Há 14 anos, o cantor, produtor e multi-instrumentista carioca Rodrigo Suricato deu início ao projeto Suricato. A banda conseguiu grande alcance nacional após ser finalista da primeira temporada do reality SuperStar, da TV Globo, em 2014. Marcado pela versatilidade musical, o grupo, que já venceu o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro, passeou pelo pop, folk rock e indie folk.
A trajetória de Rodrigo não parou por aí: o músico, que começou sua carreira cantando em bares, se tornou vocalista do Barão Vermelho em 2017. No último dia 14, porém, seus fãs foram pegos de surpresa com o comunicado do cantor a respeito do encerramento da Suricato - e com o desabafo a respeito da sua relação atual com a música.
"Não há assentos disponíveis para a música que faço. E tudo bem. Esperei um tempo para me certificar que esse adeus não tivesse um amargo ressentimento como foi com tantos colegas. Na verdade, me sinto mais leve e motivado a novas possibilidades", disse em texto publicado em seu perfil no Instagram.
Suricato ainda apontou como artistas "acordam e vão dormir" todos os dias pensando em possibilidades para se tornarem viáveis "em uma cultura tão saturada e bizarra".
O discurso de Rodrigo Suricato não é solitário. Cada vez mais artistas revelam insatisfações diante dos moldes tomados pela indústria da música nos últimos anos com os tipos de produções que têm feito sucesso e como o universo dos algoritmos tem afetado a criação musical. Mas, afinal, como os streamings e os algoritmos têm impactado os artistas? Existe um crescente descontentamento com a música?
Debater o assunto é uma questão cada vez mais necessária, como analisam o compositor Felipe Dicetti e as cantoras Cacala Carvalho e Marianna Leporace, sócios do selo musical Zênitha Música. Ele surgiu diante das "contradições que os artistas independentes vêm sofrendo nos últimos anos" e busca organizar uma estrutura de distribuição e comercialização dos produtos em uma visão de oficinato, e não indústria.
Os profissionais alegam que as condições atuais no País para se trabalhar com música "são insustentáveis" e esse cenário provocará mudanças no futuro - seja ele breve ou distante. "Percebemos que o que haverá pela frente será a luta entre artistas independentes e o lobby das big techs. Então será preciso participar do debate político", indicam.
Há também a visão de que o streaming é uma "tecnologia muito eficaz e adequada para a atualidade" e conseguiu solucionar o acesso legal à música gravada depois de anos de pirataria. A cultura de "não é preciso pagar para ouvir música" impactou a economia da indústria fonográfica "de maneira catastrófica", o que a levou a investir na ocupação das redes digitais. Evidentemente, houve consequências - e os algoritmos estão nelas.
"Os algoritmos implementaram uma lógica que não tem nenhuma transparência. O autor e artista sequer é participado dos termos instituídos; poucos sabem como ocorre a circulação dos produtos culturais. O que podemos perceber é que a reprodução das lógicas do mainstream no streaming também afeta não apenas a visibilidade ou ocultação das obras mas também os modos de escuta e que impactam as formas e gêneros musicais: as introduções são cada vez mais curtas e o refrão aparece cada vez mais cedo, por temor de perder o interesse do ouvinte", pontuam os sócios.
Os artistas também ficam pressionados a lançar obras em intervalos regulares e instituídos, muitas vezes sem observar relação com a qualidade do consumo, além de serem "obrigados" a seguir etiquetas para alcançarem o sucesso - medido, na maior parte das vezes, por métricas de visualização ou de reproduções em serviços como o Spotify.
Diante disso, o cantor, compositor e instrumentista Edu Krieger defende "cuidado" ao estabelecer expectativas numéricas para as próprias criações. "Se eu quiser trabalhar no mercado da música sertaneja, 2 milhões de visualizações de um vídeo é pouco. Mas se eu faço uma MPB mais tradicional, é um bom número. Então é importante a gente entender para quem estamos criando, qual o retorno que devemos almejar, para que não haja frustrações desnecessárias", reflete.
Um contraponto a uma visão totalmente "pessimista" acerca das influências dos algoritmos e dos streamings é elucidado pelo cantor, compositor e multi-instrumentista Milton Guedes, autor de "Sonho de Uma Noite de Verão". Ele entende que nunca houve tantas possibilidades de divulgação de trabalho como atualmente.
A sua estratégia é se adaptar e usar os recursos "da melhor maneira possível" dentro do seu alcance. Ele se lembra do período no qual as gravadoras eram responsáveis pela rede de contatos e pelo marketing dos artistas e isso tornava os artistas "reféns" de alguma forma, mas possibilitava "se preocupar apenas com a criação".
Hoje, entende que é necessário se adaptar à nova realidade. Como equilibrar, então, a criação autoral com distribuição e divulgação sem ter a música afetada? "Sempre priorizo a criação, mas busco conciliar as duas coisas. Quando crio, já imagino o que poderei fazer com as ferramentas que temos hoje pra divulgação de conteúdo. Passou a fazer parte da minha rotina, mesmo não sendo algo natural pra mim", elenca.
No confronto de diferentes tempos da indústria musical, algumas lógicas são adaptadas aos novos modelos de negócio na internet, como a dos "jabá das rádios". Atualmente, existe uma tentativa de emplacar músicas em playlists para que elas se disseminem mais facilmente, e nesse jogo "o capital de relacionamento do artista conta". Assim, aqueles que não têm tantos contatos ficam em desvantagem.
Outra característica é apontada por Rodrigo Suricato, em entrevista ao O POVO. Ele afirma admirar o fato de que a música brasileira nunca esteve tão diversa quanto atualmente no mercado, mas analisa que existem problemas em relação às chances dos artistas. "No Brasil, as oportunidades costumavam aparecer para artistas acima da média. Já em 2023, as habilidades artísticas e o comprometimento com o processo artístico são facultativos. Quanto menos você souber, melhor as suas chances", destacou.
Quais seriam, então, os cenários ideais para se trabalhar com música no Brasil? Para Suricato, é preciso um ecossistema de produção artística que não dependa do "mercado" para "existir ou distribuir seus selos de qualidade baseados em likes e visualizações". Nesse sentido, é necessário o estímulo à criação de "bens culturais de valor", passando por "iniciativas de fomento inteligentes".
"O imediatismo impossibilita a criação de catálogo, pois esse depende de longevidade e excelência. A solução é o debate. E hoje ele sequer existe", diz.
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