"Departamento de especulação", de Jenny Offill, é um romance de falsa simplicidade que se estrutura em torno de breves entradas, como num diário, mas sem demarcações cronológicas.
Pequeno, conta a história de uma mulher cuja vida a leva para um casamento não desejado, mas consumado afinal, no qual tem uma filha que passa a ocupá-la, assim como o marido, homem de uma gentileza que não chega a aborrecê-la, mas tampouco a atrai.
Tudo isso, esses eventos que se costuram sem que a personagem os procure deliberadamente, resulta no que é seu novo cotidiano.
Antes, imaginara-se um "monstro da arte", alguém devotado ao ofício, exercendo em plenitude suas capacidades. Lentamente, descobre que se afastara desse horizonte, distorcido e finalmente deixado para trás.
O livro divide-se em duas partes entre as quais não há propriamente uma cisão, mas uma mudança de perspectiva que se nota com facilidade. Na primeira, a narrativa é guiada em primeira pessoa; na seguinte, em terceira.
A alteração não é trivial. Produz um distanciamento do casamento e dos problemas elaborados de maneira rápida, quase episódica - uma separação à espreita, uma crise, um abismo.
O segundo trecho contrasta com o primeiro, no qual a narradora se mostra mais colada ao leitor, sua voz quase familiar. Diferentemente da segunda metade, em que figura como "a esposa", como se uma subjetividade se perdesse no meio do caminho.
Essas desarticulações, digamos assim, voltam a convergir apenas ao final do livro. Sem redenção, mas também sem epifanias ou tragicidade.
"Departamento de especulação" é obra despedaçada, como uma colcha retalhada cujas peças cabe ao leitor juntar. É armada com habilidade na abordagem de questões candentes: matrimônio, liberdade, arte.
Sua forma, disposta em fragmentos, se coaduna com um presente em que a vida também se movimenta em soluços e desencaixes - breves reverberações da interação entre sociedade e tecnologia.
Esse aparente fôlego curto, porém, não se confunde com rarefação. Trata-se de livro que leva a pensar, como esses quadros de moldura diminuta cujas pinceladas são, por si, gestos poderosos de criação.
Departamento de especulação
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