"De repente e de uma forma retumbante". Quando Bruna Caram pensa na origem do título de seu álbum mais recente, são essas as palavras que preenchem seu imaginário. Não foi à toa, aliás, a escolha do nome: "Afeto e Luta" simboliza um período no qual esses termos se tornaram ainda mais necessários.
"No período da pandemia, por estarmos vivendo tanto medo, opressão, solidão e, ainda por cima, eu estar vivendo meu puerpério - quando a pandemia começou meu filho tinha três meses - e estarmos vivendo um momento sombrio em nosso País, tudo isso me fez perceber o quanto ter coragem para lutar tem a ver com ter a quem amar", reflete a cantora paulista.
Ao longo dos últimos três anos, para além de quem estava ao seu redor, ela teve outros elementos para "amar": a obra e a trajetória do cantor e compositor carioca Gonzaguinha, filho do "Rei do Baião" Luiz Gonzaga.
"Se a gente quer fazer outras pessoas desistirem de lutar, a gente tenta tirar o que importa para elas. Tem que retirar os afetos de perto, desumanizar as pessoas para isso. A obra do Gonzaguinha, quando eu cantei, me fez lembrar que a ternura também deixa a gente mais forte", alega.
Em meio a tudo isso, ela lançou no fim de abril o álbum "Afeto e Luta - Bruna Caram canta Gonzaguinha". O sétimo álbum de sua carreira foi idealizado pela própria multiartista e é a solidificação do projeto iniciado em dezembro de 2020, quando fez show on-line com arranjos de Norberto Vinhas e pesquisa de repertório de Jean Wyllys.
O disco reúne dez faixas, entre elas "Sementes do Amanhã (Nunca Pare de Sonhar)". A cantora paulista, parceira de composição de nomes como Roberta Sá e Chico César, leva consigo as músicas de Gonzaguinha desde a adolescência, período em que decidiu que cantar seria a sua "missão de vida". "Percebi que tinha uma paixão especial por canções profundas, dolorosas, que dessem espaço para eu interpretar", confidencia Caram.
Como o destino reservava, o repertório de Gonzaguinha estava em seu horizonte, e Bruna era tocada particularmente por músicas como "Explode" e "Sangrando", que fazem parte do álbum. Na pandemia, ao revisitá-las, entendeu a necessidade de prestar homenagem ao mestre. "Sou muito encantada com a história de vida dele", acrescenta.
"Afeto e Luta" também reúne participações de outros artistas, como Zeca Baleiro ("Eu Nem Ligo"), Preta Ferreira ("É"), Zé Renato ("Redescobrir"), Renato Braz, Nanan Gonzaga e Leila Pinheiro. Essa configuração acabou se diferenciando dos álbuns anteriores de Bruna Caram, que contavam com poucas participações especiais.
Segundo a artista, dessa vez foi "inevitável", pois ela percebeu como a obra de Gonzaguinha consegue agregar diversas pessoas. "A obra dele é muito compartilhável e empática, então foi natural que metade do disco tivesse participações especiais. Acho que em todo lugar desse Brasil tem alguém pronto para cantar uma canção de Gonzaguinha", afirma.
Em 16 de abril, ela apresentou ao vivo na Casa Natura, em São Paulo, o trabalho que foi desenvolvido ao longo dos últimos três anos. Em um balanço entre o período de reclusão e o momento no qual foi possível voltar a realizar shows presencialmente, Bruna lembra dos sentimentos de medo pelo início da pandemia e de emoção por ver a "luz no fim do túnel".
"Acho que esse disco carrega e carregará para sempre esse assombro de ter sido produzido durante quase três anos e em um período em que a gente não sabia se ia viver ou morrer, em que eu não sabia se meu filho ia ficar bem ou não, em que perdi pessoas próximas - sim, pela pandemia, mas também por descaso, desonestidade e abandono", elabora.
Ela complementa: "Nunca vou esquecer que o meu reencontro com a obra que tanto amei desse compositor tão importante na história do Brasil não foi em qualquer momento. Foi em um tempo no qual a gente precisava encontrar forças e se sentir unido - e essa obra atravessou um momento de desespero para o momento de esperança".
E como foi voltar aos palcos pela primeira vez ao final do isolamento social, em São Paulo? "A gente estava muito emocionada. Muito feliz. Parecia um sonho. Como é bom a gente ter passado por isso, ver luz no fim do túnel e ter a música que ajudou a gente a atravessar isso e a não enlouquecer", revela.
Diante da trajetória entrelaçada com a produção de Gonzaguinha o quanto de sua obra perdurará na forma de Bruna enxergar a música? Segundo a cantora, o que há de mais rico no trabalho de Luiz Gonzaga Júnior é "o sentimento à flor da pele" e uma "alegria de viver genuína, amorosa, de fé nas pessoas".
Ela analisa que "nunca será mais a mesma" por ter cantado as melodias do carioca. "Por cantar por tanto tempo a obra do Gonzaguinha, parece que a minha visão do mundo se sensibilizou mais e tem algo na profundidade do sentimento dele, na minúcia de explicar um sentimento e uma dor e também em uma alegria 'bem-humorada' de levantar bandeiras que eu não quero perder", enfatiza.
"Mais do que tudo, Gonzaguinha era um artista à flor da pele e que tocou as pessoas por cantar e compor canções à flor da pele. Eu acredito que a obra dele faz a gente ser mais feliz. Eu já acreditava na música como ferramenta de cura e transformação há muitos anos. Agora, estou comprovando isso mais uma vez - e me transformando mais uma vez e sempre. Tomara", pede.
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Faixas
Afeto e Luta - Bruna Caram Canta Gonzaguinha
Onde escutar: onerpm.link/AfetoELutaBrunaCaram
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