A cena cultural do ano de 1979, segundo o jornalista e pesquisador Célio Albuquerque, tem três "molas mestras": o início da anistia política, a solidificação do conceito de música independente e a explosão das mulheres compositoras. As circunstâncias possibilitaram o desenvolvimento de panorama artístico fertil após censura imposta pelo AI-5, dando vazão a obras de nomes como Belchior, Elza Soares, Clara Nunes, Dona Ivone Lara e Gilberto Gil, para citar alguns. Os discos desses e de outros artistas são analisados no livro "1979 - O Ano Que Ressignificou a MPB", organizado por Célio e lançado pela Garota FM Books, editora da jornalista e escritora Chris Fuscaldo. A obra, viabilizada por financiamento coletivo, será lançada em Fortaleza nesta terça-feira, 7, e na sexta-feira, 10, no BNB Clube e no Cantinho do Frango, respectivamente.
A publicação reúne textos de jornalistas e artistas sobre álbuns relevantes da época, modelo já explorado pelo pesquisador em "1973 - O Ano Que Reinventou a MPB" (2013). "O trabalho foi árduo, mas foi acima de tudo prazeroso. Praticamente todos os envolvidos, depois do livro lançado e sua trajetória, perguntavam quando seria o próximo livro. Aos poucos fui percebendo que outros anos mereciam um tratamento semelhante. E cheguei a conclusão que esse seria 1979", relata Célio. A decisão foi motivada por pontos primordiais desse período, que perpassam pela criação da Seroma, gravadora independente idealizada por Tim Maia; o surgimento do selo "Feito em Casa", do cantor e compositor Antônio Adolfo; e o primeiro disco do grupo Boca Livre, assim como o álbum da dupla Luli e Lucina.
Desta forma, os autores se debruçaram sobre o vasto leque de opções do ano mencionado. Ao todo, 100 LPs são ponderados. O jornalista reitera que a abertura gradual do campo artístico possibilitou o crescimento da presença de diversas nuances políticas na Música Popular Brasileira (MPB), principalmente "na que é produzida nos grandes centros". Os feitos ainda eram cautelosos, mas continham certa dose de "esperança". Esses meses promovem a expansão de movimentos como a Tropicália, Pessoal do Ceará e a Massafeira Livre, tema de texto assinado pela cantora, compositora, produtora e jornalista Mona Gadelha. Com apenas 19 anos na época, a artista testemunhava o "último ano de uma década incandescente" com o desejo do fim da ditadura militar.
"Vivia intensamente a cena da Cidade, onde não tínhamos opções de estúdios para gravações, mas havia essa cena de música autoral, com shows no Teatro do Ibeu, no Teatro da Emcetur e Teatro de Arena da Credimus. E essa cena acabou se moldando para o acontecimento 'Massafeira'". Para a compositora, a iniciativa concebida por personalidades cearenses se destaca pela proposta inusitada e pelos desdobramentos. "[A Massafeira] Ia além da música, adotando outras linguagens; por ter essa proposta de ser, de fato, 'livre', portanto, aberta para muitas pessoas. E pelo desdobramento, que foi a produção do álbum duplo nos estúdios da CBS, no Rio, levando dezenas de músicos, cantores e compositores para mais de um mês de gravações", complementa.
O destaque para as múltiplas vozes do Nordeste segue no artigo do crítico musical e editor do Vida&Arte Marcos Sampaio, que escreveu sobre "Equatorial", da cantora Teti. "Para essa geração, ela é a voz feminina do Ceará. Quando se fala do Pessoal do Ceará, ela era a cantora, a Amelinha só veio depois. Esse disco tem um bocado de gente boa ao redor. Tem direção artística do Fagner, produção musical do Fausto Nilo, a banda de Milton Nascimento", considera.
Já o jornalista Nelson Augusto apresentou "Bendegó", do grupo baiano Bendegó. "Considero o álbum muito bem produzido, no que se refere aos arranjos, composições, vozes e vocais e músicos convidados, além das artes gráficas. Na época do lançamento, o LP não recebeu a devida divulgação. Foi uma das últimas performances de Rogério Duprat, maestro e arranjador responsável pela atmosfera musical da Tropicália", comenta.
Nelson também destaca os discos de Amelinha, Angela Ro Ro, Luiz Gonzaga, Zé Ramalho e Lô Borges, todos mencionados em "1979 - O Ano Que Ressignificou a MPB". "O conceito da seleção de álbuns é sua representatividade. Não necessariamente os considerados os melhores, até porque esse conceito também é discutível", aponta Célio. "A música produzida na década de 70, particularmente, é muito forte. Vale lembrar que vários artistas e álbuns com 50 anos ou mais continuam servindo de combustível para as novas gerações. A música é viva e se renova. E isso é muito bom", completa o organizador.
Autores cearenses
O editor do Vida&Arte e crítico de música Marcos Sampaio escreveu texto sobre o álbum "Equatorial", da cantora Teti, primeiro álbum solo da artista. O trabalho também conta com participação de Fagner.
O jornalista Nelson Augusto escreveu texto sobre o álbum "Bendegó", do grupo Bendegó. Nelson conversou Kapenga, Gereba e Jairo Pires, produtor do disco.
O músico e jornalista Dalwton Moura escreveu sobre o disco "Ednardo", do cantor Ednardo.
O guitarrista, produtor e diretor musical Mimi Rocha escreveu sobre o álbum "A Quem Interessar Possa", do grupo D'Alma.
A cantora, compositora e jornalista Mona Gadelha escreve sobre o Massafeira Livre, movimento que teve Augusto Pontes como um dos mentores.
"1979 - O Ano Que Ressignificou a MPB"
Quanto: terça-feira, 7, às 19 horas
Onde: BNB Clube (av. Santos Dumont, 3646 - Aldeota)
Gratuito
Um segundo lançamento também acontecerá nesta sexta-feira, 10, às 18 horas no Cantinho do Frango (rua Torre Câmara, 71 - Aldeota)
O livro também está à venda por R$99 no site da Livraria da Travessa.
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