Nas aulas ministradas em cursos livres em Portugal, para onde se mudou antes da pandemia de Covid, o escritor cearense Lira Neto ouvia sempre a mesma pergunta: mas como você se tornou biógrafo?
A resposta, ao menos em parte, está em “A arte da biografia”, que sai agora pela Cia das Letras e tem lançamento em Fortaleza neste sábado, 25, a partir das 18 horas, no Museu da Imagem e do Som (MIS).
No livro, um manual prático-teórico, o autor de “Padre Cícero”, “Maysa” e “Getúlio” dedica um trecho ao início dos anos 2000, quando resolveu abrir mão de uma carreira bem-sucedida de jornalista no O POVO para se dedicar às histórias de vida.
Em meio a dúvidas sobre o próprio futuro, relembra Lira em entrevista à reportagem, foi ter com Demócrito Dummar, que lhe perguntou se ele “tinha bebido àquela hora da manhã”. Ambos caíram na gargalhada.
“Eu precisava contar a história do princípio e resolvi fazer uma homenagem a alguém que, no início da minha carreira de jornalista, foi de fundamental importância, o Demócrito, que me recebeu no O POVO e onde trabalhei por dez anos”, repassa o autor.
À obra inaugural sobre o farmacêutico Rodolfo Teófilo, publicada em tiragem restrita pelas Edições Demócrito Rocha em 1999, seguiram-se então trabalhos mais alentados sobre José de Alencar e Castello Branco.
Duas décadas de carreira e quatro prêmios Jabuti depois, Lira percorre não apenas esse marco inicial de sua vida profissional, mas também reflete sobre a escrita biográfica em si, para ele resultado de “faro detetivesco, curiosidade antropológica e espírito de arqueólogo”.
Dividido em sete capítulos curtos que dão conta da espinha-dorsal dessa modalidade de escrita, o resultado é um esforço de sistematização que combina uma pragmática da biografia com um arcabouço teórico aprimorado em um doutorado recém-concluído na Universidade de Coimbra.
De volta ao país após quatro anos fora, Lira explica que não se trata, porém, de um roteiro pura e simplesmente, tampouco de desdobramentos de uma tese acadêmica.
“O livro não é um manual, mas também não é um estudo teórico. É uma tentativa de articulação entre teoria e prática, no sentido de que eu tento oferecer ao leitor um pouco do relato da minha experiência como escritor e biógrafo e, ao mesmo tempo, dando algumas referências teóricas e reflexivas sobre esse ofício”, indica.
“A arte da biografia”, contudo, também pode ser lida sob outra chave: a de uma viagem aos bastidores de obras como a trilogia sobre Getúlio Vargas, como se lê na parte em que o escritor revela como fez para desvendar o mistério por trás de uma acusação que Carlos Lacerda fizera ao adversário político, atribuindo-lhe a morte de um indígena no Rio Grande do Sul.
Numa mesma passagem, Lira manuseia os princípios da investigação jornalística e a operacionalização de fontes documentais diversas, um dos tópicos presentes no volume.
Além de uma introdução na qual refaz sua trajetória, o biógrafo contempla ainda pontos incontornáveis para quem pretenda se arriscar nesse território.
Assim, estão ali, no percurso da leitura, desde uma “biografia da biografia”, com uma breve genealogia, até uma seção voltada aos desafios da pesquisa e outra ao sabor da escrita – ritmo, cadência, escolhas lexicais e criatividade, numa mostra de que, no curso da preparação de um livro, nunca se deve perder de vista a quem ele se destina ao final de tudo: à leitora, ao leitor.
Mas qual seria o espaço dessa criatividade na biografia? Há uma escrita criativa não ficcional da qual o gênero se serve?
“Eu diria que se fala muito em escrita criativa, existem cursos, mestrados etc. E sempre que se fala nessa expressão, se associa quase que automaticamente à escrita de ficção”, responde Lira, acrescentando que “o termo pode ser aplicado também à escrita de não ficção”.
“Mas criação não no sentido da imaginação desprovida de qualquer lastro documental, muito pelo contrário. O que há na biografia não é invenção no sentido da fantasia, do delírio, que é permitido ao artista, mas a criatividade no sentido de olhar para a documentação de forma criativa”, conclui.
A Arte da Biiografia
De Lira Neto
Editora Companhia das Letras
Quanto: R$ 64,90
Mais informações: companhiadasletras.com.br
Lançamento de "A Arte da Biografia"
Quando: sábado, 25, às 18 horas
Onde: Museu da Imagem e do Som (avenida Barão de Studart, 410 - Meireles)
Programação gratuita
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