Discutir as transformações sociais da paisagem litorânea e urbana a partir da especulação imobiliária, bem como pensar as noções de moradia para construir um "imaginário sensível sobre as diversas formas de habitar o mundo" por meio de pinturas, esculturas, fotografias, vídeo, instalação, colagem e intervenção urbana. É com esses objetivos que será inaugurada neste sábado, 4, às 10 horas, a exposição "Praia e Capital".
A mostra acontecerá gratuitamente na Galeria Leonardo Leal até abril. Serão exibidas mais de 30 obras do artista plástico cearense Diego de Santos, com curadoria de Lucas Dilacerda. A exposição trabalha com artes que derivam da observação de Diego a respeito de faixas de ráfia (conhecidas por anúncios de compra e venda de imóveis, além de outros serviços) que trazem, no litoral cearense, um contexto de especulação imobiliária.
A exposição reúne temas que vêm da vivência de Diego que, natural da periferia de Caucaia, sempre teve a moradia como uma grande questão a ser trabalhada. A arte foi um dos caminhos encontrados para propor discussões sobre a situação. Com ela, uniu também seu interesse pela natureza, o que resultou no entrelaçamento entre as paisagens e as moradias.
"Gosto de destacar também a minha relação com a paisagem, seja a da praia, do rio, do mangue, do quintal, do roçado... É daí que vem meu interesse nessa metamorfose, em que essas paisagens resultam em áreas construídas, motivadas pela capitalização da natureza, como o litoral", aponta.
A respeito do título da mostra, ele pontua que o nome foi adaptado de um anúncio de venda de lotes em faixas de ráfia - levando também a reflexões sobre o duplo sentido de "Capital". "O original, 'Lotes - entre praia e capital', localizava uma região loteada entre as praias de Caucaia, de onde eu sou, e Fortaleza. Então, o termo 'capital' no projeto tem sentido tanto geográfico como financeiro", explica.
"A ideia é que o público possa, a partir das obras, pensar junto sobre as transformações sociais, econômicas e ambientais que o crescimento das cidades têm provocado. Nesse processo, como a moradia tem sido pensada? E a própria paisagem? Utilizar as faixas de ráfia de publicidade imobiliária nas obras tem como desejo atrair um olhar crítico sobre a capitalização tanto da natureza como da moradia. A contaminação visual que se dá pelas faixas é um ponto de partida para discutir a explosão de construções sobre a paisagem", conta.
Nesse sentido, a curadoria do crítico de arte e coordenador do Laboratório de Arte Contemporânea (Lac), Lucas Dilacerda, faz um recorte mais específico das composições de Diego para "complexificar a discussão e tentar olhar para outros pontos de vista, mas ainda discutindo a questão da moradia".
O curador ressalta como a especulação imobiliária não atinge apenas os moradores que já estavam naquela região, mas também cria problemas ambientais. No caso do litoral, pode criar problemas também para "os povos do mar", para os pescadores que atuam na região.
"É um processo de degradação ambiental e de remoção também, sem falar que muitas das propagandas são enganosas para as pessoas comprarem achando que vão conseguir casa própria, mas é uma armadilha para se endividarem ainda mais", acrescenta.
Segundo conta Lucas Dilacerda, a ideia para a exposição surgiu de um momento no qual, ao se deparar com as tais faixas de ráfia, Diego percebeu como o vento as rasgava - em uma analogia na qual o curador da mostra entende como "um boicote às faixas": "É quase como se o próprio vento expulsasse essas moradias predatórias. Ele rasga as faixas e delas surgem vários tufos coloridos, que ficam voando. Diego começa a se impressionar com esse efeito estético e o trabalho dele parte daí. As obras que estão na exposição retratam esse efeito de alguma maneira".
Ele acrescenta: "O que o Diego retrata nas obras é justamente essas faixas de ráfia engolindo essas paisagens. Nos trabalhos dele, vemos ao fundo a paisagem litorânea, como o mar, mas sendo erguidas construções barrando a vista, quase como se sufocasse a paisagem. Então, ela vai sendo engolida por essas faixas".
Na exposição, é construída uma narrativa que aponta para as paisagens sendo "engolidas" até desaparecerem por completo. Há, também, uma sala mais escura que trabalha com a ideia de paisagens oníricas, ou seja, que remetem a sonhos. "A gente vai entender que é a produção do sonho da casa própria que muitas vezes é sequestrado por propagandas enganosas", complementa Dilacerda.
Em "Praia e Capital", o vento possui papel importantíssimo: "Nessa curadoria o recorte é mais voltado para o vento, um elemento que se constitui como possibilidade de resistir a tudo isso. O vento como uma sabedoria ancestral, na qual os povos do mar o utilizam para pescar, para saber se a pesca é propícia a partir dele".
O curador finaliza: "O que eu destaco do trabalho do Diego é que o vento pode nos ensinar. Porque o vento já está boicotando. Ele tem feito esse trabalho. O que a gente pode aprender com ele? É o vento quase como se fosse um professor".
Praia e Capital
Abertura: sábado, 4, às 10 horas
Quando: terça a sexta-feira, das 12h às 20 horas, e aos sábados, das 10h às 13 horas; disponível até 4 de abril
Onde: Galeria Leonardo Leal (Rua Visconde de Mauá, 1515 - Meireles)
Gratuito
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