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1 ano de reabertura do MIS: a celebração de um museu vivo
Vida & Arte

1 ano de reabertura do MIS: a celebração de um museu vivo

Um ano após reabertura, Museu da Imagem e do Som do Ceará busca aliar passado e presente para reforçar importância de acervo em busca de futuro conjunto com a sociedade
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 15-03-2023: 1 ano de reabertura do Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE). (Foto: Samuel Setubal) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 15-03-2023: 1 ano de reabertura do Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE). (Foto: Samuel Setubal)

Inaugurado oficialmente em 1980 e instalado no subsolo do prédio da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Depois, foi reestruturado em 1996 na avenida Barão de Studart. Em 31 de março de 2022, reinaugurado após ter sido fechado em 2018 para reformas e restauros. Não são, porém, apenas as alterações estruturais que contam a trajetória do Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE).

No equipamento, há espaços expositivos, biblioteca, laboratórios de restauro e digitalização de acervo, reserva técnica, ilhas de edição e sala imersiva com projetos para instalações multimídias, além de ter sido construído um prédio anexo. O acervo do MIS tem mais de 160 mil itens, entre livros, fotografias, filmes e outros objetos de grande valor histórico, há testemunhos que marcaram Fortaleza, Ceará e o Brasil. Um ano após reabrir, o equipamento cultural celebra sua continuidade e busca trabalhar passado e presente para experimentar o futuro.

Vinculado à Secretaria da Cultura e gerido pelo Instituto Mirante, o MIS é responsável pela preservação, difusão e pesquisa da memória audiovisual do Ceará. Com a reinauguração, busca ampliar o acesso da sociedade ao seu acervo imagético e sonoro a partir de pesquisas, atividades científico-culturais, educacionais e formativas.

Diretora adjunta do MIS, a pesquisadora e mestre em comunicação Zoraia Nunes enxerga mudanças que ultrapassam questões estruturais quando há a comparação entre “o antigo e o novo MIS”. A mais significativa está relacionada à acessibilidade do acervo do museu. “Era acessado por pouquíssimas pessoas”, afirma.

“A sociedade civil, de uma forma geral, não acessava esse espaço. Acho que a grande diferença está aí. A gente se alinha a um conceito de museus recentemente aprovado pelo Conselho Internacional de Museus (Icom, em inglês), que é o de um museu permeado, afetado e manuseado pelo público. Sem isso, há pouco sentido nas instituições museais contemporâneas”, complementa a diretora.

O discurso de Zoraia Nunes segue na direção do plano estratégico do MIS de abraçar cada vez mais a presença do público e sua diversidade. Segundo a pesquisadora, essa intenção é um dos elementos “que têm movido” o trabalho da instituição. A inauguração do prédio anexo ampliou as possibilidades de funcionamento do museu e, para a diretora, “traz a lógica de um museu para além de um acervo de objetos históricos” ao se integrar com novas tecnologias.

“É como se a gente estivesse atendendo a dois vieses: a uma discussão do tempo histórico e de uma salvaguarda da memória do passado, mas também a um diálogo com o contemporâneo e a memória de hoje”, elenca.

Por sinal, trabalhar as diferentes temporalidades - passado, presente e futuro - têm sido “um exercício” para a equipe de trabalhadores do MIS. Nesse caso, refletir sobre as tecnologias e, ao mesmo tempo, pensar na difusão do acervo. “Quando trabalhamos essas duas frentes, a difusão do acervo a partir de novas metodologias e tecnologias, é o momento que unimos as duas coisas, porque senão continuamos com um acervo de 42 anos sem acesso”, pontua.

Um exemplo dessa condução é o mergulho atual do equipamento nos arquivos “riquíssimos” do compositor cearense Humberto Teixeira - itens pertencentes, agora, ao MIS. Os profissionais da instituição discutem sobre como difundir as obras do acervo a partir de tecnologias contemporâneas e conseguir a interação dos visitantes com o passado.

Diante disso, é necessário debater também sobre como o MIS deve abrir as portas e se firmar como um equipamento pertencente não apenas à região na qual está instalado fisicamente (no caso, o bairro Meireles), mas ao Ceará. Ou, como aponta também Zoraia Nunes, como “adentrar em outras Fortalezas”.

O pontapé para isso passa pela formação da própria equipe que forma o MIS, composta, por exemplo, por indígenas, mulheres trans, pessoas pretas e de partes periféricas da Capital. A partir de suas vivências, sugerem e apontam caminhos para a promoção de atividades mais inclusivas.

Neste segundo ano de funcionamento, o “novo MIS” trabalhará processos itinerantes de formação em outros territórios cearenses, além de pesquisar acervos de museus de outras cidades do Estado e ampliar os espaços de suas ações culturais. Tudo isso, porém, sem uma “perspectiva colonizadora”. O intuito é estabelecer movimentos colaborativos.

