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Arte sacra: Relíquias de arte que propagam a fé
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Arte sacra: Relíquias de arte que propagam a fé

Neste domingo de Páscoa, Vida&Arte convida a conhecer um panorama das artes sacras e relíquias da Igreja Católica no Ceará, com comentários de especialistas que falam sobre o acervo, produção artística e restauro
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Vitrais e a imagem de São José na Catedral  (Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo)
Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo Vitrais e a imagem de São José na Catedral

Contemplando a religiosidade, a arte sacra está presente na arquitetura de igrejas e templos, esculturas de santos, painéis no teto das igrejas, pinturas, gravuras, afrescos, vitrais, mosaicos, desenhos de passagens bíblicas, utensílios litúrgicos e vestimentas. Trabalhos sacros são populares em todo o mundo e até ponto turístico, como a "A Última Ceia" (1495-1497), do renascentista Leonardo Da Vinci, que se encontra na Igreja e Convento de Santa Maria da Graça, em Milão. No Ceará, obras desta categoria estão presentes em museus e igrejas e o Vida&Arte apresenta um panorama deste acervo.

A arte sacra está diretamente ligada às igrejas, pois compreende obras artísticas de cunho religioso, que têm como objetivo adornar locais em que os ritos e celebrações religiosas acontecem. Já a arte religiosa, apesar de ter o mesmo viés, está presente em outros espaços, fora dos lugares de cultos e rituais religiosos, como residências ou exposições. As igrejas católicas são os principais espaços da Capital com acervo de arte sacra, além de museus presentes no interior. Apesar da existência dessas produções artísticas, especialistas apontam que a falta de mapeamento e de profissionais qualificados para manejo,produção e restauro limita o mercado de arte sacra cearense.

"Em Fortaleza, o acervo de arte sacra é muito simples. Tirando a Igreja do Rosário, que é a mais antiga da cidade, do século XVIII, e que tem uma bela imagem de Nossa Senhora do Rosário, as demais imagens são feitas em gesso. São imagens novas, recentes", declara o professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, Romeu Duarte.

Para ele, houve uma preocupação em conservar a arquitetura de alguns prédios religiosos, mas parte do acervo caiu no esquecimento. "A gente não tem informação, por exemplo, do que tinha na Catedral antiga de Fortaleza, que foi demolida em 1938 a mando do Manoel da Silva Gomes, sendo uma igreja do século XVIII, certamente lá teria imagens com esse tipo de qualidade: terracota ou madeira policromada. Com a destruição desse prédio, muita coisa deve ter se perdido ou foi levada para outro lugar. A gente tem notícia de uma imagem de Nossa Senhora da Assunção muito interessante que está na 10ª região militar… ou estava. Não há um cadastro, não há um inventário dessas peças que não são somente imagens, mas todo o recheio das igrejas: ostensórios, cálices, utensílios que são utilizados nos cultos", explica o docente.

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O Vida&Arte entrou em contato com a assessoria de comunicação da Secult-CE e da Arquidiocese de Fortaleza e ambas informaram que não há um mapeamento do acervo de artes sacras no Estado. Duarte acredita que as instituições precisam se unir para criar o inventário. "Se pudesse fazer um trabalho conjunto com Município, Estado e Iphan, seria a melhor forma de resolver essa lacuna, porque algumas dessas peças têm valor federal, estadual e outras municipal", pontua.

Ele também ressalta a importância de olhar para o interior do Ceará. "Temos que pensar nas outras cidades do interior que são mais antigas do que Fortaleza, como é o caso de Icó e Tauá", destaca.

O professor, que já atuou em reformas de igrejas no interior no Estado, também cita outro desafio: o furto de peças valiosas. "Eu lembro que no distrito de Flores, em Tauá, há uma imagem lindíssima de Nossa Senhora do Rosário feita em madeira policromada. Agora, sempre faltando o rosário de ouro, que é a primeira coisa a desaparecer, porque se leva", afirma. "Quando você tem o inventário, o cadastro, você pode pensar em formas seguras de vigilância, de controle, para que essas peças não desapareçam", afirma.

Alunos da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho participaram do restauro de murais artísticos da cripta da Igreja Nossa Senhora dos Remédios em 2022
Alunos da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho participaram do restauro de murais artísticos da cripta da Igreja Nossa Senhora dos Remédios em 2022

Produção artística e restauração

Foi ainda na adolescência que a cearense Maria Fonseca iniciou o contato com arte sacra. Hoje, aos 37 anos, a artista sacra tem seus trabalhos adornando igrejas de Fortaleza e do Brasil, com a presença de traços modernos e inspiração na iconografia bizantina. Os pincéis de Maria já passaram pela Igreja de Cristo Rei, no bairro Aldeota, São Roque, no bairro Novo Mondubim, e São Francisco de Assis, no bairro Jacarecanga.

