Autor de "Primavera nos Dentes: a História do Secos & Molhados - Ditadura, censura e sedição" (2023), biografia que acompanha o levantar e cessar da banda, o jornalista Miguel de Almeida deixa explícito que os primeiros a embarcar na ideia do grupo foram os jovens, as crianças e as mulheres. Eles viam, e acreditavam, na imagem criada pelos integrantes. "Era algo completamente diferenciado do que acontecia no período pela questão de conteúdo. O grupo coloca pela primeira vez no Brasil a ideia do espetáculo musical, justamente pelo figurino, maquiagem e gestual", acrescenta o comunicador.
Ele credita os três elementos à performance de Ney, figura que eleva e sustenta o auge do trio. "Ele é uma destituição da questão de sexo homem-mulher. É uma construção de uma persona sem essa questão binária, nem masculino, nem feminino. A contribuição é no sentido da evaporação dessa fronteira. O Ney vai dizer que não é homem, nem mulher, também pode ser bicho", conta. O trabalho fonográfico também imprime uma modernidade adquirida pelo conteúdo do disco. "'Rosa de Hiroshima', por exemplo. Nós estamos nesse momento com uma guerra na Europa que vira e mexe ameaça jogar uma bomba. Cinquenta anos depois, infelizmente, está completamente atual", menciona Miguel.
Acima de tudo, o autor destaca que vale ampliar o grito da mensagem de preservação da humanidade propagada pela banda. "Você tem as interpretações do Ney, um dos maiores intérpretes do Brasil. A maneira com que ele interpreta as canções, harmoniza os versos é completamente particular. Não tem uma coisa igual no Brasil". A construção das figuras é revisitada pela segunda vez na reedição de "Primavera nos Dentes: a História dos Secos & Molhados", desta vez com lançamento da editora Record. Inicialmente divulgado em julho de 2019 pela editora Três Estrelas, o escrito detalha toda a trajetória do coletivo, com texto construído a partir de entrevistas e pesquisas.
"Eu tenho seis capítulos novos e entrevistas que eu não tinha conseguido fazer na época da primeira edição, como a do produtor Henrique Suster, contando sobre os dias finais do grupo. Ele traz revelações, atestando que o final do grupo foi uma questão de dinheiro", revela. Outra novidade desta segunda versão é a ligação direta da influência teatral na formação musical de artistas como Secos & Molhados, Chico Buarque, Caetano Veloso e Edu Lobo. A produção literária inspirou a série documental que tem previsão de lançamento para o mês de outubro no Canal Brasil. "Você tem entrevistas com a maior parte dos personagens que estão nos livros, mas com uma importância política da época da repressão da luta contra a ditadura, da visão militar. Isso está no livro, mas está mais evidente no documentário", define Miguel.
Ao completar esse processo imersivo na história da banda, Miguel se reencontra com a versão de si mesmo aos 14 anos de idade, quando descobriu o grupo. "Olho como se fosse a minha própria história. Na hora que eu escrevo, estou escrevendo alguma coisa que ajude a compreender minha formação de gosto, política. Quando vou conversar com esses personagens que são bem mais velhos, eles me ajudam. É muito interessante, embora seja um livro de não-ficção, tem uma questão de poesia e ludicidade trazida para a vida vivida", complementa o jornalista.