Uma “visagem”, assim chamada as assombrações no Ceará, pode parecer bobeira para alguns descrentes. Mas, para outros, os fenômenos sobrenaturais podem ser tormentos de uma vida inteira. Pelo menos duas histórias cearenses que narram aparições do mundo espiritual são contadas no filme “Memórias do Medo”, disponível na plataforma de streaming OPOVO+.
Em entrevista ao Vida&Arte, Monique Lima, 27, e Davi Macedo, 35, relembram as histórias que assombraram as suas vidas. A experiência dos dois se entrelaçam no horror de duas figuras femininas.
Na casa onde morava, localizada nas Cidades dos Funcionários, Monique presenciava constantes gritos de uma mulher que vinham do portão da residência. Após dias de tormento, ela conta no filme que a assombração cessou após levantar sua voz e pedir para que o espírito fosse para luz. Já Davi relata que ouvia a história de uma jovem de preto que aparecia somente a uma criança da cidade de Iguatu, interior do Ceará. Segundo o relato, a jovem, que conseguiu reunir dezenas de pessoas para rezar o terço através da menina, havia morrido ao cair de um pau-de-arara a caminho de um show de forró. As aparições cessaram quando a suposta mãe da jovem visitou as orações do terço.
Ao ter revisitado suas experiências sobrenaturais no filme, os dois contam que não sentem mais medo e refletem sobre o tabu em torno da credibilidade em histórias de assombração.
“Acho que existe uma rejeição àquilo que não se pode compreender. A reação inicial é o medo e logo em seguida a descrença. Para o espírita isso teria explicações fundamentadas na doutrina e uma aceitação da história. O católico refutaria o fato e diria que não passou de imaginação ou uma confusão da sua mente. A primeira reação seria o medo e em seguida a negação desse medo baseado em algum ‘tabu’ religioso ao qual a pessoa está inserida”, relata Monique.
“É notório um tabu medo ao mesmo tempo que existe curiosidade a respeito da morte. Isso fica claro não só em experiências pontuais, mas penso que é perceptível na sociedade como um todo. A morte ou o que existe após ela é elemento de vários filmes, séries, livros e em outras expressões populares, sejam elas locais ou não. As histórias de aparições são interpretadas de várias maneiras diferentes entre várias áreas”, explica Davi.
A relação com o mundo espiritual na vida dos dois acontece de maneiras diferentes. Adepta do catolicismo, Monique conta que sempre sentiu vibrações e presenças ao longo da vida. Para Davi, a conexão com o divino acontece de modo diverso e com propósito social.
“A minha conexão com a espiritualidade é intensa desde cedo. Sentia vibrações estranhas em determinados lugares ou pessoas. Via sombras passando pelos corredores de casa. Sentia a presença de pessoas que morreram, principalmente em seus velórios. Mas a materialização corporal mesmo veio na adolescência, quando vi pela primeira vez o espírito de uma menina que apareceu à tarde, na minha cama, para assistir televisão”, relembra Monique.
“Frequento uma igreja evangélica, mas já frequentei centros espíritas, fui a grupos de umbanda e candomblé, mesquitas, grupos originários. Tive várias ações em igrejas católicas e em todas as minhas experiências elenco uma como a mais importante, o papel social e educacional que a religião exerce no ensino de valores éticos. Como sou historiador de formação, eu entendo que as narrativas devem ser acolhidas e respeitadas, pois são importantes para nossa melhoria e desenvolvimento como seres humanos”, reflete Davi.
O terror, de alguma forma, continua da vida dos dois. Enquanto Monique ainda experencia fenômenos desde quedas repentinas de energia até a presença da mãe falecida, Davi estuda a transição entre a vida e a morte, o luto e a experiência de quase-morte através de músicas com sua banda “Davitim & Os Vitoriosos”.
Professora da rede municipal de ensino de Maracanaú, Monique conta que já presenciou situações com os alunos em sala de aula. “Alguns presenciaram alguns momentos ‘sinistros’ comigo, como as luzes da sala acenderem quando tínhamos acabado de desligar. Ou os ventiladores da sala ligarem sozinho. Era uma escola com história sinistra, de assassinato entre irmãos nas dependências”, conta.
“Eu tenho um EP no Spotify chamado o ‘Caminho das Lanternas’. Na minha busca para entender essa relação com a morte eu acabei fazendo 144 músicas, entre outras histórias. Ainda faço desenhos animados que publico no instagram (@davitimoficial) sobre o assunto”, comenta.
Assombrados por histórias de terror do mundo espiritual, Monique e Davi revelam seu maior medo no mundo real.
“Meu medo sempre foi enlouquecer, perder o domínio sobre mim mesma. A morte não me amedronta mais, eu não tenho medo de morrer, mas não a desejo de jeito nenhum. Quero viver bastante, para viver muitas experiências incríveis, sobrenaturais ou não, mas viver muitas histórias até que chegue o fim”, projeta Monique.
“Meu maior medo é morrer sem conseguir ajudar o mundo a ser um lugar um pouco mais justo. Sei que isso pode parecer clichê ou utópico, mas de alguma forma me faz tentar ser uma pessoa melhor um dia de cada vez. Perdi meu irmão mais novo e muitos parentes na pandemia. E penso que meu posicionamento na vida vai fazer a vida deles que perdi e das pessoas que ainda tenho aqui valer a pena”, revela Davi.
"Memórias do Medo"
Disponível em: mais.opovo.com.br
Todo mundo tem uma história de medo para contar e o sobrenatural é parte da vida de cada um ou das famílias. Alguns convivem com o assombro das manifestações ou rezam para se libertar das experiências inesperadas. Saiba mais sobre “Memórias do Medo” clicando aqui