Em 1884, começou a funcionar a primeira Escola Normal do Ceará. A instituição, criada para formar professores que atuariam no magistério de ensino primário, enfrentou mudanças de endereço ao longo de sua história. Inicialmente, era localizado na ”confluência das ruas Liberato Barroso e 24 de Maio”, onde hoje funciona o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Entre 1918 e 1923, foi instalada no pavimento térreo da Fênix Caixeiral. Em dezembro de 1923, foi transferida para a praça Filgueira de Melo, no Centro - onde foi construído um prédio especificamente para abrigá-la. Com o passar do tempo, a denominação da escola, migrando de Escola Normal Pedro II para Escola Normal Justiniano de Serpa, na sequência para Instituto de Educação e, por fim, Instituto de Educação do Ceará.
Assim como a instituição tem história importante no Estado e na Capital, o prédio no qual ficou instalada até 1958 - ano em que se mudou para o Bairro de Fátima - também é marcado por ser, até hoje, lugar de destaque para a educação cearense. Atualmente “casa” do Colégio Estadual Justiniano de Serpa, o edifício chega a cem anos em dezembro de 2023 - e com a missão de preservar o passado e integrá-lo ao presente.
O prédio tem valores arquitetônicos e históricos especiais. Reunindo elementos do estilo neocolonial, passa por características como planta dividida em três vãos, com escada no vão central, construção inicialmente feita em tijolo e cal e fachada principal com marcações horizontais.
Como forma de reconhecer a importância do edifício - e do seu entorno -, o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza (Comphic) aprovou em 2015 o tombamento do conjunto de valor patrimonial histórico e arquitetônico. Dele, fazem parte o Colégio Imaculada Conceição, a Igreja do Pequeno Grande, a Escola Jesus, Maria e José e, claro, o Colégio Justiniano de Serpa.
Os tombamentos ocorrem para reconhecer a relevância de um bem cultural “e garantir sua proteção, impedindo a sua destruição, demolição ou descaracterização”, como afirma Diego Zaranza, Coordenador do Patrimônio Histórico-Cultural de Fortaleza. De acordo com ele, essa ação é muito importante para preservar a identidade e a memória de um município ou de uma comunidade.
Dessa forma, de acordo com a Lei municipal 9.347 de 2008,o bem tombado não pode ser “demolido, destruído ou mutilado”. Nesse caso, a medida também é relevante pelo fato de que o colégio “representa um importante patrimônio educacional e arquitetônico para as futuras gerações”.
“A própria história do Colégio Justiniano de Serpa, que teve início com o lançamento de sua pedra fundamental em 1881 ainda como Escola Normal, mescla-se com a expansão urbana da cidade de Fortaleza. Além de contar um pouco da história de nossa cidade, a edificação fez parte da educação de cidadãos ilustres que contribuíram para o desenvolvimento da Capital, destaca Diego Zaranza.
Para celebrar o tempo “vivido” pelo prédio e lembrar de sua importância para as novas gerações de estudantes do colégio, foram feitas em março ações especiais. Elas integraram o projeto comemorativo do centenário do edifício, iniciativa idealizada pela professora de história Natália Ferreira, e também ressaltaram o legado de 139 anos da instituição - contando com os anos enquanto Escola Normal.
Docente do colégio desde 2014, a profissional elaborou um plano para que os alunos pudessem aprender sobre a construção da escola e também “participassem desse momento”. “Os alunos já tinham sido apresentados a toda estrutura da escola no começo do ano. Eu queria integrar a visão dos 100 anos com a visão de hoje da escola. A gente montou uma pequena exposição com fotografias tiradas por eles. São imagens do colégio a partir do olhar de quem está aqui atualmente”, compartilha.
Outras formas de transmitir o histórico da instituição passam pelo memorial localizado no edifício, que reúne coleções de dicionários de educação, móveis antigos e fardamento anteriormente utilizado pelas alunas. Assim, ela destaca a importância de celebrar o centenário.
“É uma maneira de pensarmos o papel da educação no Ceará e o papel que uma escola com nome de prestígio tem na questão do próprio patrimônio e da preservação dos espaços na Cidade. É um espaço também de reflexão, porque quando você pensa em uma escola tão antiga você tende a ver como era a educação antes e reflete sobre o que muda e o que permanece”, declara.
Houve também apresentações artísticas e homenagens a funcionários que estão há bastante tempo no Justiniano de Serpa. Um desses profissionais é Marcelino Fialho, que trabalha há 40 anos na instituição. O coordenador escolar já atuou como professor de inglês e considera o local “não uma escola, mas uma faculdade” devido às instalações - é possível encontrar piscina olímpica, laboratórios de química, sala de informática e auditório.
Ele lembra nomes importantes que já passaram pelo colégio, como a escritora e jornalista Adísia Sá, que foi diretora, e destaca a relação com os professores. “Professor quando entra aqui é difícil sair. Eu chamo de família ‘Justiniano de Serpa’. Aqui comemoramos todos os momentos que você possa imaginar”, afirma.
Professor de sociologia do Justiniano de Serpa há cinco anos, Júlio Rangel aponta desafios como se aproximar de recursos vistos em unidades particulares, mas ressalta a importância da instituição. “A celebração do centenário representa uma escola estadual que serve de referência para as outras”, pontua.
Coordenador escolar e integrante do núcleo gestor da escola, o professor Willame Sena já foi aluno do colégio na década de 1990 e destaca a importância dele na sua formação. Comparando com os diferentes períodos vividos na unidade de ensino, Sena aponta desafios: “ A escola precisa se tornar dinâmica, ela não é a mesma porque a sociedade não é mais a mesma. O que acontece no chão da escola é um reflexo do que acontece extramuros. Então, a escola precisa sempre se redesenhar e se reinventar para as novas demandas que a sociedade impõe”.
Quanto aos desafios em manter uma escola ativa por mais de cem anos, ele defende a qualidade do ensino da Justiniano de Serpa e destaca a necessidade de uma ação conjunta: “Claro que existem muitas adversidades, como Eh elementos intramuros e extramuros escolares que são empecilhos para que muitas vezes o processo de ensino e de aprendizagem ocorra, mas a gente caminha na crença de que todos, através de uma gestão participativa e democrática, são corresponsáveis pelo sucesso ou fracasso da escola. Isso ajuda a escola e tem ajudado-a a caminhar”.
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui