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Escola em Fortaleza promove formação em cultura afro-brasileira
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Escola em Fortaleza promove formação em cultura afro-brasileira

Com foco em expressões culturais afro-brasileiras, Escola de Arte e Cultura Negra Ngunzo Angola promove aulas de arte e letramento racial na Capital
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Aula de capoeira na ONG Escuta, no Bairro Henrique Jorge (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Aula de capoeira na ONG Escuta, no Bairro Henrique Jorge

Quanto significado cabe em uma palavra? De origem Bantu, 'Ngunzo' pode significar axé, força vital e poder de realização. A semântica está relacionada com a história de resistência dos povos bantus, formados por mais de 400 grupos étnicos e uma das principais frentes de resistência ao processo de colonização no continente africano, em especial na África subsaariana. Unindo força ancestral ao ideal de realizar grandes ações, a Escola de Arte e Cultura Negra Ngunzo Angola atua no Espaço Escuta, no bairro do Pici, em Fortaleza.

Entre atividades esporádicas e contínuas, a instituição conta com programação sociocultural e lúdica voltada para todas as faixas etárias, como a Capoeira Angola, música percussiva, danças de matriz africana e afro-brasileira, letramento racial, encontros formativos para educadores e arte educadores. Em parceria com o Espaço Cultural Tito de Alencar, o Escuta, e o Núcleo de Apoio Comunitário do Jardim União, mantém um alcance superior a 50 crianças.

John Wilson Martins, conhecido como Sam Angola, é o proponente e educador da iniciativa cultural. Para ele, a opção por adotar "Angola" no nome da escola é uma forma de fazer referência ao país que inspirou parte das atividades.

"As manifestações culturais desenvolvidas pelo projeto Ngunzo Angola, Escola de Arte e Cultura Negra são principalmente das culturas de matriz Bantu e que, por meio da diáspora africana, herdamos de nossos ancestrais, a exemplo da Capoeira Angola, do samba de roda, do Jongo e do Maculelê", cita o educador.

Por essa origem, na Ngunzo Angola, a máxima é a valorização das matrizes culturais e da chamada cultura afro-brasileira, na perspectiva de letramento racial e na valorização das expressões culturais negras.

"Ngunzo, sempre na perspectiva de que somos capazes - enquanto coletivos, quilombos periféricos, ou indivíduos que se aquilombam e trazem consigo o sentimento de resistência -, de construir uma educação de qualidade, humana e verdadeira para as nossas crianças, onde a história de seus ancestrais não se limita ao estudo da escravidão, mas às conquistas e realizações, contribuições de diversos povos africanos, não só para o nosso País, mas para a humanidade", destaca o educador. Ele vê a arte como um meio de valorizar os saberes ancestrais.

"Para culturas de matriz africana, um povo forte e de cultura duradoura se cultiva por meio da ancestralidade. 'Sankofa' é um símbolo Adinkra na filosofia africana do povo Akan, e que simboliza a ação de retomar ao passado para entender o presente, e melhorar nosso futuro. Aprender, cultivar e colher! A arte e cultura, resguarda por meio da oralidade, o saber ancestral, o saber fazer, ou 'Ngunzo', poder de realizar as coisas", diz Sam.

Aula de capoeira na ONG Escuta, no Bairro Henrique Jorge(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Aula de capoeira na ONG Escuta, no Bairro Henrique Jorge

Letramento racial

A lei 10.639, sancionada em janeiro de 2003, prevê em todas as escolas a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" no currículo escolar. Complementar à legislação, o Estatuto da Igualdade Racial dedica parte de seu texto ao direito à educação.

Em funcionamento desde 2016, a Escola de Arte e Cultura Negra Ngunzo Angola já atuou de forma itinerante em escolas, ONGs, associações e outros coletivos. Sam Angola destaca o papel da Escola de Arte e Cultura para uma sociedade antirracista.

"Valorizar a identidade cultural, seus fenótipos negros, falar sobre auto cuidado, abrindo caminho para diálogo sobre as questões étnico-raciais, e aproximar as famílias das culturas herdadas do continente africano, é o primeiro passo se queremos construir uma sociedade antirracista que valoriza a cultura de seu povo", diz. Apesar do impacto social das ações, a manutenção ainda é um desafio.

