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Projeto Daqui pra Lá usa arte para promover o direito à cidade
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Projeto Daqui pra Lá usa arte para promover o direito à cidade

Com atuação no Mucuripe e Vicente Pinzón, projeto "Daqui pra lá: arte de nós como cidade" promove direito à cidade através da arte
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Equipe do Instituto Três Mares, na Praça da Cultura, no Vicente Pinzon (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Equipe do Instituto Três Mares, na Praça da Cultura, no Vicente Pinzon

Quem tem direito à cidade? E o que representa, na prática, ter este direito? Instigar o debate sobre questões fundamentais para a vida coletiva através da arte é o que norteia o projeto "Daqui pra lá: arte de nós como cidade". Idealizado em 2022, a iniciativa é do Instituto Três Mares e tem como foco os bairros Vicente Pinzón e Serviluz, localizados no Grande Mucuripe.

Aprovado pelo II Edital Escolas Livres da Cultura em 2022, promovido pela Secult-CE, a formação acontece pela primeira vez e tem previsão de encerramento em 5 de agosto. O foco são jovens moradores da região, de 12 a 21 anos, tem como temática "direito à cidade" e a formação teórica se cruza com diferentes linguagens artísticas como linguagem poética, desenho, grafite, fotografia e audiovisual. Ao todo, são 69 jovens, divididos em 4 turmas. No Serviluz, as aulas acontecem na Escola Estadual Helenita Mota e na Pracinha da Cultura Vicente Pinzón.

Antes de iniciar o "Daqui pra lá", o Instituto Três Marias já mantinha relações com as comunidades, em especial o Serviluz. Foi durante uma reunião de planejamento, em março de 2022, que surgiu a ideia de expandir a atuação.

"A gente precisa subir, a gente precisa ir lá para cima", relembra uma das diretoras, a psicóloga Luiza Barbosa. O momento manteve relação com o início do movimento de ocupação cultural por meio do equipamento da Pracinha da Cultura, parte dos equipamentos da Rede Juv, da Prefeitura de Fortaleza, abriu as portas para receber o projeto.

"O Daqui Pra Lá trabalha exatamente o que o público desse equipamento precisa, que é saber sobre o direito à cidade, ainda mais a partir das linguagens artísticas, tendo em vista que aqui é um centro cultural. Também trabalha a democratização e o acesso aos direitos dos jovens, então quando esse tipo de projeto vem aqui, ficamos ainda mais dispostos a somar com o trabalho", ressalta o artista e coordenador do equipamento, Nego Cássio.

Como morador da comunidade, ele reconhece o impacto de iniciativas de arte. "Quando eu era criança, tive oportunidade de conhecer um espaço como este, que não era público. Lá eu tive como desenvolver minhas habilidades artísticas e culturais, fazer o que eu gostava de fazer", conta Cássio.

FORTALEZA, CEARÁ, 23-03-2023 : Equipe do Instituto Três Mares, na Praça da Cultura, no Vicente Pinzon.(Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, 23-03-2023 : Equipe do Instituto Três Mares, na Praça da Cultura, no Vicente Pinzon.(Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

"Nisso pude enxergar uma nova perspectiva em relação ao futuro, então a missão deste espaço é justamente essa, porque esse contexto de violência às vezes impede a gente de transitar. Vamos fazer a juventude acessar toda a cidade", entusiasma.

Explosão cultural

O processo de matrícula no projeto se baseou em inscrição, entrega de documentos e uma breve entrevista. A pergunta inicial provocava à reflexão: "O que vocês entendem por direito à cidade?". A partir desse questionamento, surgem as respostas mais diversas: o direito ao lazer, à moradia, à cultura, ao transporte, à saúde, entre outros. Neste diálogo, parte dos jovens relataram não ter os acessos.

