No espetáculo “Ogroleto”, realizado pelo grupo cearense Pavilhão da Magnólia, um garoto passa a se deparar com as diferenças ao frequentar a escola. Ele começa a refletir sobre sua natureza de ogro, até então desconhecida, e encara um mundo do qual sua mãe sempre tentou protegê-lo. A peça fala sobre medo, dúvida e aceitação de si na infância.
“Ogroleto” é apenas um exemplo de trabalho teatral voltado ao público infantil que reforça um dos objetivos desse tipo de produção: estimular a formação do ser humano no caminho de uma sociedade mais acolhedora. Argumentos como esse demonstram a importância da atenção ao teatro voltado à primeira infância.
“Para muitos educadores, essa idade é a mais importante na formação do ser humano. Muito do que ocorre nessa fase pode se refletir na vida adulta. O teatro permite nos tornar pessoas mais sensíveis. Veja o que acontece hoje com o mundo. Acreditamos que o teatro é uma ferramenta a mais para tornar as pessoas mais sensíveis às diferenças”.
O depoimento é de Aldrey Rocha, ator e fundador do conjunto cearense de teatro K’Os Coletivo, que desenvolve produções infantis e ainda com uma particularidade: com pesquisas voltadas à primeira infância, período que vai até os seis anos de idade. O grupo busca incentivar experimentações nesse sentido, a exemplo da oficina “Como Trabalhar com Teatro Para a Primeira Infância?”, realizada em oito cidades cearenses.
A fala de Aldrey não é isolada. O Vida&Arte conversou com outros atores e integrantes de companhias de teatro cearenses sobre os aspectos que rondam a elaboração do teatro infantil em Fortaleza. As respostas citam elementos relevantes, como o estímulo à criatividade, mas também incluem desafios como deficiência de investimento público, locais para apresentações e enfrentamento de diferentes cenários - a exemplo da pandemia, da disputa com telas eletrônicas e a “industrialização” do entretenimento infantil.
Para além do caráter formativo para os pequenos, o ator, diretor e dramaturgo Carri Costa, fundador do Teatro da Praia, aponta como pode ser também uma “escola” para atores. Ele lembra da primeira experiência de espetáculo infantil com a Cia Cearense de Molecagem, quando esteve à frente da peça “A História Fantástica”.
“Eu acho que a coisa mais mágica do mundo que acontece quando a criança vai a uma peça de teatro é ela simplesmente mergulhar na sua tenra infância, em si mesma, quando vê a encenação acontecendo”, compartilha Carri.
É com esse ambiente que as crianças podem, então, ser imaginativas, inventivas e criativas. Para isso, “é preciso oferecer experiências estéticas variadas desde a primeira infância” de modo a estimular que “brinquem ativamente”, criem histórias e não apenas recebam passivamente “enxurrada de conteúdos” a partir de vídeos no YouTube, por exemplo, como cita a atriz e produtora cultural Gabi Gomes.
Integrante do Cangaias Coletivo Teatral, ela comenta sobre o contexto de imersão dos pequenos diante de telas eletrônicas, algo acentuado na pandemia. Ela afirma que, mesmo diante da disputa com as telas, é preciso “dar o direito às crianças de conhecerem outros recursos e tecnologias que não só as eletrônicas”, como brincadeiras populares, cantigas de roda e histórias de tradição oral. “Pensar formas de aliar diferentes recursos lúdicos pode ajudar a prender a atenção dos espectadores de teatro infantil”, argumenta.
A pandemia afetou diretamente a produção de peças infantis, como lembra Luis Carlos Shinoda, gestor e fundador do Cangaias. Ele relata que o grupo precisou abrir mão do repertório e criar outras obras para a infância em curto espaço de tempo, utilizando as telas como espaço cênico. O coletivo tem duas montagens de teatro para as infâncias, sendo elas “Miau!” (2016) e “O Regresso dum Barquinho de Papel” (2018).
“Hoje, depois de tantas experimentações e possibilidades com o digital, podemos ver ótimos trabalhos que foram criados com as novas mídias, mas é importante perceber que foram iniciativas que não surgiram como critério de escolha poética e estética, mas necessidade e sobrevivência de grupos e artistas”, ressalta.
Reforçando o lado da pesquisa, Shinoda aponta inúmeras possibilidades para as tendências de produção infantil, abarcando estéticas como teatro de bonecos, de sombras, musicais, artes populares e circo. Para ele, é importante investir na linguagem para a infância a partir da “pluralidade”. Outro ponto é a abordagem de temas sociais e políticos contemporâneos da vida cotidiana, que deve ser feita sem perder “a magia da ludicidade”.
Mas essas necessidades contrastam com outros aspectos, como a deficiência de “incentivo público e oportunidades de circular e fazer temporadas pelos espaços culturais”. Shinoda aponta ser "inviável" a ocupação de teatros de shopping, que “tem bastante adesão para o público infantil por ser um outro mercado para a infância que não abarca os modos de criação e de encenação de peças que fogem do tradicional da linguagem infantil”.
É preciso, então, uma “política cultural de valorização do teatro para a infância”, em sua análise. Integrante e fundador do grupo Pavilhão da Magnólia, o ator e diretor Nelson Albuquerque avalia outro tipo de “falta de incentivo” para os grupos: a escassez de olhar de escolas e cursos de licenciatura para esse tipo de teatro.
Nelson indica outra questão importante: incluir a própria criança no debate. Eu acho que a gente tem uma grande dificuldade de perguntar o que que as crianças querem ver, fazer, que história querem ouvir… A gente tem dito muito o que a criança tem que ver. Talvez o grande caminho da transformação seja mudar o olhar”.
12º Festival TIC
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Quando: a partir de 31 de maio
Onde: Fortaleza, Maracanaú, Maranguape, Russas, Quixeramobim, Itapipoca e Sobral
Gratuito
Programação completa no site festivaltic.com.br