Do sorriso largo à pele morena, Sonia Braga é uma das imagens mais icônicas da cultura brasileira. Paranaense de curvas perigosas e sensualidade capaz de causar erupções vulcânicas, sua beleza causou rebuliço no mundo da TV e do cinema quando participou de obras como a novela "Gabriela" (1975) e o filme "O beijo da mulher-aranha" (1985). A primeira cristalizou na atriz o estereótipo da mulher brasileira e a segunda levou esse estereótipo para o mundo com direito a críticas positivas e prêmios internacionais.
A dona dessa beleza estonteante já esteve nua inúmeras vezes para as câmeras ao longo de quase 60 anos de carreira, sempre causando suores e tremedeiras nos fãs. No entanto, se imagem pública é tão popular, a vida íntima é bem guardada e, até agora, não havia rendido sequer uma biografia. O jornalista Augusto Lins Soares quebrou esse jejum com o lançamento de "Sonia em Fotobiografia", reunião de textos e imagens lançada pelas editoras Sesc e Cepe.
São mais de 250 páginas que vão desde os primeiros caminhos percorridos com seu triciclo, ainda com um ano de idade, até o mais recente sucesso como Domingas em "Bacurau", de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Deste filme saiu a bela gargalhada que ela divide com a cantora Lia de Itamaracá, que estampa a página 216. Além das lembranças familiares e bastidores de gravações, a fotobiografia conta com imagens de Sônia feita para publicidade, cenas de viagens e croquis de figurinos usados em eventos e em filmes como a produção norte-americana "Luar sobre Parador" (1988). Dando apoio às imagens, os textos biográficos são assinados pela jornalista Melina Dalboni.
"Eu tive total liberdade para realizar a pesquisa. Não tive interferência e ela só recebeu o livro quando ficou pronto. O acervo pessoal dela está em Niterói e outra parte em Nova York, onde ela mora. Eu só consegui acesso ao acervo do Brasil, por causa da pandemia. Mas tive acesso a ela para pedir ajuda com nomes de pessoas, datas", explica o autor que conversou com a atriz quando estava fazendo a fotobiografia de Dom Helder Câmara ("O santo revelado", 2019).
Arquiteto de formação, designer gráfico e jornalista com passagens por revistas como Superinteressante, Casa Vogue, Elle e Bravo, Augusto Lins conta que acompanha a carreira de Sonia Braga desde os tempos da Vila Sésamo. "A personagem Gabriela foi a grande virada. Não de ela ter se tornado outra pessoa, mas porque ali ela se popularizou de fato. Em 'Vila Sésamo', ela dividia muito as cenas com outras pessoas. Mas com esse papel (em 'Gabriela'), ela fez com que o brasileiro se orgulhasse de ser brasileiro", avalia.
Gabriela da Silva - moça humilde, retirante e sofrida, mas que não perdeu a brejeirice moleca, o que atrai o olhar de homens como o estrangeiro Nacib - foi criada pelo escritor Jorge Amado, que assina um dos textos do livro. "Foi Gabriela, feita de cravo e canela, foi Dona Flor, a dos dois maridos e um só amor, e levou-as pelo mundo afora, corpo e face de raça mestiça do Brasil", relata o escritor baiano sobre uma de suas mais constantes intérpretes - só lembrando que Sonia também deu vida a Tieta, a filha despudorada de Santana do Agreste.
Augusto Lins estreou no formato com a fotobiografia "Revela-te, Chico" (2019), sobre Chico Buarque. Se a de Dom Helder durou quatro meses para ficar pronta, uma vez que ele usou apenas o acervo guardado no Instituto Dom Helder Câmara, que fica na Igreja das Fronteiras (Recife), as do compositor de "Roda Viva" e de Sonia Braga levaram dois anos. "Na Sonia, já tive problemas porque não tinha contrato com autores. Essa pesquisa de imagem que você encontra a foto, mas não sabe quem fez. As imagens agora estão sendo devidamente creditadas. Eu não sossego enquanto não encontro o autor de cada foto", descreve ele sobre esse trabalho arqueológico que, ele não nega, também rende muito prazer.
"Até agora eu me convidei a fazer isso porque eu escolho os meus fotobiografados. São pessoas que têm uma contribuição para a cultura e para a história mesmo", conta Augusto que agora trabalha nos arquivos de imagens das atrizes Zézé Motta e Marieta Severo, e do percussionista Naná Vasconcelos. Este último tem um sabor especial por ser seu conterrâneo pernambucano. "Eu quero contar essa história visualmente. O próprio Naná dizia 'eu sou o Brasil que o Brasil não conhece'. Na música, se você não for o cantor, você não é tão famoso".
Em certa medida, a frase do músico que ganhou o mundo acompanhando gente como Milton Nascimento, David Byrne e Björk leva a uma reflexão sobre Sonia Braga. "A gente fala de pessoas que estão ligadas à cultura, mas eu não sei se as novas gerações fazem essa ligação com a Sonia. Desde antes de 'Bacurau', ela não aparecia tanto. Da mesma forma que ela foi muito popular tem essa coisa de estar morando nos EUA e o povo ter uma memória mais curta". Mas Augusto sabe bem qual a importância da atriz que provocou corações e mentes com atuações em "Dancin' days" (1978), "Aquarius" (2016) e no espetáculo "Hair" (1969). "É a importância no Brasil e no mundo de representar o Brasil".
Fã que acompanha sua fotobiografada há muitos anos, ele conta que não teve nenhuma surpresa ao longo da pesquisa. Mas ela teve. "É muito legal que a Sonia quando recebeu o livro, disse que tinha coisa que ela nem lembrava e outras que ela nunca viu", orgulha-se o autor. "Na capa é ela de Gabriela e na contra é um autorretrato que ela fez durante a pandemia. São várias Sonias, como ela gosta de dizer. A Sonia mulher é muito simples. De cara lavada, ela é muito Gabriela".
Sonia em Fotobiografia
De Augusto Lins Soares (Com textos de Melina Dalboni)
Ed. Cepe/ Ed. Sesc
256 páginas
Preço médio: R$170
Foto biogra fias
Chico Buarque
Esta primeira fotobiografia de Augusto, lançada em 2018, conta com mais de 200 fotos e 22 obras de arte inspiradas no compositor carioca.
Dom Helder Câmara
"O santo revelado" (2018) reúne 204 imagens do religioso cearense, entre fotos, charges e capas de jornal. O acervo veio do Instituto Dom Helder Câmara, que fica na Igreja das Fronteiras, em Boa Vista, Recife.
Zezé Motta
Cantora e atriz fluminense com mais de 50 anos de carreira. Participou do elenco da peça "Roda Viva" e foi premiada quando vivei Xica da Silva no filme de Cacá Diegues.
Marieta Severo
Atriz carioca que fez história em teatro, cinema e TV. Ex-mulher de Chico Buarque, ela fez parte do elenco do espetáculo "A ópera do malandro".
Naná Vasconcelos
Juvenal de Holanda Vasconcelos nasceu em Recife (PE) e tornou-se um dos mais renomados e premiados percussionistas do mundo, tocando com estrelas nacionais e internacionais. Naná faleceu em 2016, aos 71 anos.