"Toda a minha trajetória me trouxe até aqui. Eu vim desconstruindo e construindo à medida que fui me entendendo como a mulher que eu sou hoje", reflete a chef Marina Araujo, de 32 anos. No Dia Nacional da Mulher Negra, o Vida&Arte mergulha na trajetória da cearense, que, desde a infância, tem a cultura alimentar marcando sua história.
Gestora do Mercado Alimenta-CE, equipamento público do Estado voltado à gastronomia, Marina é a única mulher negra à frente de um equipamento cultural gerido pelo Instituto Mirante — e uma das poucas do Ceará. Antes da cearense chegar ao atual posto, porém, sua vida teve inúmeras mudanças. Um ponto de virada ocorreu há dez anos, quando ela ficou sem trabalho e saiu do Marketing para adentrar o universo da confeitaria, começando com a produção e venda de bolos.
A relação com a gastronomia, entretanto, vem desde a cozinha de casa. Foi com sua mãe que aprendeu a enxergar e "tratar a alimentação como uma das coisas mais importantes da vida". De forma nostálgica, ela relembra que a cozinha de casa era como um solo sagrado e que algumas regras precisavam ser respeitadas, filosofia que levou consigo para a vida.
"O arroz lá na minha casa sempre tinha uma cebolinha. No frango cozido, as batatas eram milimetricamente cortadas e as cenouras também. Então assim, era como se ali tivesse uma responsabilidade daquele 'fazer', que tornou a comida pra mim em um alto escalão", conta a gestora.
Em 2016, Marina viajou para São Paulo em busca de explorar novos desafios. O tempo na cidade, porém, não foi longo. Após seis meses, foi embora para Lisboa e, além-mar, viveu cinco anos. De lá, trouxe "frutos positivos" para construir uma importante parte do caminho que a trouxe até aqui. Foi na cidade localizada do outro lado do Atlântico que a gestora se encantou mais pela cultura alimentar e passou a estudar sobre a culinária brasileira. E foram esses estudos que a levaram a se conectar mais com sua negritude.
O ponto de partida foi o dendê. Ela cita a frase "mancha de dendê não sai" para explicar como o azeite marcou sua vida desde a cozinha de sua mãe e agora também levando ela a entender mais sobre questões raciais que ela já conhecia, mas ainda não tão profundamente. "As pesquisas feitas (sobre ancestralidade) me contemplavam. Eu entendi que eu fazia parte", completa.
O estalo para seu retorno ao Brasil ocorreu durante a pandemia. Ao chegar, seu primeiro trabalho foi em uma Organização Não Governamental focada em segurança alimentar, que ela fundou com amigos e permaneceu por 8 meses.
Após encerrar esse trabalho, resolveu realizar um projeto que sempre esteve em seus desejos: abrir um restaurante. Novos desafios, porém, despontaram. "O mercado é um espaço machista e opressor se você for uma mulher à frente de um restaurante" pondera. "É desde o encanador que vai fazer um serviço, ao advogado que te atende. É uma luta tão constante. É tão cansativo você ali à frente desse negócio", desabafa a chef.
"Eu me sentia muito sozinha lá, sabe? Uma empresária mulher, negra, de 30 anos, lésbica. Isso é uma coisa que me deixava muito fragilizada na frente de todos esses organismos gigantescos que querem te engolir", expõe incômodos que sentia quando empresária.
Mas o Chamego, nome do restaurante, era um lugar de orgulho. As palavras "Pretas no Poder" estavam escritas logo na entrada. Suas "bandeiras" estavam ali e ela cozinhava o que gostava.
"Fechei o restaurante na crista da onda. Quando as pessoas iam, elas achavam incrível e eu dizia 'olha, quando o restaurante estiver na crista da onda, eu vou fechar e desaparecer. E foi o que aconteceu", sorri.
O convite para ser diretora do Mercado AlimentaCE veio em 2022, feito pelo então secretário de cultura do Estado, Fabiano Piúba. "A primeira coisa que eu pensei foi: 'Será se sou capaz?' Porque a gente passa por isso, né? Eu, como uma mulher negra, olhava para as oportunidades e tinha receio de todos os problemas intrínsecos ali e que nos invisibilizam. Eles paralisam".
A gestão dela tem sido marcado por diálogos com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e por programações voltadas a comidas populares para o público, como o festival do pratinho. Outro ponto é o documentário "Memória das Guardiãs", que conta a história de quatro mulheres que preservam conhecimentos alimentares da sua região e foi exibido no Cineteatro São Luiz.
"Cultura alimentar é entender que temos um contexto de vida que traz um reflexo na comida completamente expressivo e que, quanto mais valorizamos ele, mais forte ele é, mais identitário ele se torna", sustenta a gestora.
Todo mundo tem uma história de medo para contar e o sobrenatural é parte da vida de cada um ou das famílias. Alguns convivem com o assombro das manifestações ou rezam para se libertar das experiências inesperadas. Saiba mais sobre “Memórias do Medo” clicando aqui