Responsabilidades que recaem na “missão” de protagonismo do MIS em formar novos públicos assíduos em museus e que não se distanciem dos equipamentos por visões “datadas” sobre as instituições museais. “A programação precisa ser interessante para públicos diversos. As exposições que a gente escolhe, como a gente conduz a visitação, como os colaboradores estão preparados… Acho que a partir disso o MIS começa a exercer a missão de novas narrativas e de práticas museais diferentes”, analisa Zoraia Nunes.

Para expandir ainda mais as discussões sobre o papel de museus na contemporaneidade, será realizado o “Seminário Museus e Museologias no Tempo Presente” nesta terça-feira, 28, e nesta quarta-feira, 29. O evento trabalhará conceitos ligados à museologia social.

“Esse é um campo da museologia muito particular que vai justamente ficar atento aos sujeitos historicamente excluídos do próprio espaço do museu”, explica João Paulo Vieira, coordenador de Acervo e Pesquisa do MIS. Haverá mesas redondas com temas como "Museus indígenas, cosmopolítica da memória e afirmação étnica" e "Museus e Memórias Afro-diaspóricas".

“A ideia é justamente a gente pensar nessas lacunas do acervo e também direcionar as ações do MIS também para o campo da museologia social. É necessário estarmos atentos às demandas do tempo presente. Como a gente pode associar novas tecnologias com o patrimônio imaterial do Ceará, como a gente pode fazer leituras contemporâneas dessas memórias que foram durante muito tempo silenciadas, como a gente pode contribuir nesses processos de construção social da memória desses grupos, dando visibilidade às suas demandas?”, indaga o coordenador.

Dessa forma, os museus - incluindo o MIS - assumem função de grande importância para a preservação de memórias e ocupam o papel de reflexão sobre como o futuro será a partir do que foi o passado e do que é o presente. “O museu tem uma função educativa de pensar criticamente os processos de construção social da memória, de pensar como chegamos até aqui, de olhar o passado e as referências culturais a partir do presente”, afirma João Paulo.

Ele prossegue: “Isso nos ajuda a perceber que o ‘agora’ não é imutável, que o ‘agora’ é fruto dos homens no tempo e que, portanto, o futuro é um devir que será construído a partir da nossa intervenção no ‘agora’. Acho que esse compromisso social do museu com o seu tempo, com as questões do presente, com as demandas dos grupos historicamente silenciados e como isso vai reverberar em nosso fazer cotidiano pode nos proporcionar uma sociedade mais democrática e participativa”.

“Os museus servem para isso: para a gente olhar esse passado e esse presente de maneira mais democrática, plural e inclusiva, representando justamente essa diversidade formadora da sociedade cearense”, finaliza.

MIS Ceará

Horários de funcionamento: de terça a quinta-feira, 10h às 18 horas, com acesso às exposições até 17h30min; sexta a domingo, 13h às 20 horas, com acessos às exposições até 19h30min
Onde: Av. Barão de Studart, 410 – Meireles
Programação gratuita

Programações disponíveis no MIS

Seminário de Museus

O Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS-CE) realiza nesta terça-feira, 28, e nesta quarta-feira, 29, o “Seminário de Museus e Museologia no Tempo Presente”. A programação busca refletir sobre as dimensões poéticas, políticas e sociais das instituições museais atualmente. Participarão do evento intelectuais, pesquisadores do campo da museologia social, educadores e representantes de experiências museais de base comunitária.

Quando: terça-feira, 28, e quarta-feira, 29, das 9h às 18 horas
Onde: transmissão em Museu da Imagem e do Som do Ceará - MIS Ceará no YouTube

Laboratório dos Sentidos

Está em exposição no casarão do MIS a mostra “Laboratório dos Sentidos”, idealizada por André Scarlazzari. A exposição interativa oferece diversos equipamentos para que os visitantes manipulem e experimentem conceitos ligados à imagem e ao som, proporcionando uma experiência lúdica sobre os sentidos.

Quando: terça a quinta: das 10h às 18 horas, com acesso às exposições até 17h30min; sexta a domingo, das 13h às 20 horas, com acesso às exposições até 19h30min
Onde: Casarão do MIS (Av. Barão de Studart, 410 - Meireles)
Gratuito

Biblioteca

Com acervo diverso, a biblioteca do MIS está disponível para visitação do público. Por enquanto, ainda não é possível pegar obras emprestadas, apenas realizar consultas no local. Não é necessário fazer agendamento prévio para ter acesso ao catálogo. Livros de arte, fotografia, música, dança e livros de ficção (incluindo “Harry Potter”, por exemplo) compõem o acervo. O ambiente conta também com computadores.

Quando: terça a sexta, das 13h às 18 horas
Onde: Prédio anexo do MIS (Av. Barão de Studart, 410 - Meireles)
Gratuito

Passeio Noturno

O MIS exibe a exposição audiovisual “Passeio noturno: uma visão retrospectiva sobre Distruktur”, dos artistas Melissa Dullius e Gustavo Jahn. A mostra reúne fotografias, filmes sonoros e silenciosos e textos produzidos por Melissa e Gustavo. Os filmes “El Meraya” (2018), “Triangulum” (2008) e "Don't look back/Labirinto” (2012), “Cat Effekt” (2011), “A Máquina do Tempo”(2014) e “No coração do viajante” (2013), serão exibidos de forma contínua e em loop.

