O maior e mais recente restauro do Theatro José de Alencar finalizado em 1991 foi um ponto de virada em termos concretos e simbólicos. O teatrólogo Oswald Barroso — diretor do equipamento no momento de retomada, entre 1991 e 1992 — escreve em "Theatro José de Alencar - O Teatro e a Cidade" (2002): "Com instalações tão amplas e espaços tão variados, o velho José de Alencar modernizou-se. Tornou-se não apenas uma ativa casa de espetáculos, (...) mas principalmente um grande centro de convivência, formação e difusão Cultural".
O que levou a este marco tão positivo e referencial na trajetória do TJA, porém, foi uma "situação-limite", como descreve Oswald. O acúmulo de problemas estruturais no equipamento desde o princípio levou a um contexto, no final dos anos 1980, marcado por ameaças de desabamento de estruturas e de incêndio, além do comprometimento de diversas instalações.
"Com a necessidade de nova reforma na passagem para os anos 1990, o TJA compôs, junto a outros equipamentos e espaços do centro tradicional, um processo de 'revitalização' da região", contextualiza o sociólogo Erich Soares, membro do Grupo de Estudos em Cultura, Comunicação e Arte (Gecca) da UFC e pesquisador de Sociologia da Cultura com ênfase em intelectuais, circulação do simbólico e equipamentos culturais.
"Novas insígnias de modernização do Estado, inclusive na área cultural, foram encampadas pelo então 'Governo das Mudanças', ciclo político inaugurado por Tasso Jereissati, naquele momento tendo à frente da pasta cultural Violeta Arraes", segue o especialista.
O mudancismo, ressalta Erich, trouxe uma "atualização do entendimento da cultura no seio da gestão pública como setor estratégico, relacionado à dinamização da economia". A partir deste aspecto, a reforma de 1991 extrapolou aspectos puramente técnicos e de manutenção, alcançando a "ressignificação do Theatro diante da cidade".
"A ideia foi de não somente reafirmá-lo como principal palco das artes no Estado, mas o tornar centro cultural, com espaços de formação em diversas linguagens e habilidades no campo da cultura", afirma o sociólogo.
Foi em março de 1989 que o contrato que garantiu os recursos para os trabalhos foi assinado — como informa matéria do O POVO de 28/3 daquele ano, foram realizados "trabalhos nas partes hidráulica, elétrica, estrutural e decorativa". Não foi sem controvérsia, porém, que as ações começaram, muito por conta da necessidade de fechamento do equipamento.
A mesma matéria citada mostra que o então diretor do TJA, Augusto Bonequeiro, admitia que o equipamento necessitava de "imediata recuperação", mas queixava-se "que a interdição da casa de espetáculos prejudicará as atividades que normalmente nela se realizam".
Diretora do Theatro entre 2015 e 2019, Selma Santiago atuava como atriz na época e recupera o contexto. "Fazia parte do Raça e do Zarabatana, grupos de teatro dirigidos pelo Artur Guedes, e a gente estava ensaiando um espetáculo no foyer quando pediram para sair de lá, porque o teatro iria fechar para uma reforma", lembra. "A gente achou estranho na época, porque foi chato ter que sair", conta, depois complementando: "Mas valeu muitíssimo a pena".
"A gente conviveu com a transformação de um espaço que estava desgastado, com necessidade de um restauro, e que depois viveu um auge com todo o financiamento que teve na gestão da secretária Violeta Arraes", reconhece.
Apesar de questionamentos — que incluíam ainda discussões sobre preservação de elementos históricos e escolhas da estrutura do palco —, os trabalhos eram vistos como "ponto alto" da gestão da Secult à época.
Semanas antes do TJA ser entregue à Cidade, o que ocorreria em 26/1/1991, o V&A do dia 5 daquele mês destacou o "compromisso cumprido" da então secretária, que "mereceria entrar com louvores para a história cultural cearense" mesmo se a "única iniciativa (...) fosse apenas esta". Matéria de 27/1, um dia após a reabertura, celebrou: "Cultura e democracia em festa".
Ações e utilizações já consagradas e até hoje firmadas tiveram gênese no contexto de retomada do equipamento, ao longo dos anos 1990. Oswald Barroso reconhece, em "O Teatro e a Cidade", que aquela década foi "talvez o período de maior movimentação que o TJA conheceu" na história.
Um deles é o Theatro de Portas Abertas, que promove programações em todo dia 17 de cada mês e cujo nome é tido como "simbólico" por Erich. Na avaliação do sociólogo, a ação se constitui como "tentativa de desmistificar o aspecto solene do equipamento" por apostar na oferta de atrações de forma facilitada e gratuita.
"A virada dos anos 1990 trouxe uma série de elementos para a reflexão do lugar do TJA na cidade, tendo agentes do Estado e da classe artística reelaborado a compreensão do que deveria ser um acesso democrático aos bens simbólicos", sintetiza o pesquisador.
"De certo modo, os pontos centrais ali discutidos permanecem hoje, principalmente um aspecto relativo à própria gênese do equipamento: o fato de ter surgido como opulenta casa de espetáculos destinada a uma frequência que se queria distinta e elitizada e passar por um longo processo de atribuição de sentidos que tentam orientá-lo a públicos mais heterogêneos e populares", finaliza.
- Raio-X do Theatro José de Alencar: Entre o cuidado e a ocupação
- Raio-X do Theatro José de Alencar: A casa do teatro cearense