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Primeiro caso de LGBTfobia no Brasil, registrado no século 17, inspira exposição
Vida & Arte

Primeiro caso de LGBTfobia no Brasil, registrado no século 17, inspira exposição

Exposição parte da história de Tibira do Maranhão, indígena tupinambá considerado a primeira vítima de LGBTfobia do Brasil, para refletir sobre o tema no Brasil contemporâneo
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Obra de Eduardo Bruno e Waldirio Castro,
Foto: Eduardo Bruno e Waldirio Castro / divulgação Obra de Eduardo Bruno e Waldirio Castro, "Quaresma para Tibira" também integra exposição

No século XVII, o indígena tupinambá Tibira foi assassinado a mando de frades franceses da ordem dos Capuchinhos, na região onde hoje é localizado o estado brasileiro do Maranhão, pelo "crime" de sodomia. Em julho deste ano, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou nova edição do anuário da área que aponta que o Ceará foi o Estado com maior número de mortes violentas contra pessoas LGBTQIA em 2022, além de ser o terceiro em número de lesões corporais dolosas.

Apesar de separadas por séculos, as experiências de Tibira e das pessoas afetadas recentemente pela violência LGBT compartilham inúmeros pontos de ligação. Partindo da história daquele que é considerado o primeiro registro de LGBTfobia do País, a exposição "Degenerado Tibira: O Desbatismo" busca um gesto de afirmação de vida e rompimento com os fardos impostos às pessoas LGBTs.

Com curadoria de Eduardo Bruno e Waldirio Castro, a mostra abre nesta segunda, 7, na Casa do Barão de Camocim, a partir das 19 horas. Na ocasião, o espaço acolhe a performance "Espiral da Morte", da artista Uýra Sodoma.

Além dela, o mês em cartaz contará ainda com mais quatro apresentações de performances, atividades que vão ao encontro do conceito de "exposição performática", na qual a mostra "vai se remontando e reorganizando", como explica Eduardo, à medida que as obras vão se relacionando e desenvolvendo.

Os artistas-curadores já tinham contato com a história de Tibira em decorrência de pesquisas anteriores e, desde que tomaram conhecimento, elaboraram um processo de criação. De projetos de performance, peça e instalação, chegou-se ao formato da exposição coletiva.

"Falamos de Tibira enquanto uma junção de diversas pessoas LGBTs. Como a gente entende hoje, o que Tibira seria? Mais do que identificar, para a gente era pensar nessa figura enquanto ancestral de dissidência de gênero e sexualidade", elabora Eduardo.

Também artista-curador, Waldirio Castro explica que a exposição exercita "romper com a lente de mundo cis-hetero-cristã-colonizadora" e também reimaginar "outras narrativas para os corpos historicamente minorizados".

Com mais de 30 obras, a exposição conta com participação de 19 artistas LGBTs das regiões norte e nordeste do Brasil, além do Chile. "Propomos um olhar diverso compreendendo as obras não apenas como tensionadoras ou 'enfrentativas', mas também enquanto pulsão de vida e compartilhamento de outros modos de ser, estar e se relacionar no mundo", afirma Waldirio.

"É muito importante projetar essa narrativa sobre Tibira, que, assim como tantos outros personagens negros e indígenas da nossa história que vivem às margens, são apagados e invisibilizados durante uma narrativa histórica oficial", destaca o artista Ziel Karapotó.

"A gente propõe, trazendo essa narrativa, um ponto inicial para abordar todas as violências que os LGBTQIAP sofrem. É um ponto de partida para entender esses processos coloniais sobre nossos corpos, trajetórias de vida e direitos violados", avança.

Já Céu Vasconcelos, que estreia em exposições visuais na mostra, ressalta que apagamento é "sintoma da corpocisheteronormatividade". "Retornar à história de Tibira é questionar e borrar a história oficial, não aceitar o que está dado, o apagamento, a morte. É causar uma fissura na história e no mundo, e, a partir dessa fissura, se infiltrar, derrubar e construir um mundo novo", reflete.

Apesar de partir do dado do ataque a Tibira ocorrido no século XVII, a exposição conclama à celebração da existência do "mártir ancestral" e, também, a uma resposta às perseguições promovidas ao longo dos anos, em especial, pelo cristianismo conservador. Indo além da violência, a mostra propõe não somente reparação histórica, mas afirmação de vidas — a de Tibira e tantas outras que vieram, estão e virão.

"Insistência, inventividade, alegria, pulsão de vida, festa, alianças e tantas outras coisas são algo que também pode nos constituir", ressalta Waldirio. "É extremamente importante que estejamos atentas aos vícios coloniais, como o de assistir nossos corpos sangrando e agonizando. O que estamos fazendo aqui é exatamente romper com esse vício, quebrar esse ciclo", observa Céu.

Para Ziel, esse gesto é fruto da própria escolha de destacar a história pela arte. "Ela mostra a nossa força política, a nossa potência criativa, a força das nossas manifestações e expressividades — isso enquanto luta, afirmação de direitos e estratégia para romper com a transfobia e a homofobia", elabora o artista. "É a linha tênue entre o ser político e o ser poético. A arte, acredito, é a melhor ferramenta para essa estratégia", defende.

 

Degenerado Tibira: O Desbatismo

Quando: abertura nesta segunda, 7, às 19 horas; em cartaz até 8 de setembro; visitação de terça à sexta, das 10 às 17 horas, e aos sábados, das 9 às 16 horas

Onde: Casa do Barão de Camocim (rua General Sampaio, 1632, Centro)

Gratuito

Mais informações:
@imaginarios_arte

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