Fortaleza celebra nos próximos finais de semana de março um espetáculo de dança vogue que aborda a cultura ballroom desde a sua formação. "Voa Vogue - Corpas Possíveis, Corpos Sensíveis” é uma produção complexa e sensível de Eva Bessa e integrantes da Kiki House of Valentino, que estará nos palcos do Theatro José de Alencar nos dias 12, 17 e 24 deste mês.
Vogue é uma dança moderna estilizada e caracterizada com poses e movimentos corporais específicos da categoria. Eva Bessa, dançarina, travesti e coreógrafa cearense, comemora a apresentação do espetáculo no Ceará: “É difícil a gente ver nossos corpos presentes protagonizando esses espaços”.
“Voa Vogue” é um espetáculo sensível que fala sobre a comunidade ballroom e as vivências das pessoas que dela fazem parte. “O que eu quero trazer é o que a gente vive todos os dias lá dentro [ballroom] e as pessoas não conhecem. Na verdade, muita gente nem sabe que comunidade é essa. É visto pessoas dançando e o que chega para o público é só vogue, mas é, na verdade, um espaço de acolhimento para a comunidade LGBTQIA+ em vulnerabilidade”, diz.
Ressaltando que na comunidade ballroom a maioria das pessoas são pretas e estão em vulnerabilidade social, Eva explica que é comum encontrar lá um “suporte familiar”. “São corpos trans, corpos ressignificados que estão juntos para fazer um baile só nosso. É colocar esses corpos no lugar onde eles devem estar, considerando que a sociedade não enxerga a gente”, diz a artista.
A dança vogue hoje é uma das maiores expressões da ballroom, mas a dançarina Eva, que protagoniza o espetáculo, já acreditou que essa arte não “seria para ela”. Foi em 2019, quando a artista passava mais fortemente por seu processo de transição, que recebeu o incentivo de suas amigas para tentar esta dança moderna.
Desde então, a arte que um dia foi insegurança para Eva tornou-se seu suporte de empoderamento. “Eu me sinto super viva depois que danço. Eu me segurei nisso [no vogue] e treinava todos os dias na minha casa. Depois que eu conheci essa cultura, eu não tive como me desvincular mais”, explica.
Sobre o espetáculo, Eva conta que quis explorar a cultura ballroom desde o seu início e mostrar todas as artes e batalhas que compõem sua história. Na apresentação, ela e os demais artistas trazem ao palco os três tipos de dança vogue numa narrativa que explora passado, presente e futuro da dança.
A montagem explora ainda “corpos e corpas” das artistas que estarão no palco por meio do Vogue Femme, que é uma fase moderna da dança com movimentos mais “jogados” e explora mais intensamente o corpo e a cintura dos dançarinos. Para isso, a sensualidade estará presente no espetáculo por meio “multilinguagens sexys”
“Na ballroom, beleza é beleza. A gente mostra a nossa confiança, assume que ser sexy independente é de qualquer padrão”, declara Eva. Na apresentação, cada pessoa ao palco irá desfilar, mostrar com evidência seu rosto nos holofotes, dançar e interagir com o público.
“O ‘Voa Vogue’ é para o público entender realmente a cultura ballroom e se sentir atravessada. Entender o todo e não só o movimento. Não é só umas bixas se jogando, tem uma história”, celebra a dançarina.
Bruno DLX, escritor e produtor do "Voa Vogue - Corpas Possíveis, Corpos Sensíveis”, afirma que a cultura ballroom é muito forte em Fortaleza e, desde 2017, percebe o crescimento dos palcos e do público para o movimento cultural. “O mais interessante é que as pessoas do movimento são muito engajadas. Sabe aquela história de “um por todos e todos por um”? Isso eu vejo muitos entre elas. É um exemplo para toda comunidade LGBTQIA+”, diz.
Questionado sobre facilitações e dificultação no processo de inscrever artistas e espetáculos da cultura ballroom em eventos públicos de Fortaleza, o produtor alega que há problemas que ainda prejudicam a relação da comunidade com os equipamentos públicos do Ceará.
“Existe uma iniciativa de inserção dessa população nos equipamentos culturais, mas ainda de uma forma muito rasa. Não adianta abrir uma chamada e não desburocratizar o processo. Ainda há os casos de errarem o nome social das artistas e chamá-las pelo nome ''morto'', são coisas que não tem como passar. Eu acho inadmissível”, relata Bruno.
No entanto, para ele, há projetos como o Rede Cuca que representam conquistas na inserção dos jovens ao cenário cultural do Ceará. Bruno celebra que esse equipamento foi fundamental em sua trajetória na arte e atua na contramão da ideia de que periferia não compõe a cultura.
Voa Vogue - "Corpas Sensíveis, Corpos Possíveis"
Quando: 12, 17 e 24 de março, às 19 horas
Onde: Theatro José de Alencar - Sala de Teatro Nadir Papi Sabóia (R. Liberato Barroso, 525 - Centro)
Gratuito
Classificação: livre
Mais informações: @tja.theatrojosedealencar (Instagram)
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