Para a estudante Elizabeth Santos Moreira, de 17 anos e moradora das redondezas, a formação é uma oportunidade de conhecer uma paixão antiga. "Estava procurando um curso de fotografia, mas todos que eu achava eram pagos. E era caro, não acessível. Então eu vi que estava oferecendo aqui e que tinha fotografia também", conta, celebrando a oportunidade.

Tornar acessível foi um dos princípios que nortearam o planejamento do "Daqui pra lá", como conta a diretora Iara Andrade. "Com o edital, pensamos em focar nos jovens, porque é um público muitas vezes vulnerabilizado. O Ceará tem índices muito altos de morte de adolescentes e jovens e sabemos que projetos, atividades culturais, são muito importantes para trazer uma perspectiva nova para vivências que já existem", justifica a gestora.

Iara Andrade destaca que o diálogo entre os bairros que formam o chamado Grande Mucuripe está diretamente ligado aos processos de ameaça das comunidades urbanas. "Viemos para essa região do Castelo Encantado e Santa Terezinha porque muitos moradores se mudaram para cá devido a construção de um residencial. Nós quisemos continuar trabalhando com essas pessoas que moravam no Serviluz, então fizemos essa ponte, até porque são territórios muito próximos", conta Iara. O território, por sua vez, faz jus à escolha.

"O que muitas vezes não é divulgado é essa explosão cultural do território. No Serviluz temos grafiteiros, quem trabalha com audiovisual, fotografia, diferentes áreas", se orgulha, ressaltando as pontes que são criadas entre artistas de diferentes linguagens artísticas.

A equipe do projeto é formada por Iara Andrade, Cecília Gomes, Jade Arrais e Luiza Barbosa. Conta com colaboração dos articuladores comunitários Deziane Souza e Silva e Marcio Gabriel Santos Rodrigues e monitorias de Ana Beatriz Silva, Andressa Pontes, Nicole Pompeu de Saboya, Luana Kelly Cruz e Thaisa Mariah Coelho Santana Maia. Envolve, em cada módulo, artistas facilitadores dos módulos.

Arte como expressão

Durante um estágio na faculdade de Psicologia, Luiza Barbosa ingressou no Instituto Três Mares. Como não era moradora da região, foi durante as diversas reuniões no bairro Serviluz que se aproximou da pauta de direito à cidade.

"É um bairro que tem isso latente, por estar em constante batalha pelo direito à moradia, com ameaça de remoção. Veio à tona para mim nessas atividades que a gente participava, porque eles têm que estar lutando para estar dentro de casa", denuncia.

O contato com diferentes juventudes, grupos e movimentos sociais apontou a arte como uma forma de expressar não só a subjetividade, como também as lutas coletivas.

"Eles tendo esse histórico de remoção de luta pela moradia, ainda mais por estar em um morro, que é um local de ocupação urbana, fazia sentido trabalhar a arte nessa temática de direitos sociais. A arte é algo que chama, que conseguimos mostrar o debate de forma atrativa", diz ela, que é coordenadora do projeto na região do Castelo Encantado e Santa Terezinha.

No planejamento do "Daqui pra lá: arte de nós como cidade", o grafite e o pixo não poderiam ficar de fora, segundo Luiza, por serem expoentes da arte urbana.

"Eu entendo o grafite como uma prática de direito à cidade, tanto o grafite como o pixo. É a cidade falando por meio dos muros e a gente já tinha contato de grafiteiros no Serviluz e daqui. As próprias regras do grafite entre si e o respeito que tem pelo grafite do outro, isso tudo são regras não escritas mas entendidas dentro de uma cultura e da Cidade. E também como essa cultura é percebida por quem está fora dela, como é percebida pelos outros. É a cidade falando", finaliza.

"Daqui pra lá: arte de nós como cidade"

Onde: EEFM Helenita Mota (rua Amâncio Filomeno, n° 720 – Serviluz) e Pracinha da Cultura Vicente Pinzón (rua Veneza, n° 100 - Conjunto São Pedro)
Instagram: @institutotresmares

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