"Sou um homem branco, de olhos verdes, cabelos castanhos, lisos e um pouquinho grandinho até a altura do pescoço e também tô com uma barba por fazer. Posso falar da minha vestimenta, do cenário onde estou… Tudo isso contribui para que a gente consiga construir uma imagem fidedigna de como é cada pessoa", assim Fernando Campos, 30, inicia a conversa. Munido de ferramentas e táticas para domar o digital, o influenciador digital cego ficou conhecido nas redes socais ao combater o preconceito e a discriminação com conhecimento e uma pitada de humor por meio de videos.
Uma dessas ferramentas de inclusão defendidas por Fernando é a autodescrição. O ato simples de descrever as características mais marcantes de si ao se apresentar é revolucionário no cotidiano de quem enxerga o mundo de uma maneira diferente, conforme explica Fernando. "Ela é muito importante para nós cegos, pois conseguimos construir uma imagem real de como é aquela pessoa. A autodescrição tá sendo uma ação cada vez mais comum. No último BBB, os participantes faziam isso, também já vi em algumas palestras", explica.
Como uma "trend da inclusão", o influenciador também desafia famosos ao exercício de se autodescrever para seus seguidores e assim promoverem uma aproximação maior com o público com deficiência visual.
Em entrevista ao Vida&Arte, Fernando, atualmente com mais de quase 300 mil seguidores e milhões de visualizações em seus vídeos, conta a história de como as plataformas digitais viraram palco para levantar sua voz quanto à luta de pessoas com deficiência e mostrar através do seu cotidiano, o quão normais são.
"Eu comecei me dedicando a carreira de palestrante. Depois criei um canal no YouTube para difundir a carreira e falar um pouco de mim, só que eu comecei a divulgar as coisas no Instagram e o foi tomando o corpo, foi ficando maior do que o YouTube. O canal do YouTube também foi me dando a oportunidade de entrevistar artistas, eu conversei com vários artistas Claudia Leitte, Sandy, Ivete Sangalo, Dira Paes e Nando Reis. Por fim, essas outras redes, Twitter e TikTok foram tomando conta de mim me consumindo e eu tô 100% focado nessas redes", conta.
Os vídeos do comunicador abordam temas comuns, mas na perspetiva de uma pessoa cega. Danças virais, dinheiro, relacionamentos, surfe, afazeres domésticos, tudo está no radar de Fernando, que com humor esclarece termos e situações capacitistas.
"Eu tenho uma grande fatia do meu público que é do meio PCD (Pessoa com Deficiência Física), mas eu dialogo muito com as pessoas que também não são. Eu tô levando uma mensagem para elas de 'respeitem os PCDs', entendam que nós somos capazes. Levando uma outra visão a respeito dessas pessoas para elas, como também levando uma mensagem de motivação, mostrando que nós podemos realizar e o que elas podem também", pontua.
A condição de Fernando não é o único tema que ele discute nas redes. A rede de apoio entre influenciadores PCDs faz o comunicador produzir conteúdos que abordam diversas pautas, desde o autismo à paralisia cerebral.
"Quando eu vou me aventurar em outra causa, seja em uma outra deficiência, seja o autismo, seja da pessoa com deficiência auditiva, eu estudo e eu busco pessoas dessa realidade para me darem respaldo. A gente está sempre em constante aprendizado. Já fiz vários conteúdos com Ivan Baron, já fiz conteúdo com Maju de Araújo que é modelo internacional com síndrome de Down, já tive momentos com a Pequena Lô, também Rita de Libra, que é uma drag que faz linguagem de sinais nos shows", detalha.
Para a gravação e edição de conteúdos, Fernando conta com uma equipe e com o marido Brunno Furtado. "Hoje em dia eu tenho pessoal que trabalha comigo, tem um rapaz que edita os meus vídeos, ele super topa desafios. Ele até gravava comigo também os conteúdos em Natal. Hoje em dia quem grava comigo os conteúdos é meu marido Brunno, porque eu me mudei. Tô morando em São Paulo", conta.
O desafio de gravar é fichinha perto do principal hobbie de Fernando: o surfe. "Não enxergar não me impede de pegar uma onda, surfar me faz sentir vivo, livre, é libertador. Claro que preciso de instrutor para saber a hora de pegar a onda e dar alguns sinais para saber se o espaço onde estou surfando está livre para que ninguém se machuque. Com responsabilidade e muito respeito pelo mar, encontrei uma forma de praticar esse esporte de forma segura", ressalta.
A história de Fernando como uma pessoa cega começa ainda na infância. Nascido em Natal, no Rio Grande do Norte, aos dois anos, ele foi acometido por um retinoblastoma bilateral. Trata-se de um tumor maligno originário da membrana neuroectodérmica da retina embrionária, o tumor maligno ocular mais frequente da infância. O mesmo câncer que a filha de Tiago Leifert enfrenta. "Fui diagnosticado em Natal. A minha família me levou para os Estados Unidos para que a gente fizesse o tratamento. Eu passei um ano lá fazendo quimioterapia e radioterapia, mas chegou a hora que a gente teve que retirar os globos oculares. E aí eu passei a usar a prótese", conta Fernando.
Com a luta enfrentada, a família de Fernando, ao voltar para Natal, fundou a Casa de apoio à criança com câncer Durval Paiva para atender a crianças carentes com câncer. "A Casa Durval Paiva se tornou referência no Estado do Rio Grande do Norte e no País no atendimento a essas pessoas. Já fomos eleitos a melhor ONG do Brasil, fomos eleitos a melhor do Nordeste e também já fomos contemplados pelo Criança Esperança", comemora.
Mesmo com desafios de acessibilidade na navegação do usuário, a internet é oportunidade de muitas pessoas com deficiência serem midiatizadas e viabilizadas, conforme defende o influenciador.
"A internet oportunizou muito isso, horizontalizou. Eu não tive representatividade, quando eu era criança, não tinha pessoas cegas na TV, não tinham pessoas com deficiência na TV, era muito raro. Não tinha espaço para as pessoas com deficiência nesse meio artístico e a internet é uma oportunidade. Hoje em dia eu recebo mensagens de muitas mães dizendo que querem que os filhos sejam iguais iguais a mim e de adolescentes de jovens de 14 anos dizendo que querem ser igual a mim, que as histórias parecem muito com a minha e isso é incrível. Eu me sinto muito honrado", reflete.
Minimanual de acessibilidade na internet
Saiba mais em: @fernandocampos
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