"Atualmente o projeto Escola de Arte e Cultura Ngunzo Angola conta com vários parceiros para a realização de atividades lúdicas e culturais, rodas de conversas e encontros formativos, mas ainda não contamos com parcerias que garantam a continuidade dessas ações enquanto ciclo de formação continuada", expõe Sam. Com apoio das comunidades, famílias, educadores e amigos, o funcionamento da escola é entendido por ele como um ato de resistência. "Com axé a gente tem feito a escola acontecer", define.

A Ngunzo Angola recebe doações de instrumentos de percussão, novos ou usados e valores destinados à aquisição de instrumentos de percussão e uniformes para as aulas.

Espaço Escuta

O Espaço Cultural Frei Tito de Alencar (Escuta) é onde a Escola de Arte e Cultura Negra Ngunzo Angola também desenvolve ações culturais. Iniciado em 1980, tem a origem marcada pelo trabalho de organização social das Comunidades Eclesiais de Base (CEB) nas periferias do Brasil.

Com influências da Teologia da Libertação e de práticas pedagógicas inspiradas no pensamento do educador Paulo Freire, os CEBs, como são chamados, estruturam núcleos de organização comunitária para "partilhar fé e vida, refletir de maneira crítica sobre os processos sociais de injustiça e desigualdades vigentes".

Nas últimas décadas, o Espaço Escuta cresceu e hoje conta com oficinas socioculturais de percussão, capoeira angola, Danças Populares (Formação para o Pastoril) e Danças Circulares. Além de uma biblioteca Comunitária, com oficinas, grupo de estudo e produção de podcast e acervo aberto ao público. Entre os destaques, estão o Grupo de Reisado do Escuta, a Semana Cultural, que acontece em Agosto e os Festejos Natalinos.

"Todas as ações são gratuitas e são organizadas por pessoas voluntárias. A manutenção decorre de eventos e campanhas de arrecadação de recursos promovidos ao longo do ano. Buscamos ainda a elaboração de projetos para concorrer em editais culturais", explica João Paulo Roque, membro da Coordenação Colegiada.

Indispensável

Poucas vezes a palavra "resistência" é tão bem aplicada como na fala do educador social Sam Angola. Conheci a Escola de Arte e Cultura Negra Ngunzo Angola por receber, em uma rede social, a divulgação de uma campanha de doação de instrumentos, como muitas que circulam nas mídias, mas com um propósito nobre: promover a arte e ao mesmo tempo uma educação antirracista.

Em meio às mudanças e o chamado "Novo Ensino Médio", acusado de ter um viés tecnicista por professores e especialistas, a Ngunzo Angola é um caso exitoso de novos horizontes educacionais. Entre seus ganhos principais está fazer uso da arte lado a lado com a educação, como deve ser, abordando temas fundamentais como o combate ao racismo.

Em uma sociedade majoritariamente preta e parda, como aponta o IBGE, o Brasil acumula não somente uma dívida histórica, mas uma incerteza de futuro para grande parte do seu povo, que é negro e pobre. E como caminhar rumo à reparação histórica? As cotas raciais e sociais, ter um Ministério da Igualdade Racial e a equiparação da injúria racial ao racismo são alguns avanços.

A lei nº 11.645, que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas, também. Mas só um esforço comum, que passa pela educação formal e informal, nos fará virar essa página da história. Pois, como ensinou bell hooks, a educação é uma prática de liberdade e a sala de aula um ambiente de possibilidades, onde o antirracismo é indispensável.

Escola de Arte e Cultura Negra Ngunzo Angola

Onde: Espaço Cultural Frei Tito de Alencar Escuta (R. Noel Rosa, 150 - Conjunto Pici)
Como ajudar: Recebe doações de instrumentos usados e de qualquer quantia para o PIX samangola2018@gmail.com
Mais informações: (85) 98656.1541
As aulas são gratuitas e as inscrições podem ser feitas presencialmente no Espaço Cultural Tito de Alencar

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