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O vira
Vida & Arte

O vira

Transgressão
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Os êxitos chegavam aos olhos dos públicos em apresentações de caráter singular, diferente de toda estética existente. As performances, com inspiração no grupo estadunidense Cockettes, eram feitas com purpurinas, dentes de animais, maquiagens, penas, tapas-sexo e lenços. No auge da repressão militar, a interpretação de Ney engrandecia as letras com aspectos teatrais, utilizando o componente sexual e combatendo normas de gênero. Flávio relembra que, há cinco décadas, as discussões sobre gênero e sexualidade não eram postas em pauta.

A abertura para estas discussões surgiu, dentro da obra do coletivo, a partir de "uma fusão de pensamentos e objetos". O pesquisador repara que os avanços nos debates são feitos de uma forma "não organizada", de maneira não estabelecida. "Nada foi premeditado. Foi uma preliminar, digamos assim, dessas discussões. Mexia muito com o inconsciente das pessoas, o que era masculino e feminino". Ele afirma que a grande sacada dos integrantes foi a transgressão comportamental e a contracultura para que, então, pudessem se tornar percussores. "Foi uma forma de agredir sem ser agressor, de se contrapor ao poder através da sensualidade e sexualidade. Infelizmente, nós vemos eclodir mais uma vez esse retrocesso. Eles ajudaram a desencaretar o País".

A movimentação aconteceu logo após a onda tropicalista, que traz à tona inquietações das lutas da época de enfrentamento do golpe de 1964. "A juventude começa a ter referências de androginia, do movimento gay, da liberdade sexual nas relações. Tem as referências do movimento hippie, da emancipação feminina, isso influenciou muito na arte", considera a cantora, compositora, produtora e jornalista Mona Gadelha. A profissional afirma que a arte atuou como um suporte que legitimava a luta "mesmo com os valores muito caretas".

As crenças antiquadas eram contestadas no repertório musical e nos espetáculos. Nesse cenário, ela confirma que o Secos & Molhados é pioneiro. "(O grupo) Liga dois pólos. O Ney, com aquela postura andrógina, fazendo consonância com o mundo e ao mesmo tempo era queridíssimo pela população. É um fenômeno um grupo ser extremamente ousado e, ao mesmo tempo, mainstream", relembra. Mesmo com a censura, a banda atestava a moral conservadora e questionava os limites impostos no sexo e desejo. Nem assim, nem assado, ou, como menciona Ney, "algo não identificado", nem homem, nem mulher, "quase um bicho". A atitude libertária fundada em visões lúdicas, longe dos padrões, inspirava a autenticidade da individualidade.

Para Mona, poucos artistas seguiam o mesmo trajeto transgressor. Um exemplo notório, portanto, é a potência de Gal Costa (1945 - 2022). "O disco 'Índia' (1973) mostra uma ousadia na capa, na postura dela que é um ícone e mostrava uma sensualidade, enfrentava mesmo uma caretice com versões rock'n'roll de clássicos. Ela é uma transgressora revolucionária", aponta. Estes e outros casos são descritos em "Perfume Azul: Rock e Transgressão em Fortaleza nos anos 70", novo livro de Mona. A produção literária proveniente da dissertação de mestrado mostra como os integrantes da banda Perfume Azul, uma das pioneiras do rock de Fortaleza. "Acho que foi algo muito natural e espontâneo de pessoas jovens que estavam antenados com o que estava acontecendo, de propor uma ruptura".

 

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