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Amor romântico em crise? Novas formas de amar ganham popularidade
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Amor romântico em crise? Novas formas de amar ganham popularidade

Felizes para sempre? Ideia de um amor implacável perde força nas gerações atuais. Na contramão, pessoas estão mais dispostas a testar novas formas de amar
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Especialistas discutem lugar do amor romântico nas relações do século XXI (Foto: Ilustração: Carlus Viana)
Foto: Ilustração: Carlus Viana Especialistas discutem lugar do amor romântico nas relações do século XXI

O amor é um assunto tão partilhado que há registros de exemplares de poesia sobre devaneios amorosos no Egito Antigo, muitos até datam antes de 1000 a.C. Os versos comumente retratavam o sentimento como uma emoção superior e imposição inerente ao indivíduo. A perspectiva ultrapassou séculos e foi constantemente reverberada por meio dos romances épicos de heróis, sucessos hollywoodianos de comédia românticas e contos de fadas que apontam uma história eterna entre apaixonados como o único caminho para o suposto final feliz.

Cenários com estas particularidades nas relações podem ser considerados consequências de termo classificado como amor romântico. O conceito está diretamente ligado à ideia de uma vivência perfeita - e muitas vezes irreal - entre duas pessoas e, de acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens no livro "A Transformação da Intimidade - Sexualidade, Amor & Erotismo nas Sociedades Modernas" (1999), implica em um "esmagamento do eu". Isto porque a pressão da busca incessável pelo romance incondicional inclui modos de comportamento repletos de tabus, especialmente para as mulheres.

"As pessoas esperavam que o outro lhe completasse, atendesse todas as suas necessidades, muitas vezes, inclusive, isolavam-se, rompendo amizades. Perdia-se individualidade. Não importava mais o que eu quero, mas sim o que nós queremos", explica a terapeuta sexual Iara Nárdia, que trabalha com sexualidade e relacionamento nos consultórios terapêuticos e nas redes sociais. Esta formulação, entretanto, é considerada uma construção cultural, vinculada à ideia de romance oriunda do século XVII e elaborada com influências religiosas, financeiras e políticas. Em narrativas modernas, a compreensão antiquada do amor perde espaço e passa por interferências para abranger novos significados.

Outras tantas formas de amar começam a ganhar relevância, principalmente após o uso das redes sociais e da pandemia, período no qual as pessoas puderam ter mais contato com suas próprias questões. No começo do mês de junho, a chef e apresentadora Bela Gil compartilhou que viveu três relacionamentos paralelos durante o casamento de 19 anos com o designer João Paulo Demasi.

Ela define o caso como um modelo de relação não-monogâmica, ou seja, que não se baseia na exclusividade afetiva ou sexual entre parceiros. As pessoas podem ter um relacionamento aberto, com ocasionais vivências sexuais e/ou afetivas com outros, ou um poliamor, que muitas vezes está atrelado à experiência de namoro com mais de uma pessoa. Ainda existem os arromânticos, aqueles que não sentem interesse em cultivar uma relação romântica, entre outras possibilidades dentro dos campos afetivos e eróticos, que são desenvolvidas de acordo com as particularidades e vontades dos envolvidos.

"Talvez possamos atribuir essa mudança de mentalidade e revolução sexual à maior independência da mulher, que passa a viver seus próprios sonhos e desejos", complementa a terapeuta. Ela afirma, porém, que a transformação não invalida o romance, a lealdade e a valorização da relação a dois e dos casamentos. O que se deve repensar é a interpretação compulsória de que o amor só é possível quando é vivido exclusivamente. "Conceito, crenças, expectativas mudam com o tempo. Dá-se nome ao amor, como se fosse possível abranger a complexidade do amar e da sexualidade. Ora, desde sempre se ama e se faz sexo de tantas formas. Deixemos as pessoas serem livres em seus quereres, essa é a minha esperança", ambiciona Iara.

Abertura para os desejos

Ana* e Júlia* se conheceram na festa de uma amiga em comum e logo começaram a namorar. O relacionamento inicialmente exclusivo passou, há pouco mais de dois anos, a incluir experiências com outros. "Comecei a identificar novos tipos de relacionamento e abrir minha mente. Hoje, me considero bissexual sexualmente e lésbica amorosamente", pondera Ana. O questionamento sobre a possibilidade da não-monogamia surgiu no início da ligação entre as duas e foi sendo trabalhada com o passar dos meses. "Tivemos situações de erros e acertos, tentamos moldar nossa relação. Fomos abrindo aos poucos, criando nossas regras e nos entendendo".

Júlia explica que a decisão foi tomada com base na observação de casos similares entre amigos e pessoas públicas que compartilham experiências em podcasts e perfis nas redes sociais, por exemplo, e que sempre há uma conversa honesta para que elas sejam capazes de expressar seus desejos. "A não-monogamia trouxe uma visão mais ampla do que é a verdadeira parceria, confiança e diálogo dentro de uma relação. Percebo que muitas pessoas viraram adeptas desse modo de se relacionar que, ao meu ver, é natural", opina.

O processo foi similar ao de Yasmin e Gustavo, que iniciaram um relacionamento fechado em agosto de 2021. "Ele me conheceu e eu já estava me identificando como não-monogâmica", relembra a jovem. Meses depois, eles decidiram testar novas formas de viver o romance. "Acreditamos que nunca paramos de sentir atração por outra pessoa e isso não significa que não nos amamos", pontua. Ela ainda reforça que muitos relacionamentos monogâmicos acabam por traição, mas que outras questões são mais importantes dentro da relação dos dois.

