Arte e cultura também estão ao alcance de quem vive às margens da sociedade. Com peças teatrais, músicas e intervenções artísticas, as crianças e adolescentes atendidas pela Fundação Carlos Pinheiro (FCP), no Henrique Jorge, montam uma história em quadrinhos da vida real com super-heróis munidos de poderes capazes de realizar os próprios sonhos.
“Eles têm pouco acesso à leitura onde eles moram. Aqui, eles têm uma biblioteca com livre acesso. A leitura é uma janela para o mundo, onde eles descobrem novos mundos, descobrem coisas novas e passam a ter novos sonhos. A construção dessas obras mexem com autoestima, com a valorização do eu, e assim eles vão criando mais sonhos e essa perspectiva de futuro”, afirma Silvana Pinheiro, diretora da fundação.
Em sua 6ª edição, o projeto literário, que aconteceu entre os dias 5 e 7 de julho, abordou a origem dos quadrinhos. A mostra reuniu apresentações inspiradas em autores brasileiros de obras como “Menino Maluquinho”, “Saci Pererê”, “Turma da Mônica” e os heróis mais conhecidos de gerações.
“Já falamos sobre autores brasileiros, mestres da literatura de cordel, poesia e a história de Fortaleza. Os gibis são o primeiro lugar que eles vão quando visitam a biblioteca. Então, começamos a mostrar que os gibis também tem uma história, também tem personagens ilustres que se eternizam, que também é preciso conhecer as pessoas que criaram esses personagens”, explica Silvana.
É difícil para esses meninos lerem autores consagrados da literatura? “O que falta é oportunidade, mas nunca é vontade”, defende Silvana.
“Você não tem noção do que eles são capazes de criar e de fazer e de mostrar dentro de tudo o que a gente propõe. Então, não é falta de inteligência, não é falta de atitude, é a falta de oportunidade. Eu já tive alunos que através das nossas aulas de música se formaram músicos”, conta.
Ascendida pela desenvoltura e articulação de uma mulher adulta em sua fala, Luiza da Silva, de 10 anos de idade, é exemplo da potência de boas leituras. Fantasiada de “boneca de piche”, fábula do folclore brasileiro, a menina explica a rotina e revela um dos seus maiores aprendizados.
“A gente vai para sala de artes, fazemos muitas atividades e desenvolvemos nossa aprendizagem. Estudamos sobre a história em quadrinhos, mas o que marcou mesmo foi aprender a palavra ‘onomatopeia’”, conta. Em seu jeito “ispilicute” de ser, respondeu ao colega que questionou o que estaria fazendo: “Estou sendo entrevistada, com licença”.
Outro exemplo das salas de artes da Fundação é o jovem Bruno Castro. Aos 16 anos, a rotina de Bruno foi tomada pela escola integral, mas no tempo livre, ele não perde a oportunidade de revisitar o espaço onde aprendeu a fazer música com múltiplos instrumentos.
“Eu sempre quis aprender a tocar flauta, consegui aprender aqui (na Fundação). Agora sei tocar flauta, violino, violão e teclado. Foi muito importante na minha vida, fiz muitos amigos, aprendi vários ensinamentos que me ajudam até hoje”, conta o rapaz.
Quanto ao sonho profissional de Bruno, a perspectiva de ser um grande design surgiu com o desenhos desenvolvidos na instituição. “O sonho que eu tenho é fazer design, por causa que eu desenhava muito. Até a professora toda aula me incentivava bastante a desenhar. Ao longo do tempo fui aperfeiçoando”, revela.
Apesar dos finais felizes dos contos de fadas, o cenário de violência permeia as esquinas da vida real. Com um percurso formativo de 10 anos - por vezes insuficiente para aquelas que querem voltar -, Silvana conta que as interferências externas são “tentadoras”.
“Alguns a gente perde pelo caminho mesmo, porque cada vez está mais difícil a violência. As drogas, os aliciamentos cada vez mais cedo é o que a gente tenta combater. A gente acredita que dando a eles sonhos, eles vão ter mais força para dizer 'não' ao que não é bom. E quando eles não têm perspectiva nenhuma, as coisas ruins parecem muito boas, muito tentadoras, né? E quando eles têm essa outra visão de mundo de vida do que é correto, do que é digno, do que eles podem ser, do potencial que eles têm, aí eles têm mais força para dizer não”, esclarece a diretora.
Mãe de dois alunos da instituição, Ana Paula Diogo, de 42 anos de idade, comemora a vivência e as oportunidades dadas aos filhos. “O meu menino de 12 anos chora pra vir todos os dias. O que o projeto tem a oferecer é muito incentivo para as crianças. Pelo menos meus filhos não estão em esquina, estão fazendo atividade para aprender cada vez mais na vida. Já tive sobrinhos na fundação, mas há muito tempo desistiram e viraram outros, o que não era para ter virado. Ao projeto, só tenho que agradecer”, conta Ana Paula.
Há quase 20 anos, as aulas de música, dança, teatro, artes visuais, literatura, capoeira e futebol mudam a rotina dos jovens do bairro Henrique Jorge e adjacências. Com arte como ferramenta de transformação social, a Fundação Carlos Pinheiro atende mais de 150 crianças e adolescentes. Enquanto propósito, a instituição defende que as crianças “conheçam um lado da vida que muitos ainda desconhecem: o do afeto, da cidadania e do amor”.
Fundação Carlos Pinheiro
Quando: de segunda-feira a sexta-feira, das 8 horas às 17 horas
Onde: Rua Audízio Pinheiro, 298 - Henrique Jorge
Contato: (85) 3499-5403
Instagram: @fundacaocarlospinheiro
Site: fundacaocarlospinheiro.org
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