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Karine Alexandrino discute sobre abuso em produções recentes
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Karine Alexandrino discute sobre abuso em produções recentes

Artista multimídia, cantora, performer, escritora e apresentadora cearense Karine Alexandrino fala sobre produções mais recentes e denúncias contra violência doméstica
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Cena do curta-metragem
Foto: Reprodução/YouTube Cena do curta-metragem "Pra VC se orientar", com Karine Alexandrino

Quando Karine Alexandrino decide criar uma nova música, costuma recorrer a pianistas que se tornaram suas inspirações de longa data: o polonês Frédéric Chopin e o alemão Johann Sebastian Bach a partir das interpretações do canadense Glenn Gould. A artista, aliás, também tira referências de outras áreas como a filosofia, o cinema e a moda.

O desejo dela, garante, é levar originalidade ao seu processo criativo. A partir disso, busca transmitir “a necessidade de expressão” em suas músicas. “É uma sublimação, um sofrimento muito grande, que eu acho que todos nós temos. A gente já nasce com esse sofrimento. Algumas pessoas são como robôs porque não tiveram a oportunidade do autoconhecimento, que é a primeira coisa que deve vir. A arte nos ajuda a nos conhecermos”, pontua.

Vale dizer, entretanto, que o escopo de Karine Alexandrino não se restringe à música. Além de cantora, é performer, artista visual, criadora, atriz e chegou a ser apresentadora de televisão. De tudo um pouco, de pouco um tudo: em cada área, a cearense busca levar ao público mensagens marcantes que conversem consigo e com sua arte.

Com quase três décadas de carreira, sua trajetória solo em estúdio teve estreia com o álbum “Solteira Producta”, de 2002, seguindo para “Querem Acabar Comigo, Roberto” (2004) e “Mulher Tombada” (2015), encerrando a trilogia Producta. O “tombar” se tornou um símbolo para Karine, remetendo às diversas nuances que a vida pode oferecer, entre quedas e levantamentos.

“Quando eu caio é porque estou demonstrando minha humanidade”, disse em entrevista ao O POVO em 2019. Ao longo dos últimos quatro anos, Karine seguiu demonstrando sua humanidade e propondo reflexões em diferentes produções. Em 2021, inaugurou a instalação virtual “Museu do Abuso”, reunindo um recorte de “idas e vindas e sua convivência com violências diárias advindas dos mais diferentes (e próximos) vetores”, como explicou, na época, o curador Régis Amora.

O abuso, sempre recorrente em textos e conversas com amigos e parceiros de trabalho, voltou a ser retratado recentemente por Karine. Em dezembro de 2022, estreou no canal do Porto Dragão no YouTube o curta-metragem “Pra vc se orientar”, idealizado pela multiartista em conjunto com a escritora Larissa Lins.

A obra tem atuação de Alexandrino, que também construiu o texto e o roteiro ao lado de Lins. O trabalho reúne recortes surrealistas cujo tema principal é a violência doméstica, apresentando a misoginia vivida no cotidiano por causa de uma estrutura social. As gravações ocorreram no Teatro B. de Paiva e contaram com participações especiais de Cláudio Queiroz e Larissa Lins.

O título do curta-metragem faz referência a experiências de abuso vividas com seu ex-companheiro “Hoje em dia eu sou uma pessoa que anda de bengala porque eu tive um problema, uma sequela no joelho por conta de uma agressão física que eu sofri. ‘Pra vc se orientar’ é justamente a frase que ele usava antes de me agredir”, relata.

A trilha sonora da produção foi construída também por Karine Alexandrino. Na trama, são explorados detalhes de episódios de abuso sofridos pela cearense. A artista também expande as discussões para outras formas de abuso para além da violência doméstica, como violência patrimonial.

Karine compartilha que, desde a idealização do “Museu do Abuso”, se envolveu mais com a literatura, mas tratando também sobre o campo que dá nome à instalação virtual. “Um espancamento, uma surra de namorado é uma coisa terrível. Você implora por ajuda, mas o Estado não dá suporte. Você começa a ver a falência das instituições”, reflete. “A minha ideia é entrar mais na literatura, pegar e escoar todo esse trabalho que eu fiz, que foi muito doloroso”, divide.

Para dialogar com o futuro, são abertas também ponderações sobre o passado. Em 2000, Karine foi apresentadora do Liquidificador, na TV União. O programa era voltado à música e às artes visuais. Hoje, porém, não se vê mais no meio da televisão aberta. “Eu já apareci tanto na televisão e aquilo me encheu. A forma é vazia e limitada. A imagem é limitada. A reflexão e a leitura são muito mais ricas. Você limpar a cabeça pensando é muito mais rico do que ficar olhando as imagens”, afirma.

Em sua opinião, as pessoas estão sendo “bombardeadas” de imagens e está faltando “fruição filosófica”. Ela não deixa, porém, de salientar que existem programações boas. O problema está em conteúdos vistos majoritariamente na TV aberta: “É algo brutal, violento. Transforma as pessoas em animais. A forma e a imagem tiram a sensibilidade”.

Nesse sentido, aponta o mundo digital como uma oportunidade “para disseminar ideias que possam colocar a sociedade em uma posição na qual as pessoas consigam ser mais humanistas”, tentativa vista em seu perfil no Instagram. “É importante poder escrever uma coisa do coração, que seja simples e sem pretensões - como é meu jeito de escrever -, e dali vem um feedback maravilhoso de pessoas que não são vaidosas”, indica.

Assim, compartilhando ideias e recebendo de volta outras ponderações, Karine Alexandrino segue fazendo arte para refletir e causar transformações em quem a observa, lê ou ouve.

Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Pra vc se orientar

Onde assistir: Porto Dragão no YouTube

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