Em uma fazenda isolada, com uma matriarca extremamente rigorosa e um pai doente, vive Pearl (Mia Goth), uma jovem recém-casada, que aguarda ansiosa pelo retorno de seu marido. Ele se encontra no front de batalha da Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), com a esperança de fugir de sua rotina sufocante, que se resume em cuidar de animais, seguir ordens de sua mãe e cuidar do pai inválido.
Em 1918, além do conflito bélico, o mundo também se preocupava com a gripe espanhola. Por conta disso, Pearl se encontra ainda mais isolada do mundo. Nas poucas oportunidades que surgem de ir a cidade, sempre a mando de sua mãe, Pearl vê a chance de se distanciar de tudo aquilo e se permitir sonhar. Sonhar com virar uma dançarina famosa, aparecer nas telas de cinema e sentir o amor de um homem.
Até aí essa seria só mais uma história comum de uma garota dos Estados Unidos naquele ano, porém o diretor Ti West, junto com a atriz e co-roteirista Mia Goth, nos levam muito além disso, através de um estudo de personagem, em uma jornada na mente dessa garota, que desde os primeiros momentos de tela, se mostra instável e perigosa.
"Pearl" é uma prequel (obra que conta alguma história anterior em relação ao filme original) do longa-metragem "X", também dirigido por Ti West e protagonizado pela atriz Mia Goth. O filme, gravado na pandemia, foi uma ideia da própria Mia, que acreditava que a vilã também interpretada por ela, no primeiro filme, tinha uma grande história para oferecer. Poucos dias depois o roteiro já estava pronto, e foi rapidamente gravado, aproveitando não só as locações de "X", mas também alguns atores.
"Pearl", apesar de carregar muitas referências do filme que lhe deu origem, definitivamente caminha por si só, se mostrando ainda melhor que "X". Nos levando em uma jornada lenta, mas bem desenvolvida e sem momentos gratuitos, tornando cada cena essencial para que possamos entender o quão complexa é a mente dessa personagem carismática e muito assustadora.
Logo no início do filme, nos deparamos com a pouca empatia de Pearl, que começa com animais, mas logo evolui para seu pai, que se encontra em uma cadeira de rodas e depende dos cuidados de sua filha, até mesmo para as necessidades mais básicas. Desde o início, Pearl se mostra extremamente insatisfeita com aquilo, apesar de não se mostrar totalmente indiferente com seu pai.
No entanto, uma das coisas que mais perturba a protagonista, além de se sentir presa naquele lugar, é a relação complicada com a mãe. Relação que rende um dos diálogos mais fortes do filme e que nos mostra de vez até que ponto Pearl pode chegar quando se vê contrariada. Destaque aqui para a atriz Tandi Wright, que interpreta a mãe, uma mulher que se encontra, talvez, tão perdida quanto a filha, mas acaba por não ver isso.
Sob uma estética que, sem dúvidas, homenageia filmes clássicos de terror slasher, como Janson e Psicose, "Pearl" vai muito além disso, do simples tributo e do susto pelo susto. É um estudo de personagem de uma jovem que se vê contida em uma vida que não deseja, e na frustração constante de seus desejos íntimos e não íntimos, em uma jornada que nos mostra o quão visceral ela pode ser para alcançar seus sonhos, mas como dito acima, o filme é um estudo de personagem, e é aí onde Mia Goth mais brilha. Com um monólogo profundo e uma atuação que não cabe em palavras, e que dificilmente coube em tela, a cena transborda pelos cantos, escorre pelo chão até alcançar o espectador, e quando alcança, você não consegue desviar seu olhar nem por um único segundo.
Como se não bastasse, depois do ápice, o filme entrega um plano sequência que nos deixa na ponta dos pés, uma edição visceral e, por fim, os créditos, que felizmente nos dão mais da atuação extraordinária de Mia, que com apenas suas expressões em um plano estático, nos mostra o quão quebrada é aquela personagem.
Ao contrário do que se espera de um filme feito "as presas", e que não se via sendo necessário até então, "Pearl" é um grande acerto, não apenas em seu roteiro, que aprofunda a história de uma personagem marcante, mas em direção, fotografia e acima de tudo, atuação. Se fazendo um prequel necessário, que não só acrescenta, mas nos faz querer saber ainda mais sobre aquele universo.
Apesar de se mostar um dos melhores filmes de 2022, "Pearl" entra para o hall de filmes de terror ignorados pelo Oscar, uma vez que a interpretação memorável de Mia Goth seria digna, de no mínimo, uma indicação como melhor atriz.
Pearl
Filme está disponível no Cinema do Benfica em sessões às 15h40min e às 17h50min