Empreendedora com projetos realizados em Fortaleza, como o edifício Wave Beira-Mar, Fernanda Marques está entre as arquitetas mais premiadas do Brasil. Recentemente, recebeu o prêmio Best of Year Awards, em Nova York, pelo projeto Brazilian Financial Center na Avenida Paulista, em São Paulo, e entrou para o AD100, eleita como uma das 100 maiores profissionais da América Latina pela revista Architectural Digest.
Aos 56 anos, Fernanda tem um portfólio que inclui desde residências até grandes empreendimentos imobiliários e showrooms para grifes como John John, Rosa Chá e Le Lis Blanc. A CEO e fundadora do Fernanda Marques Arquitetos Associados, também já trabalhou com personalidades reconhecidas, como Tiago Leifert, Daniella Cicarelli e Maílson da Nóbrega.
Finalista no "iF Design Award", considerado por muitos como o Oscar do design mundial, a empreendedora revela em entrevista ao Vida&Arte os primeiros passos para se tornar conhecida, ressaltando ainda as dificuldades de se destacar em um ramo de maioria masculina.
O POVO: Qual momento de sua vida soube que deveria cursar Arquitetura e quais foram as principais inspirações durante os anos de aprendizagem?
Fernanda Marques: Desde criança, já me percebia com envolvimento em arquitetura, com uma percepção espacial mais aguçada. Minhas mais importantes inspirações foram meus professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP da Universidade de São Paulo (FAU-USP) como nosso prêmio Pritzker Paulo Mendes da Rocha, professor Giancarlo Gasperini, além da grande oportunidade de poder vivenciar o projeto de Vila Nova Artigas. Meus anos de trabalho seguem a mesma linha conceitual que caracterizaram os anos de formação: um exercício integrado de várias disciplinas. Prioritariamente, tenho registrado presença nas áreas de arquitetura residencial e corporativa e, não menos importantes, no design de interiores e mais atualmente no design de produtos. Tenho projetos de minha autoria em praticamente todas as capitais brasileiras, além de Nova Iorque, Miami, Londres e Lisboa, tendo recebido prêmios internacionais como o Red Dot Design Awards pela coleção de cubas Infinity da Roca.
OP: Qual foi seu primeiro grande passo ao finalizar a graduação? Como soube qual caminho deveria seguir?
Fernanda: O caminho de uma arquiteta evolui e se transforma ao longo dos anos, e isso é muito positivo. A arquitetura não afeta a sociedade apenas na visão macro, mas também em um nível mais pessoal, pois ela pode ter um impacto profundo em seus ocupantes. Tudo, desde o layout do espaço até os acabamentos dos materiais, pode contribuir para a saúde, o humor e a produtividade dos ocupantes. Arquitetura é muito mais que uma construção básica, é uma questão de existência filosófica, de fenomenologia como diria Peter Eisenman. Esse é o maior desafio. Ultrapassar os limites físicos da construção e elevar o nosso projeto ao mundo sensorial, adicionando assim um gradiente estético a mais na vida das pessoas. A boa arquitetura é uma obra de arte.
OP: Sendo um ramo de maioria masculina, quais principais desafios vivenciou em sua trajetória e o que acredita ter sido essencial para chegar aonde chegou?
Fernanda: Na arquitetura, vemos que 65% dos estudantes são mulheres, no entanto apenas 10% delas chegam a um nível de diretoria ou comandam seus próprios estúdios. Há muito para se melhorar. As mulheres fazem contribuições significativas para a indústria da construção civil e a nossa presença é essencial para o crescimento tecnológico em nosso país. As mulheres na arquitetura enfrentam desafios em relação à discriminação de gênero, desigualdade salarial e falta de representatividade em cargos de liderança. Muitas vezes, são subestimadas em suas habilidades e são consideradas menos adequadas para liderança e projetos complexos. O mercado precisa valorizar essas mulheres talentosas e inovadoras. Acredito que a perseverança, a autoconfiança e a capacidade de se reinventar foram essenciais para chegar aonde estou hoje. São habilidades importantes para as mulheres na arquitetura alcançarem sucesso e reconhecimento em suas carreiras.
OP: O que mais lhe inspira para pensar em um projeto, e o que não pode faltar durante o processo criativo?
Fernanda: A arte em todas as suas possíveis formas e manifestações. Do livro "Criação", de Gore Vidal, às poesias líricas de Pablo Neruda, minha fonte de inspiração vem de todos os grandes pensadores que presentearam o mundo com sua arte. Minha inspiração pode vir dos ditos de Aristóteles de dois mil anos atrás ou dos filmes lindamente retratados do Pedro Almodóvar. Também pode vir da minha última viagem explorando a remota ilha de Naoshima no Japão onde tive a oportunidade de vivenciar a emoção que é a arquitetura do Tadao Ando. Minha leitura é muito diversificada. Vai desde romances de Alain Robbe-Grillet, Mario Vargas Llosa e Murakami, até um material mais científico como "Guns, Germs and Steel" de Jared Diamond, "Homo Sapiens" de Yuval Harari ou "Seven Lessons on Physics" de Carlo Rovelli. Acredito que o amplo campo que é a arquitetura exige que estudemos outras culturas para ajudar a construir nossa própria base como profissionais. Portanto, esse interesse plural de leitura, cultura e arte são cruciais para expandir meus limites criativos.
OP: Recentemente, você venceu o Best of Year Awards, com um projeto inspirado em um dos maiores símbolos de São Paulo, a Av. Paulista. Quão importante é para você trazer as suas origens em seus trabalhos, e por quê?
Fernanda: Bastante honrada com o privilégio de projetar no icônico eixo paulistano, que foi inspirado pela arte e pela paisagem da própria avenida, com seus edifícios alinhados, e pelo movimento das pessoas, carros e luzes. Busquei elementos que trariam a alternância entre ritmos, luz, cheios e vazios. O projeto Brazilian Financial Center impacta em seu acesso pela beleza da atmosfera que as composições de materiais e luz propiciam ao espaço. Concilia negócios e empresas diferentes em um mesmo espaço. É um átrio de passagem e, ao mesmo tempo, de encontro e contemplação, a exemplo das galerias históricas e de espaços cobertos encontrados nas grandes capitais internacionais.
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