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Edital cultural para autoras remonta à história de Carolina Maria de Jesus
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Edital cultural para autoras remonta à história de Carolina Maria de Jesus

Com inscrições abertas até 10 de junho, edital Carolina Maria de Jesus ecoa a história de autora que revelou Brasil periférico em camadas cruas e sinceras
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Carolina Maria de Jesus coleciona mais de cinco mil páginas de originais (Foto: Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã)
Foto: Arquivo Nacional / Fundo Correio da Manhã Carolina Maria de Jesus coleciona mais de cinco mil páginas de originais

No ano de véspera dos cento e dez anos de seu nascimento, Carolina Maria de Jesus nomeia o maior edital literário do País para mulheres cis ou transgênero desde que brasileiras natas ou naturalizadas, maiores de 18 anos no momento da inscrição. Lançado pelo recém-ressurgido Ministério da Cultura (MinC), o prêmio irá agraciar 40 obras inéditas com valor total de R$ 2 milhões. Cada escritora receberá R$ 50 mil. Contos, crônicas, poesias, histórias em quadrinhos, romances e roteiros de teatro redigidos em português do Brasil poderão concorrer. O projeto, segundo o MinC, visa valorizar autoras nacionais e incentivar a qualidade literária por meio da realização de concurso.

Carolina é um paradigma nacional na atualidade e sua eleição como baluarte para fomento da arte literária do País atual não causa surpresa. Por outro lado, é um exemplo nítido das transformações vivenciadas por nossa cultura ao longo dos anos e que ainda carecem de maior popularização. Para Emanuel Régis, pesquisador da escritora há mais de dez anos e autor da dissertação "A literatura vista de baixo: o livro 'Quarto de despejo', de Carolina Maria de Jesus" pela Universidade Federal do Ceará (UFC), iniciativas como o Prêmio Carolina de Jesus são fundamentais para que um padrão canônico comece a, de fato, mudar. "A nossa literatura sempre foi dominada por figuras masculinas, desde o seu surgimento, por volta do século XVIII, como mostra Antônio Candido no livro 'Formação da literatura brasileira'. Nos manuais escolares, essa realidade é bastante evidente, já que são raras as mulheres escritoras que fazem parte de nosso cânone literário", pontua.

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Dados de pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) atestam que 70% dos livros publicados pelas maiores editoras brasileiras entre os anos de 1965 e 2014 têm autoria masculina. Os dados revelam ainda que 90% das obras literárias foram escritas por homens brancos e que pelo menos a metade dos autores tem origem no eixo Rio de Janeiro/São Paulo. Nesse sentido, o Prêmio Carolina Maria de Jesus mira e acerta seu foco democrático ao fazer com que das 40 obras a serem premiadas, 20% (8) sejam de mulheres negras, 10% (4) de mulheres indígenas, 10% (4) de mulheres com deficiência, 5% (2) de mulheres ciganas e 5% (2) de mulheres quilombolas. Para tanto, a Comissão de Seleção será composta apenas por mulheres, seis no total.

Emanuel Régis louva tal abertura à diversidade lembrando que Carolina de Jesus passou bastante tempo "numa espécie de limbo". Isso justifica a criação por parte dele de um perfil na rede social Instagram de nome @carolinabitita. Nele, o pesquisador busca divulgar a autora para além da sua obra mais conhecida, traduzida em 13 línguas e vendida em mais de 40 países, "Quarto de despejo", trazendo, assim, dados de sua investigação que começou em 2010 com atualizações frequentes das novas produções que dizem respeito à autora. "O concurso de releitura visual de Carolina também foi feito com essa intenção de promover outras percepções sobre ela, já que são poucas as imagens da escritora disponíveis na Internet e também fora dela", diz.

Essa acessibilidade cultural parece também permear a construção do edital do Prêmio. Segundo Fabiano Piúba, ex-secretário de cultura do Ceará e atual secretário de Formação, Livro e Leitura do MinC, este será "o primeiro edital do MinC elaborado em linguagem simples com direito visual e design editorial, podendo ser um elemento orientador para outros editais". O documento em formato inovador é resultado de uma parceria do Ministério da Cultura (MinC) com o ÍRIS | Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.

"A escritora favelada", como ficou conhecida pelo grande público desde seu grande lançamento em 1960, tem sua atualidade vinculada bem além dos seus doze anos na favela do Canindé, em São Paulo. Temáticas como racismo e a desigualdade social que hoje lideram acalorados debates virtuais unem as linhas de Carolina, necessitando, sempre de constante ampliação. Nesse sentido, Emanuel Régis conclui: "Atualmente há um esforço - no qual me incluo - para mostrar outras facetas da escritora, mas penso que - para além de estereótipos ligados à, por exemplo, maneira como ela escrevia - essa figura autoral de Carolina como intérprete do nosso País é o que a torna um símbolo de coragem e resistência em nossas letras".

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As inscrições para o edital, iniciadas em 12 de abril, seguem até 10 de junho de 2023. Durante este período, mulheres das mais diversas origens e sonhos, têm a chance de partilhar com Carolina uma proposição de vida estética e também dizer (a si mesmas) "preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela". Para além da resistência na esperança dos livros, o Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres 2023 é mais uma oportunidade de trazer a Cultura para o centro do debate e da construção socioeconômico do País, conforme argumenta a ministra Margareth Menezes ao lembrar que "o apoio a escritoras é fundamental para o fortalecimento da cadeia produtiva do livro e o fomento da leitura a partir da seleção de obras de qualidade chancelada pelo Ministério da Cultura".

Edital do MinC

Edital Prêmio Carolina Maria de Jesus segue com inscrições abertas até o dia 10 de junho de 2023. Telefone para dúvida: (61) 2024-2831

Inscrições em: https://www.gov.br/cultura/pt-br/assuntos/editais-e-portarias/editais/2023/edital-premio-carolina-maria-de-jesus-1.pdf/view

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