"Não vejo minha vida com uma visão dolorida. Tudo o que eu passei era necessário eu ter passado. Forte sou porque passei e porque encontrei uma forma de que esse posicionamento viesse me ajudar a ajudar a comunidade em que eu nasci - e a educar, que com certeza é o fator mais importante em direção às mudanças sociais que esperamos no Brasil".
Para Carlinhos Brown, encarar seu passado não significa contemplá-lo com tristeza, mas com reflexão e afeto sobre o que enfrentou para que seus passos o levassem às etapas nas quais se encontra hoje. Mesmo diante de contextos de pobreza e muitas dificuldades na infância no Candeal, bairro onde nasceu em Salvador (BA), o artista reforça não sentir dor sobre isso.
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"Eu não gosto de chorar o passado. O que eu passei, passei para ser o que eu sou, e quero melhorar a cada dia, respeitando, é claro, as bases", destaca. Resgatando a importância de suas raízes e dos feitos que o auxiliaram não apenas a se tornar um dos artistas mais criativos e renomados do Brasil, mas também a alterar positivamente a realidade social de diversas pessoas, Brown chega, enfim, à sua primeira biografia.
Escrita por Julius Wiedemann, "Meia-Lua Inteira - A Constelação Mística de Carlinhos Brown" é o resultado de mais de dois anos de produção e mais de 30 horas de entrevistas com o biografado e com amigos e familiares. Na obra, o cantor, multi-instrumentista, compositor e artista visual tem sua trajetória pessoal e profissional revisitada. O livro é publicado pela editora Record e já está à venda.
Dos relatos sobre as experiências da fome e de dormir na rua ao reconhecimento internacional na música, o trabalho reúne diferentes histórias sobre a vida de Antônio Carlos Santos de Freitas - ou melhor, registros sobre "as vidas" de Brown, como afirma o autor de "Meia-Lua Inteira". Afinal, para Wiedemann era "inconcebível" Carlinhos ainda não ter uma biografia pela quantidade de vidas que já tinha vivido.
"Eu acho que uma biografia, no meu caso, nasce para inspirar, não para dar status à minha história. Acho engraçado quando o Julius fala de 'viver várias vidas', porque acredito que a gente vive várias vidas, sim, em uma vida. No meu caso, a minha, que foi de dificuldades como para várias circunvizinhas, eu aceito a inspiração como um motor regenerativo da minha própria alma", afirma Brown em entrevista ao Vida&Arte.
Diante disso, ele se considera "grato" pela sua trajetória e relata continuar trabalhando "arduamente" para poder dar sua colaboração. Hoje com 60 anos de idade, Carlinhos Brown tem currículo recheado por conquistas profissionais e por contribuições nos campos da luta contra o racismo e por melhorias sociais a partir da música e da educação.
Ele foi o primeiro músico brasileiro a fazer parte da Academia do Oscar, participou dos primeiros arranjos que deram origem ao Axé Music e ao Samba Reggae, teve mais de 800 canções registradas, promoveu várias revitalizações rítmicas com conexões com suas raízes e idealizou projetos sociais para melhorar as condições de vida no Candeal, como o Candeal Guetho Square, casa dos ensaios do Timbalada, e o centro educacional Pracatum.
A biografia também aborda a espiritualidade de Brown, algo inseparável de sua trajetória e trabalho, pois, a partir do Candomblé, ele busca a conexão com divindades e seus ancestrais.
Com tantos caminhos percorridos, como foi, para o cantor, revisitar sua trajetória? Ele afirma que a biografia foi um movimento importante "até para se autocriticar" e buscar mecanismos para que sua história se tornasse uma inspiração, ressaltando seu papel como arte-educador e uma parte que iria além de contar sobre, por exemplo, quando dormia nas ruas.
"Eu quase pendi a um lado que me traria para estar como alguém em conflito com a lei, e busquei, de um certo modo, evitar as drásticas situações que eram estatísticas do lugar onde eu vinha. Que bom que eu encontrei a música, mas todo mundo tem a mesma oportunidade que eu", alega.
Ele explica: "O que eu quero dizer com tudo isso? Acredite no seu talento, na sua oportunidade de vida. Não importa se você é pedreiro, porteiro ou motorista, todos nós somos iguais e importantes, porque tudo é um servir. Era essa a exposição que mais queria, e acho que mesmo assim, contando dissabores e vitórias, chegamos a algo que não está a história toda, mas tem algo para começar uma boa biografia".
Op+
A entrevista completa com Carlinhos Brown está disponível na seção Filmes e Séries da plataforma O POVO+. No 60º episódio do Vida&Arte Convida, o músico também aborda lutas contra a pobreza e o racismo, a influência da inteligência artificial nas produções artísticas e percepções internacionais sobre a música brasileira atualmente.
Meia-Lua Inteira
de Julius Wiedemann
Editora Record
308 páginas
Preço médio: R$ 59,90
Todo mundo tem uma história de medo para contar e o sobrenatural é parte da vida de cada um ou das famílias. Alguns convivem com o assombro das manifestações ou rezam para se libertar das experiências inesperadas. Assista ao filme clicando aqui.