Ela acredita que a arte sacra é capaz de ensinar, assim como as palavras. "A arte sacra evangeliza, ensina, tem uma fonte catequética. Se uma pessoa de qualquer lugar do mundo tiver uma linguagem diferente da nossa não vai entender o que está sendo rezado na missa se ele não entende o português. Então, ele na Igreja, com a arte sacra, vai ter uma representação daquela fé, aquilo vai tocar o coração daquela pessoa", explica.

A artista também afirma que a arte sacra em Fortaleza ainda é limitada. "Em Fortaleza, eu acho ainda muito pobre a questão da arte sacra em si. A gente vê muitas imagens e estátuas, mas vê poucas pinturas. As pinturas que têm são distantes de nós", pondera.

Outro trabalho crucial relacionado à arte sacra é a restauração, já que há peças com centenas de anos e que sofrem desgaste ao longo do tempo. Há 30 anos, Francisco Alves Ferreira trabalha com restauro de quadros, porcelanas e outros artefatos, tanto para igrejas quanto para colecionadores. Em Fortaleza, ele já atuou no Seminário da Prainha e na Catedral, sendo o responsável pela restauração da estátua de São José, o padroeiro do Ceará.

"As pessoas não têm noção do que é conservação. Para se fazer restauração é preciso primeiro saber o que é conservação. Tem que conservar para não restaurar. Muitas vezes as obras não ficam em local adequado e elas sofrem com as intempéries", afirma. Ele também conta que muitas pessoas que contratam seu serviço não estão dispostas a gastar o necessário para realmente restaurar peças antigas e acabam pedindo apenas ajustes que imitem a formação original.

A Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, administrada pelo Instituto Dragão do Mar, possui cursos de conservação e restauração, formando profissionais habilitados para a área.

Museu Sacro São José de Ribamar (MSSJR)
Museu Sacro São José de Ribamar (MSSJR)

Dos rituais à contemplação

As capelas da Igreja Católica são os principais espaços para encontrar obras sacras no Ceará. A Catedral Metropolitana de Fortaleza, por exemplo, é um dos prédios mais imponentes na capital. Construída em estilo gótico romano, a paróquia demorou 40 anos para ser finalizada, tendo sido inaugurada em 1978.

Mas além da beleza arquitetônica, há também peças importantes no interior do prédio. Uma estátua de São José, padroeiro do Ceará, foi produzida no final do século XIX, na França, de acordo com o restaurador Francisco Alves Ferreira, que foi o responsável por restaurar a peça em 2018.

A Igreja Nossa Senhora do Rosário, localizada na Praça General Tibúrcio, mais conhecida como Praça dos Leões, é a mais antiga igreja de Fortaleza, de acordo com a Arquidiocese de Fortaleza. Lá há um Cristo crucificado atrás do altar, de estilo barroco produzido no século XVIII.

Além das capelas, há museus espalhados pelo Estado que reúnem outras relíquias. Na região Metropolitana de Fortaleza, no município de Aquiraz, há o Museu Sacro São José de Ribamar (MSSJR). Inaugurado em 27 de setembro de 1967, foi o primeiro museu sacro instalado no território cearense, no prédio da antiga Casa de Câmara e Cadeia. Desde então, o equipamento cultural abriga objetos religiosos advindos dos vários municípios e paróquias cearenses. Hoje, o acervo é composto por 1400 peças, como imagens de santos e de anjos, objetos das procissões religiosas, parâmetros litúrgicos e missais.

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"O acervo é estruturado em matriz católica, então ele fala muito do catolicismo dentro do município de Aquiraz e como o título da exposição diz, `A História do Ceará Através da Arte Sacra´, declara Aureniza Silva, responsável pelo acervo do equipamento. O espaço está fechado desde 2020, inicialmente, por conta da pandemia de covid-19 e agora devido a questões estruturais, de acordo com Aureniza. Não há previsão para a finalização das reformas. "Temos fé que seja esse ano, mas não tem data prevista", afirma a funcionária.

Em Sobral, há o Museu Dom José, que pertence à Diocese de Sobral. Com mais de trinta mil peças em seu acervo, é considerado o quinto museu de arte sacra mais importante do Brasil. O equipamento foi fundado pelo Bispo Diocesano Dom José Tupinambá da Frota, em 29 de março de 1951 e, desde então, está instalado num palacete de estilo luso-brasileiro construído em 1844 pelo major João Pedro Bandeira de Melo. Atualmente, o museu se encontra fechado para reformas. A reportagem tentou entrar em contato com espaço através de e-mail, redes sociais e telefone, mas não obteve resposta sobre a previsão de reabertura.

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