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Lúcio Flávio Gondim lança romance que aborda chacina do Curió
Vida & Arte

Lúcio Flávio Gondim lança romance que aborda chacina do Curió

Com a Chacina do Curió como pano de fundo, romance "Salve Rainha" apresenta a história de um jovem quadrilheiro em conflito com a própria mãe
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Professor, pesquisador Lúcio Flavio Gondim (Foto: Thais Mesquita em 30/08/2022 /OPOVO) (Foto: THAÍS MESQUITA)
Foto: THAÍS MESQUITA Professor, pesquisador Lúcio Flavio Gondim (Foto: Thais Mesquita em 30/08/2022 /OPOVO)

"Nossa Senhora não tem preconceito com as coisa. Ela é igual a nós as travesti as sapatão as viada as machuda. Eu queria ser Nossa Senhora! Eu quero ser a Virgem", assim proclama Pedro Bryan, personagem principal de "Salve, Rainha". Escrita por Lúcio Flávio Gondim, a obra retrata a história de um jovem gay do interior do Ceará que migra para a Capital após ser expulso de casa pela mãe evangélica quando é flagrado com um vestido de quadrilha. Meses depois, com o posto de rainha de quadrilha, Pedro retorna a falar com a mãe por meio de cartas que escancaram conquistas, romances eróticos e a vida na cidade grande transpassada pela violência urbana.

A obra será lançada no Espaço O POVO de Cultura e Arte nesta sexta-feira, 1º, a partir das 18 horas, com mediação de Lia Leite, professora, pesquisadora e editora das Edições Demócrito Rocha. "Eu estou contando a história de um menino muito pobre que gasta R$ 10 mil em um vestido. Como é que essa pessoa consegue grana para isso? Existem pessoas que dão essa grana por amor? Porque não recebe quase nada em troca. Um grande plano de fundo do livro é uma suposta festa no meio de uma grande tragédia. Que é um assentamento das facções criminosas no Estado do Ceará. E a partir daí a relação da política que a gente tá vindo cada vez mais atual da criminalização das periferias também. Os assassinatos e as chacinas da Grande Messejana até o Forró do Gago", afirma Lúcio Flávio.

Praga, morte, sexo, fé e quadrilha junina compõem a história de Pedro Bryan. Para assumir o papel de rainha de quadrilha, ele encarna a personagem de Raquel Alencar. Estoquista de supermercado, Pedro move mundos e fundos para conseguir ser a melhor rainha de quadrilha junina do Ceará. Em meio a essa busca, já árdua desde a sua vinda à capital, Pedro perde o primo na Chacina do Curió. Atentado que marca a história de violência no Estado. Ao todo, 11 pessoas foram assassinadas por policiais militares na madrugada do dia 11 de novembro de 2015. A trama ainda retrata com detalhes o sofrimento da mãe, o da comunidade e a luta por justiça.
Apesar das grandes tragédias da vida de Pedro, o desejo e a fome de vida nunca o deixaram para trás. Envolto em um triângulo amoroso e amante de vários, o rapaz tem uma vida sexual ativa e conta as experiências com riqueza de detalhes nos relatos do livro.

"Eu quis experimentar com o Bryan algo que eu nunca consegui ser, eu queria saber como era ter o poder nas minhas mãos e no meu corpo. Ele pega todo mundo na história, ele é uma máquina de desejo. Ele é ativo, ele é passivo, ele pega um homem casado, ele pega solteiro. Para mim é fundamental contar uma história gay real. Com a violência, a sordidez, com o desejo, com alguma paixão, dependência, submissão tudo que as histórias gays reais possuem. O que se espera do gay da literatura são relações higienizadas, monogâmicas. Que casam. Fecha o livro, no mundo gay as pessoas transam e depois não sabem o nome daquela pessoa", revela o autor.

O erotismo exacerbado de detalhes é uma das formas de vingança de Pedro. O livro é um grande compilado de cartas para a mãe Dona Lúcia. Para afrontar as virtudes da genitora envia todas as conquistas e conteúdos sórdidos em sua escrita. Além disso, durante toda sua trajetória, ele murmura as pragas que a mãe o jogou.

"Agouro! Feitiço! Quebranto! Essa praga veio contigo não foi? Bicha ruim sangue ruim. Uma vez a Jumara que butava carta lá na Madalena me disse que tinha uma coisa pesada nas minhas costas mas num disse o que era", afirma Pedro em trecho do livro.

A praga, que fazia tudo dar errado na vida de Pedro, só não era maior que sua fé em uma mãe superior: Maria, mãe de Jesus. "Se não fosse por Nossa Senhora eu ia ser o que? Um repositor véi de mercantil que trepa com um e com outro quando tem tempo de fugir dessa prisão de pobre! Com Nossa Senhora eu cheguei em todo os lugar que eu quis mesmo sem dinheiro mesmo sem ajuda mesmo sem família. Eu sou um guerreiro e minha arma é ungida pela santa mãe de deus essa merma que tu odeia! E inveja é mãe? E inveja de ser amada dona Lucia? E inveja de não ser mãe na vida e na morte como Maria é?", destaca Pedro.

O autor ainda defende que múltiplas religiões perpassam a obra. A mãe evangélica, o filho católico, o namorado espírita, o ficante umbandista são exemplos dessa pluralidade presente no livro. "Eu acredito que o ‘Salve Rainha’ é um livro sobre espiritualidade. Eu fiz questão de colocar espiritismo, candomblé, umbanda, igrejas evangélicas", defende Lúcio.

Nas vestes de rainha, Pedro Bryan, um homem gay afeminado, exerce o glamour com queixo levantado de realeza, na justificativa certa de que o sonho de menino do sertão com pérolas e lantejoulas é maior que qualquer apontamento de exacerbação.

"Há uma construção dentro desse movimento junino de personagens que são tão brilhosos, tão glamourosos. Eu acho que muita gente que gosta de organização da quadrilha critica porque 'isso não é o sertão'. Ao mesmo tempo a gente se pergunta, mas será que não é essa a subversão, não é essa arte? De dizer que mesmo sendo nordestino, mesmo lascado, eu consigo pagar R$ 10 mil em um vestido e arrasar. Então é isso o que nos leva a ser vitoriosos e grandiosos", reflete o escritor.

Das dores e alegrias do sertão também se faz a escrita de "Salve, Rainha". Uma obra genuinamente cearense na linguagem, nas vivências e na mão que a escreveu. "Salve, Rainha", além de ensinar lições, é um convite para o palavreado cearense. Não há uma só palavra que não fora escrita sem o linguajar próprio do Ceará e não há pesar nisso. Apenas a certeza de que a literatura escrita é um espetáculo, conforme explica o autor.

"A estrutura narrativa é a história de um menino de 20 e poucos anos que senta e vai vomitar um bocado de coisa no computador. Ele tem que falar desse jeito, tem que escrever assim. Agora nada disso me exime de uma estrutura narrativa muito poderosa e muito forte. Eu fiz muito curso de roteiro. Então o que eu acho que cada vez mais o leitor, ele é um espectador. A gente vê muito mais séries e filmes. Então acho que a gente tem que aprender com isso a fazer espetáculos. E colocar a nossa linguagem nisso, quer dizer que a gente é a gente e pode tudo", defende Lúcio Flávio.

Lançamento "Salve, Rainha"

  • Quando: sexta-feira, 1º, às 18 horas
  • Onde: Espaço O POVO de Cultura e Arte (Avenida Aguanambi, 282 - Joaquim Távora)
  • Programação gratuita 

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