Quando: terça-feira a quinta-feira, das 10 horas às 18 horas, e sexta-feira a domingo, das 13 horas às 20 horas; em exibição até 24 de maio
Onde: 2º andar do MIS (avenida Barão de Studart, 410 - Meireles)

Exposição Imersiva

Produzida pela Bugaboo Studio, a instalação imersiva “O meio que risca a pedra” está disponível para visitação. A mostra é composta por projeções de registros em foto e vídeo de mergulhadores no Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio, localizado a dez milhas náuticas do Porto do Mucuripe, em Fortaleza. A exposição propõe narrativa que imagina a visita de uma espécie alienígena à Terra. Quando é detectada inteligência no fundo do mar, o visitante deixa o “espaço” e “mergulha no oceano”.

Quando: de quinta-feira, 30, a domingo, 2, e de 4 a 6 de abril; visitação de terça a quinta das 10 às 18 horas, e de sexta a domingo de 13 às 20 horas
Onde: Sala Imersiva do MIS (Av. Barão de Studart, 410 - Meireles)
Gratuito

Memórias de sons e imagens (Crônica de Flávio Paiva)

No processo de adaptação do ser humano, os sentidos da audição e da visão ganharam destaque na produção de respostas aos estímulos do meio. Essa distinção passou a ser responsável por parte significativa das nossas memórias, até mesmo por contemplarem também sensações térmicas, olfativas e outras reações perceptivas para a exploração das possibilidades oferecidas na permanência do ontem e do que há-de-ser.

Por conta desse alcance multissensorial na preservação de estados de consciência e na modelagem de diferentes alteridades, sons e imagens foram reunidos em museus que têm evoluído em todo o mundo. No estágio atual, são espaços em que as tramas entre frentes de pensamento não funcionam para a domesticação do tempo em linhas cronológicas, mas para deixá-lo livre na organicidade dos acontecimentos, das lembranças e da nossa vocação fabuladora.

A fraqueza existencial da atualidade, diante da supremacia do consumismo, dos abalos neofascistas e do autoengano da visibilidade a qualquer custo, começa a ser aliviada quando se descobre valor nas vibrações e visualidades, pelo movimento de campos de abstrações e ligações de nodos referenciais no jogo dos códigos. Por isso, um bom Museu da Imagem e do Som (MIS) é aquele que não uniformiza, nem se submete a grupos de dominância estética e política, mas o que permite associações muitas vezes vistas e ouvidas como não associáveis.

Em Fortaleza estamos caminhando para ter um MIS admirável. Depois de 43 anos funcionando basicamente como arquivo, o museu da memória audiovisual cearense volta-se para ser um espaço de perspectivas comunicativas. Revitalizado e ampliado, com atualização tecnológica de ponta, programações atraentes e uma praça para copresenças físicas diversas, o MIS Ceará é um lugar propício ao exercício da disposição mental interativa.

O diretor Silas de Paula tem dito com valioso poder de síntese, força conceitual e visão cosmopolita que o diferencial do novo MIS é o Ceará: "Só nós temos o Ceará". Essa é uma grande missão, considerando que nós, cearenses, fomos exilados em nosso próprio desconhecimento do que somos por políticas de apagamento de manifestações históricas e práticas cartoriais por parte dos órgãos de cultura, o que nos levou a ser tolerantes com os descasos da nossa memória.

No momento o MIS está fazendo a organização do acervo, a catalogação adequada ao novo propósito e restauros digitais para poder efetivamente entrar na fase de dinamização do Ceará acústico e luminoso, inclusive com condições de receber pesquisadores externos e outras pessoas interessadas por memórias cruzadas e simulações de tendências. Isso ainda levará um bom tempo e requererá financiamento à altura da tarefa.

A gestão do MIS Ceará e sua equipe técnica revelam que estão agindo em linha com o discurso quando abrem o vídeo de apresentação do museu (disponível no YouTube) com o som de triângulo dos vendedores de chegadinha, uma espécie de hóstia profana, rústica e crocante das delícias populares de rua. Pode parecer simples, mas é com esse tipo de vocabulário sonoro e imagético que poderemos construir pontes para novos enfoques e hipóteses perceptivas da cearensidade.

Nesse sentido, tudo pode ser enxergado e ouvido: a forma como a mulher, a criança, o negro, os povos originários e o mestiço são tratados na nossa música e nas artes visuais; artistas de outras terras que pintaram, fotografaram e cantaram o Ceará; sonoridades e imagens da fé na fenomenologia do Padre Cícero; casacas-de-couro dos Inhamuns; ferros dos maracatus; tibungos de copo em pote d´água dormida; sons da natureza que habitam os centros urbanos; enfim, são tantos os estranhamentos e tantas as familiaridades da geografia humana cearense e suas paisagens visuais e sonoras.

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