"A música baiana é absurdamente criativa e plural. Somos filhos desse contexto, e assim mostramos nossa identidade musical que ficará mais clara nos próximos lançamentos. Estamos entendendo ainda nossos caminhos e processos. Manteremos versões, pois gostamos, mas também estamos focados no autoral. Temos muita coisa boa guardada para estratégia de longo prazo".
Quando Brunno Zaia fala de seu trabalho, o cantor não fala no singular. Assim como afirma que a música baiana é "plural", também é sua atuação no meio artístico em um projeto que reúne mais três outros músicos. "Filhos" do contexto da musicalidade baiana, trazem em seu DNA também descendência de nomes importantes da cultura brasileira.
Essa é uma das várias características do Filhos da Bahia, composto por Migga, João Lucas, Raysson e Zaia, filhos de Carlinhos Brown, Saulo Fernandes, Tonho Matéria e Reinaldinho, respectivamente. O grupo lançou em janeiro o EP "Bença", seu primeiro trabalho. O nome já indica uma das intenções do conjunto: de receber "proteção" e "licença" para perpetuar a história dos pais e, ao mesmo tempo, apresentar a cultura do axé a um novo público e com novos elementos.
Com cinco músicas, a primeira parte do primeiro EP reúne releituras de clássicos como "Alguém Me Avisou", "Eva", "Eu Também Quero Beijar" e "Bença Pai" - esta última um mix que combina "Liberar Geral", de Reinaldinho; "Circulô", de Saulo; "Toneladas de Desejo", de Carlinhos Brown; e "Dia dos Namorados", de Tonho Matéria.
"Bença" é aberto com a faixa "Sem Moderação", inédita que junta tambores percussivos com beat eletrônico, alcançando o ritmo que o grupo chama de "axé beat". Segundo Zaia, é uma expressão musical já existente que mistura elementos do "axé music" com os "beats" - batidas e timbres eletrônicos de movimentos como trap, lo-fi, funk, afrobeat e música pop.
"Alguns exemplos do que gostamos de chamar de 'axé beat' são BaianaSystem, Àttooxxá, Gilsons... Talvez eles nem se identifiquem dessa maneira, mas acreditamos que essa cena nova, que de alguma forma bebê no "axé music" e demais claves dentro desse movimento, mereça esse nome para um público melhor identificar. Por isso, chamamos assim", afirma em entrevista ao Vida&Arte.
Referências atuais e antigas permeiam a trajetória do grupo, "espontânea" desde o início e "o ponto de encontro das diversas influências musicais" de cada um dos integrantes. "Desde os primeiros contatos, pela Internet, entendemos que tínhamos muita afinidade musical. Quando propus ao João começarmos a pensar nessa coisa toda, logo entendemos a possibilidade de construir algo juntos, buscando uma interação maior com os demais, ao ponto de percebermos que também tínhamos como contribuir no cenário musical", revela Zaia.
Para o cantor, mesmo que alguns estivessem envolvidos paralelamente em outros projetos (como tecnologia ou até na carreira de influenciador digital), todos tinham "a música sempre como primeira opção". "O amor da vida!", exclama. Conta Zaia que "o jeito leve de encarar as coisas da vida" é uma característica do Filhos da Bahia, o que influencia no modo como o grupo enxerga a responsabilidade de "continuar" o legado de seus pais - afinal, "há mais peso do que prazer nessa responsabilidade".
"Nosso papel é justamente podermos mostrar nossa leitura de toda essa maravilha que nos antecedeu, até com forma de homenagem a tudo isso. É muito bom podermos ter todo esse material humano como guia. Nossa condição de filhos apenas possibilitou, digamos assim, aproveitar alguns desses talentos mais de pertinho", pontua.
O objetivo dos Filhos da Bahia é somar as suas próprias leituras "a esse material de grande riqueza artística". Um dos exemplos é a releitura de "Eu Também Quero Beijar", de Pepeu Gomes, que surge no EP com sonoridades de axé acrescidas de elementos do Lo-Fi - tipo de música marcado pela leveza e pela simplicidade.
"Pepeu Gomes é fonte inspiradora para todos. Um gigante cuja obra o transcende. A beleza de seus arranjos e a delicadeza mágica de suas composições nos levou a pensar em 'Eu Também Quero Beijar', dentre outras, para fazer parte do nosso primeiro trabalho. Acho que acertamos muito em trazer essa linda canção no repertório do nosso álbum", destaca.
O material lançado em janeiro é apenas uma parte do projeto estipulado pelo grupo, que pretende publicar seu álbum neste ano. Foram gravadas 30 músicas, entre elas autorais que são "resultado de alguns laboratórios com grandes produtores brasileiros". Dessa forma, as faixas ajudarão a contar mais sobre a identidade dos Filhos da Bahia, que olham para frente sem ignorar o grande legado construído por seus antecessores.
O desejo, agora, é consolidar mais seus próprios passos. Em 23 de março, será lançada a inédita "Frio", música produzida por Rafinha RSQ e de autoria de Zaia, Migga e do próprio Rafinha, contando com a participação de Ivete Sangalo. Novos caminhos se apresentam para a continuidade - e a construção - de legados.
Bença!
Onde escutar: plataformas de streaming como Spotify, Apple Music e Deezer