Letícia Marques da Silva, de 33 anos, é a prova viva de que é, sim, possível unir humor e ativismo social de forma consciente e engraçada. Com mais de 200 mil seguidores, a moradora do Pirambu usa a própria história de vida para produzir conteúdo humorístico e político para as redes sociais.
A trajetória de Letícia começa marcada por uma perda: o assassinato de seu pai. Quanto tinha apenas três anos, teve de lidar com essa tragédia que abalou a família e motivou a decisão de mudança de São Paulo para o Ceará.
Em Fortaleza, a família se estabeleceu, mas, diante do preconceito que enfrentava dentro de casa enquanto pessoa trans, Letícia acabou voltando para São Paulo aos 14 anos. "As oportunidades de trabalho são difíceis", lamenta. De volta ao Sudeste, a então adolescente teve de enfrentar a exploração sexual infantil e lidar com a dependência química.
"Morei com algumas cafetinas que batiam, me extorquiam. Sofri muito. Passei seis anos morando na rua, jogada na cracolândia, até que conheci um pastor que me tirou da rua", conta.
Após um ano em reabilitação, ela decidiu voltar para o Ceará para reconstruir sua vida. "Mas, apesar disso, eu nunca deixei a tristeza me dominar, eu sempre gostei de ser alegre e de fazer as pessoas rirem", reforça.
A jovem começou a chamar atenção da comunidade do Pirambu com suas brincadeiras em lives no Facebook até que uma amiga chamada Kelly a incentivou a entrar no Instagram. "Ela já via uma estrela em mim", se emociona.
Apesar do foco humorístico, Letícia não abre mão de vídeos informativos que busquem combater o preconceito contra a comunidade LGBTQIAPN . Em seu primeiro vídeo de grande repercussão, Letícia trouxe conteúdo político educativo sobre o assassinato brutal da travesti Dandara dos Santos que aconteceu em 2017.
"Gosto de bater na tecla do ativismo, dos vídeos de militância, reivindicando respeito não só para as travestis", sustenta.
Perceber-se como uma mulher trans não foi tarefa fácil para Letícia. A influencer pontua que, até ser aceita pela família, os xingamentos que mais a magoavam eram ditos dentro de casa. "O preconceito da rua entra em um ouvido e sai no outro. A gente não guarda. O pior mesmo é o preconceito dentro de casa, o preconceito familiar", conta, emocionada.
A influencer, entretanto, destaca avanços sociais. "A gente não venceu o preconceito, mas a gente já venceu muita guerra e muita batalha, poder ser chamada como mulher, ter respeito, é maravilhoso e eu poder usar as redes sociais para levar respeito e informação para as pessoas que não entendem sobre o assunto isso também é maravilhoso", relata.
A jovem comenta com alegria que a relação com seus familiares melhorou bastante. "Hoje minha família me aceita, graças a Deus, e eu entendo porque eles agiam daquele jeito comigo, do porque me batiam, não é que eles tinham nojo ou ódio de mim, eles tinham medo", comenta.
Para além do humor consciente, Letícia também produz pensando em seu cotidiano por puro entretenimento, postando indiretas para as "recalcadas" do bairro e dicas para pegar "boys".
Os vizinhos já se tornaram personagem dos conteúdos. "Eu chego e chamo quem tiver ali do meu lado na hora que eu vejo uma coisa que acho que pode virar um vídeo legal. No começo ninguém queria, mas agora graças a Deus todo mundo quer", relata.
Após Letícia criar seu perfil, a amizade com o influencer Francisco Gleison de Sousa, conhecido como "Pirangay", foi o palco das primeiras produções focadas no Instagram. A relação dos dois, porém, foi interrompida por uma nova tragédia: o assassinato de Pirangay em 2020.
"Isso mexeu muito com a minha cabeça, tive que denunciar os dois rapazes que fizeram aquilo com ele. Pensei em parar", diz emocionada, ao lembrar do amigo. Da dor, porém, surgiu um encontro inesperado e uma parceria de sucesso com o também influenciador digital Matteus Batista.
"Matteus me alertou em pontos que eu estava errando na internet. Ele não foi só um amigo, foi um professor, um irmão e continua sendo. Estamos juntos até hoje e eu não quero nunca me separar dele", celebra Letícia.
O poder da Internet
O reconhecimento que Letícia está alcançando na internet segue repercutindo na vida da influencer de maneira muito positiva. Ela relembra feliz de quando fechou a primeira parceria comercial no valor de R$ 600.
"Sabe quando você não vê futuro? Que você acha que tá tudo acabado? Minha cabeça era desse jeito até eu conhecer o Instagram e gravar o primeiro vídeo. No começo eu era chacota, me chamavam de palhaça, zombavam da minha imagem, não respeitavam meu trabalho", afirma.
Mesmo com o reconhecimento e respeito que conquistou com seus vídeos, Letícia explica que somente acreditou que estava "dando certo" quando pagou o primeiro aluguel com o dinheiro que conseguiu com seus vídeos. Desde então, as parcerias só cresceram e hoje ela já fez projetos com empresas como Odonto Center e Lojas Americanas.
"Para quem está começando uma vida de influencer, fechar com uma grande marca é gratificante. Eu fiquei me sentindo", brinca, ao lembrar que todos comentavam sobre suas participações em anúncios e propagandas.
Em meio a tantas conquistas, Letícia se emociona ao agradecer pela realização de um outro sonho: abrir seu próprio negócio. A sorveteria vizinha à sua casa representa uma parte importante da renda fixa da influencer e de sua família. "Esse sorvete aqui faz até milagre", sorri.
"É muito bom você chegar nos cantos, as pessoas lhe abraçarem, dizer que gosta do seu trabalho, lhe parabenizar, lhe apoiar. Hoje eu sou a pessoa mais feliz do mundo através da internet, afirma.
Entre os projetos de Letícias está a construção de uma rede de acolhimento para a comunidade LGBTQIAP .
"Só tenho a agradecer a Deus. Hoje eu levo felicidade para as pessoas, gravo meus vídeos, tenho reconhecimento, consigo pagar meu aluguel, pago aluguel da minha mãezinha, boto comida dentro de casa. Não tem coisa melhor do que levar felicidade para as pessoas", finaliza.
OP+
Confira no OP+ a série com influenciadores cearenses. Os vídeos podem ser conferidos no Instagram e TikTok do O POVO
Onde: O POVO+
Todo mundo tem uma história de medo para contar e o sobrenatural é parte da vida de cada um ou das famílias. Alguns convivem com o assombro das manifestações ou rezam para se libertar das experiências inesperadas. Saiba mais sobre “Memórias do Medo” clicando aqui