxé irá homenagear Ogum no Carnaval 2023, um orixá guerreiro conhecido pela força e coragem. O tema foi definido ainda em 2020, logo após o período de Carnaval.
Hugo Costa, presidente do Afoxé Oxum Odolá, descreve a animação em retornar para a avenida. "Não foi fácil ficar dois anos sem desfilar. Pra nós gestores e fazedores de cultura, é muito difícil ficar distante da arte, do processo de criação", comenta. Desde junho de 2022, a agremiação vem se preparando, inclusive promovendo oficinas de percussão para a comunidade. Um dos objetivos do grupo é também incluir jovens na cultura do Carnaval.
O tema do desfile deste ano é "Eu sou Nagô", falando da origem das nações africanas que compõem as regiões e culturas afro-brasileiras. "Mostrar a força do povo negro, nossa negritude e sua importância para o crescimento do Brasil é muito importante. Por isso, escolhemos o tema. É preciso reafirmar nossa cultura negra, matriz de tantas outras aqui estabelecidas. Faz-se necessário publicizar de todas as formas e vertentes a resistência do povo negro. Traremos em nosso desfile um recorte histórico dessa resistência", declara.
Cordões
Com máscaras de palhaços, reis, rainhas, entre outros personagens, grupos de foliões conhecidos como Cordão destacam ritmos do frevo nos desfiles de Carnaval. Em 2020, os vencedores da categoria em Fortaleza foram As Bruxas, Vampiro da Princesa e Princesa no Frevo.
Fundado por Mauricio Ribeiro Duarte em 1970, o cordão As Bruxas acumula 18 títulos de campeão e desenvolve atividades socioculturais em comunidade carente da Bela Vista. Apesar de ter conquistado o 1º lugar no último Carnaval, a agremiação não irá desfilar neste ano, por conta da situação de saúde de Mauricio, que sofreu uma parada cardíaca no dia 4 de janeiro. O grupo já estava nos preparativos finais, mas o fundador precisou priorizar a saúde e abrir mão do desfile. "Minha saúde está muito debilitada e não consigo desfilar, é muito puxado", explica.
Mesmo sem poder percorrer a avenida, Mauricio celebra o retorno do Carnaval e conta que se a saúde o permitir, estará na Domingos Olímpio prestigiando os desfiles. "É uma felicidade, porque nós atravessamos uma pandemia e aqueles que ficaram vão comemorar", destaca. Para ele, o desfile permite que aqueles que são menos favorecidos sejam aplaudidos e reconhecidos como artista na avenida.
Já o Cordão Na Pegada do Frevo terá sua estreia em 2023. Com 30 anos de experiência em carnavais, Benício Lira fundou a agremiação em 2017. Inicialmente, o grupo faria sua estreia em 2020, mas os planos foram adiados e logo em seguida veio a pandemia. Finalmente, chegou a hora de mostrarem os talentos.
Benício celebra o momento. "Foi um baque muito grande dois anos sem Carnaval. Foi uma dor muito forte. Eu que tenho mais de 30 anos no Carnaval, querendo trazer minha agremiação. Mas a vontade de desfilar tá muito grande", destaca. De acordo com ele, o grupo não quer apenas desfilar, mas também conquistar o título. "A expectativa que a gente tá pra avenida é de ir pra disputar o título, porque a gente vai vir pesado pra disputar pela primeira vez", afirma.
Há três anos, o Cordão vem se preparando para esse momento, arrecadando dinheiro e produzindo fantasias e adereços. "Na Pegada do Frevo - Recordando antigos carnavais" é o tema que será apresentado pela agremiação. De acordo com Benício, o grupo fará homenagem a agremiações do passado que fizeram história no Carnaval de Fortaleza, incluindo cordões, escolas e blocos dos anos 70, 80 e 90.
"Estamos ansiosos para entrar na avenida. A empolgação e a ansiedade tá batendo e a cada dia que vai se aproximando do Carnaval, a gente tá tentando segurar as emoções, porque a vontade de estar na avenida é muito grande", declara Benício.
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