Hoje eles são casados e podem estar com diferentes pessoas, mesmo que não comuniquem ao outro. "Creio que o ciúme e a sensação de posse do parceiro seja um dos principais motivos das pessoas terem medo desse tipo de relacionamento. Nos amamos muito, acredito que nossas atitudes diárias são as maiores demonstrações de romantismo. Somos carinhosos, respeitosos, amorosos e tentamos entrar num consenso. Viver uma relação não-monogâmica parece que nos faz ficar mais compreensivos, resilientes e nos aproxima ainda mais", relata Yasmin.

*Nomes fictícios

 

Romance em números

De acordo com pesquisa realizada pelo aplicativo Tinder em 2022:

52% dos usuários da Geração Z preferem relacionamentos monogâmicos, mas 41% estão abertos ou buscam relacionamentos não-monogâmicos

Entre os relacionamentos não-monogâmicos, os mais populares são relacionamentos abertos (36%) e poliamor (26%)

Houve um aumento de 49% entre usuários que escolhem "relacionamento casual" como uma das intenções

73% dos jovens afirmar buscar alguém que tenha intenções claras sobre desejos de relacionamentos

Amor romântico em crise?

Para muitas pessoas, falar sobre o amor é tocar em um tema altamente subjetivo, até porque se trata de um sentimento, sendo assim, teorias ou explicações técnicas não poderiam "explicar esse sentimento". Essa maneira de pensar no amor como um sentimento "indescritível", que apenas pode ser sentido, já é uma percepção baseada no romantismo. Para entender a diferença entre o amor romântico e o amor genuíno, primeiro é preciso compreender o que é esse tal de amor romântico, afinal, amor e romantismo são duas grandezas distintas.

O amor genuíno, diferente do que se acredita com base no romantismo, é um sentimento real e concreto, passível de ser descrito, além de sentido. É aquele que começa pela pessoa se sentindo preenchida por si mesma, assim, não haverá a sensação de que precisa de alguém para suprir uma necessidade de bem-estar. Não são projetadas ideias, ideais, desejos e fantasias românticas sobre a outra pessoa.

A consciência da diferença entre o amor romântico e o amor genuíno já é o começo para uma mudança interior. A historiadora Silvana Silva enfatiza que, para a construção de relacionamentos mais saudáveis, é necessário aprender sobre o amor, um sentimento concreto embasado na realidade e que pode ser vivenciado de maneira íntegra pelos seres humanos. Nossa cultura valoriza demais o amor como fantasia ou mito, mas não faz o mesmo em relação à arte de amar. O amor verdadeiro, quando buscado, nem sempre nos levará ao "felizes para sempre" e, mesmo se o fizer, é preciso que saibamos que amar dá trabalho, não é essa história perfeita e pronta dos contos de fada.

Esta questão emergiu quando lançaram as bases da pós-modernidade dos tempos líquidos, onde tudo estaria em desconstrução. A modernidade começa a declinar e a pós-modernidade a florescer. A crise do amor das relações surgiu no horizonte como um impacto muito forte, com as separações tanto das relações mais formais como as informais. O casamento oficializado entra em crise. É importante frisar e destacar bem, que existem vários tipos de amor, o amor lúdico, que é o divertido, o amor-próprio, o amor mania ou obsessivo, o amor comprometido, o amor familiar, o amor amizade, o amor filial, dos pais, o amor ágape, que é o compassivo ou piedoso.

O amor não tem nada a ver com fraqueza e ou irracionalidade, como se costuma pensar. Ao contrário, significa potência: anuncia a possibilidade de rompermos o ciclo de perpetuação de dores e violências para caminharmos rumo à sociedade amorosa. O livro "Tudo Sobre o Amor" (1999) de bell hooks, reposiciona o amor como uma força capaz de transformar todas as esferas da vida. A tarefa de sermos amorosos e construirmos uma sociedade amorosa implica reafirmar o valor de dizer a verdade e, portanto, estarmos dispostos a ouvir a verdade uns dos outros. A confiança é o fundamento da intimidade.

A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente. Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficarem sozinhas, e aprendendo a conviverem melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. É apenas um companheiro de viagem.

A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa à aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva. Relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único. Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.

*Ponto de vista da psicóloga e sexóloga Zenilce Bruno, colunista do O Povo

 

Capa do livro
Capa do livro "Novas Formas de Amar"

Estante de livros

"Tudo Sobre o Amor" (2000) - bell hooks

A autora mergulha nas distintas maneiras em que o conceito pode se manifestar: nas relações familiares, românticas, de amizades e até mesmo nas vivências religiosas. Ela elenca o sentimento como uma ação capaz de transformar o niilismo, a ganância
e a obsessão.

Onde adquirir: Amazon

"Pessoas Normais" (2020) - Sally Rooney

Na obra fictícia, a escritora relata a história de Connel e Marianne, dois jovens que passam a vida entre idas e vindas do amor. O enredo, entretanto, não trata sobre um percurso considerado ideal e foca em como as relações podem ser construídas com base nas imperfeições.

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"O Curso do Amor" (2016) - Allan de Botton

O romance do filósofo Alain de Botton mostra como o amor se desenvolve após os estágios iniciais da paixão. Os capítulos apontam o que é necessário para que o casal atravesse quando as convicções são abaladas pela rotina. Os desafios dos personagens Rabih e Kirsten são intercalados por comentários e anotações do autor.

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"Novas formas de amar" (2017) - Regina Navarro Lins

O livro da psicanalista Regina Navarro Lins mostra as principais mudanças em relacionamentos do século XXI. Ela discute tópicos como poliamor, vida a três, aplicativos, revolução sexual e mais.

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