O fogo aquece a lenha e a panela de barro está sobre o fogão. Dentro dela, cozinha arroz e feijão. Acima das cabeças, o varal de bandeirinhas enfeita os céus e o som da sanfona anima a noite. É tempo de São João. Entre os pratos que preenchem as mesas, não pode faltar o baião de dois.
Muitos alimentos compõem a gastronomia cearense, mas o baião de dois talvez seja o mais característico do Estado. O prato é frequentemente encontrado nos cardápios de restaurantes locais entre as guarnições, seja com a receita tradicional ou através de versões repaginadas. Durante o período junino, o baião de dois ganha ainda mais evidência através dos pratinhos das barracas juninas.
Arroz e feijão são ingredientes obrigatórios, mas o alimento costuma levar queijo coalho, cheiro verde, nata, entre outros. São muitas receitas exploradas nas casas e restaurantes cearenses. Há baião para todos os gostos. O Vida&Arte separou algumas opções para você se deliciar em Fortaleza e convidou o chef João Lima para apresentar o contexto histórico da iguaria.
vale uma refeição
O baião de dois vira quase uma refeição completa nas mãos da chef Sílvia Vasconcelos, da Doce Gula. A receita leva arroz, feijão, calabresa, carne de sol, bacon, queijo coalho, manteiga da terra, nata, cheiro verde, entre outros ingredientes. "A receita segue os padrões originalmente nordestinos com pequenas adaptações, deixando o prato ainda mais especial e incrementado. Nosso baião é 'tão rico' que vale por uma refeição completa!", destaca a chef. O prato está disponível no no self-service de comidas típicas (R$7,90/100g) e para encomendas (R$49/kg).
Baião "de tudo"
Móveis de madeira, panelas de barro, parede de taipa, telhado colonial e até bodega ambientam o restaurante Maria Chica, que proporciona uma viagem para o Sertão através do espaço e paladar. A receita de baião de dois do estabelecimento se transforma em um "baião de tudo", levando arroz, feijão, bacon, carne de charque, calabresa, manteiga da terra, nata, creme de leite e até macaxeira frita. O restaurante funciona por self-service a partir de R$ 82,90/kg.
Baião de carneiro
Maria Irismar Furtado, proprietária do Carneiro do Ordones, é responsável pela criação de receitas repaginadas do baião de dois que integram o cardápio do restaurante, como o baião de carneiro, que custa R$ 40. A receita é segredo de família, mas leva ingredientes como arroz, feijão branco, nata fresca, queijo coalho, cheiro verde e carneiro desfiado.
Baião Africano
Feijão preto, arroz, charque, linguiça, carne de sol e bacon. Esses são os ingredientes que compõem o Baião Africano, prato oferecido pelo restaurante Cantinho do Frango. Com quase 30 anos de história, o estabelecimento é um dos pontos gastronômicos tradicionais de Fortaleza e se destaca com a releitura do baião de dois.
Ponto de vista (por João Lima)
"Vô juntá feijão de corda Numa panela de arroz / Abdom vai já pra sala Que hoje têm baião de dois / Ai, ai ai, ai baião que bom tu sois / Se o baião é bom sozinho Que dirá baião de dois", Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em 1950.
O arroz tem origem asiática com registros de mais de 5000 anos. O feijão, por sua vez, é mais antigo que o arroz, e está na natureza há mais de 10.000. Quem poderia imaginar que os dois se encontrariam no sertão cearense e que formariam o casal mais amado do Brasil. São muitas as histórias que contam essa união, mas todas elas têm em comum o tempo de privação nos flagelos das secas.
As receitas são várias. Mudam de família pra família. Com carne de sol ou queijo coalho são invenções posteriores, de quando já se tinha mais o que colocar dentro. Cascudo diz que é Cearense. Há quem diga que é do nordeste todo. Eu já acho que é cultura pura dessa nossa nação. Baião é cultura brasileira de comer.
João Lima é chef de cozinha e pesquisador
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